A principal
bandeira do novo partido que acaba de nascer na Alemanha, o ‘Alternativa para a
Alemanha’, pede o ‘o desmantelamento ordeiro da Zona do Euro’. A maioria de
seus membros são egressos do partido da chanceler Angela Merkel, a União
Democrata-Cristã (CDU). Mas há também gente do FDP, correligionário da
chanceler no governo, e até do SPD.
Flávio Aguiar - Carta Maior
Berlim – Na
Alemanha quem tenha um título universitário de doutor para cima deve – não
apenas pode – integrá-lo a seu nome nos documentos oficiais, como carteiras de
identidade, passaportes, e outros. Assim aqui meu nome próprio seria Dr. Flávio
Wolf de Aguiar, a que eu poderia juntar “Professor” invocando minha posição
brasileira ou fazendo um concurso para titular aqui, sendo que “Professor” é
uma designação reservada para o estamento universitário. Os outros são meros
“Lehrer” e “Lehrerin”, embora às vezes possam até ganhar mais do que aqueles.
Esta titulação tornou-se tema de debate por causa de sucessivas acusações de
plágio nos seus doutorados, algumas comprovadas, contra políticos alemães,
sendo a mais notória a do ex-ministro do Interior, Karl-Theodor Zu Guttenberg,
e a ex-ministra da Educação(!), Annette Schavan, ambos do partido de Ângela
Merkel, que perderam seus títulos e seus cargos.
A desmoralização chegou a tal ponto que corria por aqui uma piada, sobre alguém
que pretendia candidatar-se a algo, prefeito, primeiro-ministro, etc. “Qual a
sua qualificação?”, pergunta o presidente do partido em questão. “Ele(a) não
tem doutorado”, responde o secretário. “Ótimo, então pode”, treplica o
primeiro...
Mas agora o título está em alta novamente. É que no último fim de semana
criou-se oficialmente um novo partido, o “Alternative für Deutschland”,
Alternativa para a Alemanha https://www.alternativefuer.de/
Dos 83 primeiros signatários da carta de fundação e de intenções, 57 – quase
64% – ostentam orgulhosos prefixos titulados em seus nomes: “Dr.”, ou “Prof.
Dr.”. É pedigree para ninguém botar defeitos. Entre os outros, destacam-se
empresários, jornalistas e juristas de primeira linha, por exemplo.
A criação do novo partido, com 1.500 congressistas representando 7.500
inscritos, aconteceu numa das salas de reunião do hotel InterContinental
Berlin. Segundo analistas, quase 70% de seus membros são egressos
(ex-militantes ou ex-eleitores) do partido da chanceler Angela Merkel, a União
Democrata-Cristã (CDU). Mas há também egressos (desiludidos) do FDP,
correligionário da chanceler no governo, e até do SPD.
A principal bandeira deste novo partido, que já quer apresentar-se nas eleições
nacionais de setembro próximo, é “o desmantelamento ordeiro da Zona do Euro”.
Seus membros queixam-se da falta de democracia na zona da moeda, e, sobretudo,
do fardo posto nos ombros dos contribuintes alemães pelas sucessivas “ajudas” a
países endividados, como Grécia, Irlanda, Portugal, Espanha e mais
recentemente, Chipre. A base daquela desarticulação da Zona do Euro seria o
resultado, caso a proposta fosse vitoriosa, de sucessivos plebiscitos nacionais
nos países abrangidos pela moeda.
Ao contrário de partidos de extrema-direita de outros países, como a Holanda e
a Áustria, o novo partido não se apresenta como “nacionalista” (anátema na
Alemanha) ou anti-imigrantes. Cautelosamente, prefere dizer, entre suas
palavras de ordens, que reivindica uma política de “atração de imigrantes
melhor qualificados”. O novo partido também se apresenta com o dedo acusador
contra bancos, fundos de investimento e grandes investidores privados,
afirmando em sua página na internet que eles é que devem pagar pela atual
situação européia, já que são os grandes responsáveis por ela, o que não deixa
de ter um certo “sex appeal” potencial para uma massa maior de possíveis
adeptos.
