quarta-feira, 17 de abril de 2013

Alemanha: DIREITA COM PEDIGREE




A principal bandeira do novo partido que acaba de nascer na Alemanha, o ‘Alternativa para a Alemanha’, pede o ‘o desmantelamento ordeiro da Zona do Euro’. A maioria de seus membros são egressos do partido da chanceler Angela Merkel, a União Democrata-Cristã (CDU). Mas há também gente do FDP, correligionário da chanceler no governo, e até do SPD.

Flávio Aguiar - Carta Maior

Berlim – Na Alemanha quem tenha um título universitário de doutor para cima deve – não apenas pode – integrá-lo a seu nome nos documentos oficiais, como carteiras de identidade, passaportes, e outros. Assim aqui meu nome próprio seria Dr. Flávio Wolf de Aguiar, a que eu poderia juntar “Professor” invocando minha posição brasileira ou fazendo um concurso para titular aqui, sendo que “Professor” é uma designação reservada para o estamento universitário. Os outros são meros “Lehrer” e “Lehrerin”, embora às vezes possam até ganhar mais do que aqueles.

Esta titulação tornou-se tema de debate por causa de sucessivas acusações de plágio nos seus doutorados, algumas comprovadas, contra políticos alemães, sendo a mais notória a do ex-ministro do Interior, Karl-Theodor Zu Guttenberg, e a ex-ministra da Educação(!), Annette Schavan, ambos do partido de Ângela Merkel, que perderam seus títulos e seus cargos.

A desmoralização chegou a tal ponto que corria por aqui uma piada, sobre alguém que pretendia candidatar-se a algo, prefeito, primeiro-ministro, etc. “Qual a sua qualificação?”, pergunta o presidente do partido em questão. “Ele(a) não tem doutorado”, responde o secretário. “Ótimo, então pode”, treplica o primeiro...

Mas agora o título está em alta novamente. É que no último fim de semana criou-se oficialmente um novo partido, o “Alternative für Deutschland”, Alternativa para a Alemanha https://www.alternativefuer.de/

Dos 83 primeiros signatários da carta de fundação e de intenções, 57 – quase 64% – ostentam orgulhosos prefixos titulados em seus nomes: “Dr.”, ou “Prof. Dr.”. É pedigree para ninguém botar defeitos. Entre os outros, destacam-se empresários, jornalistas e juristas de primeira linha, por exemplo.

A criação do novo partido, com 1.500 congressistas representando 7.500 inscritos, aconteceu numa das salas de reunião do hotel InterContinental Berlin. Segundo analistas, quase 70% de seus membros são egressos (ex-militantes ou ex-eleitores) do partido da chanceler Angela Merkel, a União Democrata-Cristã (CDU). Mas há também egressos (desiludidos) do FDP, correligionário da chanceler no governo, e até do SPD. 

A principal bandeira deste novo partido, que já quer apresentar-se nas eleições nacionais de setembro próximo, é “o desmantelamento ordeiro da Zona do Euro”. Seus membros queixam-se da falta de democracia na zona da moeda, e, sobretudo, do fardo posto nos ombros dos contribuintes alemães pelas sucessivas “ajudas” a países endividados, como Grécia, Irlanda, Portugal, Espanha e mais recentemente, Chipre. A base daquela desarticulação da Zona do Euro seria o resultado, caso a proposta fosse vitoriosa, de sucessivos plebiscitos nacionais nos países abrangidos pela moeda.

Ao contrário de partidos de extrema-direita de outros países, como a Holanda e a Áustria, o novo partido não se apresenta como “nacionalista” (anátema na Alemanha) ou anti-imigrantes. Cautelosamente, prefere dizer, entre suas palavras de ordens, que reivindica uma política de “atração de imigrantes melhor qualificados”. O novo partido também se apresenta com o dedo acusador contra bancos, fundos de investimento e grandes investidores privados, afirmando em sua página na internet que eles é que devem pagar pela atual situação européia, já que são os grandes responsáveis por ela, o que não deixa de ter um certo “sex appeal” potencial para uma massa maior de possíveis adeptos.

