Mariana Mortágua -
Esquerda net, opinião
Os pontapés na
matemática do FMI, das instituições europeias e do Governo são relevantes, e
têm consequências, mas não são o problema.
Não é segredo para
ninguém que, no início de 2007, mesmo antes da implosão do sistema financeiro
mundial, o FMI estava nas ruas da amargura, e por excelentes motivos.
Os programas
estruturais de ajustamento que impôs por esse mundo fora, em troca de
empréstimos agiotas, não deixaram mais do que uma longa lista do que não fazer
para “salvar” economias do desastre.
A Jamaica, que
manteve uma longa relação com o FMI desde os anos 70, viu a sua dívida
aumentar, bem com o desemprego, e foi o único país da região em recessão entre
2007 e 2010. No mesmo período, e com 54% das despesas públicas a serem
direccionadas para o pagamento da dívida, a taxa de pobreza passou de 10 para
20%.
Os erros crassos da
organização internacional durante a crise Argentina são sobejamente conhecidos,
e mesmo admitidos pelo próprio FMI. Menos conhecidos são os impactos
destrutivos das medidas de liberalização económica para os sistemas produtivos
de um sem número de países. O sector da castanha de caju em Moçambique é um
excelente exemplo, mas há muitos mais.
Segundo
especialistas de Yale e Cambdridge, que compararam as datas dos programas de ajustamento
com a incidência de tuberculose nos países do antigo Bloco Soviético, os cortes
na saúde exigidos pelo FMI provocaram um aumento da mortalidade em 16,6% (mais
100 000 mortos).
Por todos os
motivos, incluindo os acima apresentados, o FMI passou a ser persona non
grata em vários países em desenvolvimento. No início do milénio, à
semelhança de outros países Argentina e o Brasil desafiaram as políticas
neoliberais dos programas de ajustamento, reestruturaram a sua dívida privada,
e pagaram antecipadamente os seus empréstimos para se livrar do protetorado
internacional. No final de 2007, o FMI não tinha aprovado nenhum novo
empréstimo, e o total de crédito ainda ativo era de 15 mil milhões, o mais
baixo em 30 anos e muito longe dos 108 mil milhões de 20031.
A situação mudou
com a crise financeira e, em particular, com a sua vertente Europeia. O FMI foi
chamado a participar nos programas de ajustamento de vários países europeus, em
tudo semelhantes aos pacotes neoliberais que, uma década antes, devastaram as economias
em desenvolvimento. Os resultados estão à vista.
Uma década depois,
investigadores de Cambdrige, Standford e da London School of Hygiene and
Tropical Medicine afirmam que os programas de austeridade na periferia do euro
estão a causar um aumento do numero de suicídios e propagação de doenças
infecciosas. Basta abrir o jornal para ter uma ideia dos efeitos da
austeridade: “Plano Nacional de Prevenção do Suicídio hoje apresentado
defende reforço de medidas de apoio aos desempregados”, “Hospital de Braga adia cirurgias por falta de anestesistas”, “Redução do PIB explica um quinto do aumento da dívida pública
em 2012”.
Uma década depois,
mais uma vez, o FMI vem a público admitir que errou: afinal os efeitos da austeridade
são piores que o previsto! As “previsões subestimaram de forma significativa o
aumento do desemprego e a redução da procura doméstica associados à
consolidação orçamental”. O problema, diz o economista-chefe Olivier Blanchard,
estava num dos pressupostos dos modelos econométricos de ponta utilizados: o
FMI assumiu que, para além de ser igual em todos os países, o efeito
multiplicador da austeridade era igual em tempos de crescimento ou de crise
(0,5%) quando, afinal, é muito superior (maior que 1%).
É difícil escolher
o que criticar primeiro: se a estupidez na definição do valor do multiplicador
ou se o uso cego de modelos matemáticos para definir políticas com impactos
sociais e económicos.
Os pontapés na
matemática do FMI, das instituições europeias e do Governo são relevantes, e
têm consequências, mas não são o problema. Nem o mais incompetente dos
economistas ou dos governantes erra tanto, tantas vezes, e repete sempre o
mesmo erro. Apenas o mais dogmático.
1 Valores em dólares e convertidos de
SDRs à data de elaboração desde artigo. Fonte:http://www.imf.org/external/np/fin/tad/extcred1.aspx
*Mariana Mortágua - Dirigente do Bloco
de Esquerda. Economista.
Sem comentários:
Enviar um comentário