Entretanto, não se pode fugir de vê-lo na esteira do sucesso de dois livros de
impacto na cena alemã, ambos de Thilo Sarrazin: “A Alemanha que se autodestrói”
e “A Europa não precisa do euro”, que tansformaram o já abonado autor em
milionário quase da noite para o dia. Nestes livros Sarrazin, que, por isso
perdeu seu cargo no Conselho do Bundesbank, abomina os imigrantes turcos,
acusando-os de rejeitarem a integração na sociedade alemã, e afirma que o que
faz a Alemanha colocar sua força financeira na ajuda a outros países da Zona do
Euro é, sobretudo, seu complexo de culpa coletivo em relação ao Holocausto e à
Segunda Guerra.
Também no horizonte do novo partido estão os 27% do eleitorado que dizem sentir
saudades do velho marco alemão, numa mistura de nostalgia e de rejeição a um
sentimento de responsabilidade por uma Europa que, para esta parcela, não segue
um padrão adequado (alemão) de comportamento, voltado mais para a poupança e a
morigeração, do que para o desperdício e até a ostentação.
25% dos eleitores, em pesquisa feita durante o fim de semana, disseram que
poderiam considerar o novo partido como opção sem setembro. Ainda assim, em
pesquisa de intenção real de voto, apenas 3% confirmaram que votariam no
Alternativa. Na mesma pesquisa, a CDU da chanceler aparecia com 39% (contra 41%
em pesquisa anterior), o SPD com 26% (27% antes), os Verdes com 15% (14%), a Linke
com 6% (8%) e o Partido Pirata com 3%, o mesmo resultado de antes. O FDP
comparece com 5%, contra 4% na pesquisa anterior.
Se estes números mostram um potencial ainda relativo para o novo partido (a
cláusula de barreira na Alemanha é de 5%), mostram também um potencial que pode
ser um complicador para o governo de Angela Merkel. Não que seu partido possa
cair muito. Porém, cada voto que seu correligionário de governo, o FDP, ganhe
ou perca será vital para que ele ultrapasse ou seja barrado pela cláusula. Sem
o FDP, a situação da chanceler periclita, porque o atual candidato a
primeiro-ministro do SPD, Peer Steinbrück, declarou que de jeito nenhum fará
uma composição com a CDU para formar um novo governo. Ainda que essa afirmação
possa ser apenas um arroubo de campanha, por ora ela põe a espada de Dámocles
sobre o pescoço do governo atual.
As reações ao novo partido variam. Políticos da CDU tentam minimizar suas
propostas européias e seu possível impacto em setembro. Um líder da
CDU declarou que a proposta de acabar com o euro é como querer recompor os ovos
depois de ter feito a omelete. O editorial do jornal sensacionalista e
conservador Bild considerou seus membros como “amadores”, lembrando o anátema
lançado pelo político norte-americano sobre os aristocratas da reunião
convocada por Lord Darlington em seu castelo para discutir a situação européia,
no romance de Kazuo Ioshiguro e no filme de James Ivory, Os vestígios do dia.
(Quem não viu, por favor dirija-se sem demora à locadora mais próxima. Ou baixe da internet. Se não leu, veja aqui)
Amadores ou não, aristocratas (do espírito, pelo menos) ou não, a fundação do
Alternativa mostra que há uma elite burguesa ou classe média “high brow” na
Alemanha que se sente isolada pela política da chanceler de falar duro e
carregar a vara de marmelo da austeridade pela Europa afora e incomodada pelas
reações que isso vem provocando. Uma das reclamações mais constante entre as
lideranças do novo partido é a de verem seu governo e sua chanceler, nos
cartazes das manifestações, associados ao antigo nazismo. E esse incômodo dá,
certamente, pano para manga no meio ambiente político e cultural alemão. A ver
se o novo partido – decididamente do campo conservador – vai conseguir costurar
essas mangas no seu colete.
Fotos: www.tagesspiegel.de
Sem comentários:
Enviar um comentário