Entretanto, não se pode fugir de vê-lo na esteira do sucesso de dois livros de impacto na cena alemã, ambos de Thilo Sarrazin: “A Alemanha que se autodestrói” e “A Europa não precisa do euro”, que tansformaram o já abonado autor em milionário quase da noite para o dia. Nestes livros Sarrazin, que, por isso perdeu seu cargo no Conselho do Bundesbank, abomina os imigrantes turcos, acusando-os de rejeitarem a integração na sociedade alemã, e afirma que o que faz a Alemanha colocar sua força financeira na ajuda a outros países da Zona do Euro é, sobretudo, seu complexo de culpa coletivo em relação ao Holocausto e à Segunda Guerra.

Também no horizonte do novo partido estão os 27% do eleitorado que dizem sentir saudades do velho marco alemão, numa mistura de nostalgia e de rejeição a um sentimento de responsabilidade por uma Europa que, para esta parcela, não segue um padrão adequado (alemão) de comportamento, voltado mais para a poupança e a morigeração, do que para o desperdício e até a ostentação. 

25% dos eleitores, em pesquisa feita durante o fim de semana, disseram que poderiam considerar o novo partido como opção sem setembro. Ainda assim, em pesquisa de intenção real de voto, apenas 3% confirmaram que votariam no Alternativa. Na mesma pesquisa, a CDU da chanceler aparecia com 39% (contra 41% em pesquisa anterior), o SPD com 26% (27% antes), os Verdes com 15% (14%), a Linke com 6% (8%) e o Partido Pirata com 3%, o mesmo resultado de antes. O FDP comparece com 5%, contra 4% na pesquisa anterior.

Se estes números mostram um potencial ainda relativo para o novo partido (a cláusula de barreira na Alemanha é de 5%), mostram também um potencial que pode ser um complicador para o governo de Angela Merkel. Não que seu partido possa cair muito. Porém, cada voto que seu correligionário de governo, o FDP, ganhe ou perca será vital para que ele ultrapasse ou seja barrado pela cláusula. Sem o FDP, a situação da chanceler periclita, porque o atual candidato a primeiro-ministro do SPD, Peer Steinbrück, declarou que de jeito nenhum fará uma composição com a CDU para formar um novo governo. Ainda que essa afirmação possa ser apenas um arroubo de campanha, por ora ela põe a espada de Dámocles sobre o pescoço do governo atual.

As reações ao novo partido variam. Políticos da CDU tentam minimizar suas propostas européias e seu possível impacto em setembro. Um líder da CDU declarou que a proposta de acabar com o euro é como querer recompor os ovos depois de ter feito a omelete. O editorial do jornal sensacionalista e conservador Bild considerou seus membros como “amadores”, lembrando o anátema lançado pelo político norte-americano sobre os aristocratas da reunião convocada por Lord Darlington em seu castelo para discutir a situação européia, no romance de Kazuo Ioshiguro e no filme de James Ivory, Os vestígios do dia. (Quem não viu, por favor dirija-se sem demora à locadora mais próxima. Ou baixe da internet. Se não leu, veja aqui)

Amadores ou não, aristocratas (do espírito, pelo menos) ou não, a fundação do Alternativa mostra que há uma elite burguesa ou classe média “high brow” na Alemanha que se sente isolada pela política da chanceler de falar duro e carregar a vara de marmelo da austeridade pela Europa afora e incomodada pelas reações que isso vem provocando. Uma das reclamações mais constante entre as lideranças do novo partido é a de verem seu governo e sua chanceler, nos cartazes das manifestações, associados ao antigo nazismo. E esse incômodo dá, certamente, pano para manga no meio ambiente político e cultural alemão. A ver se o novo partido – decididamente do campo conservador – vai conseguir costurar essas mangas no seu colete.

Fotos: www.tagesspiegel.de 

Sem comentários:

Mais lidas da semana