Catarina Falcão –
Jornal i
Depois da Grécia
apurar que a Alemanha lhe deve mais de 162 mil milhões de euros em reparações
de guerra, o tom do diálogo começa a subir entre os dois países que já ponderam
recorrer aos tribunais internacionais para resolver a disputa
Mais de 560 mil
mortos, 70 mil judeus enviados para campos de concentração, 50% das
infra-estruturas destruídas e 75% da indústria em ruídas foram o resultado de
três anos de ocupação nazi na Grécia. Agora, 69 anos depois da saída das tropas
de Hitler do país e na mesma semana em que consegue desbloquear a próxima
tranche do empréstimo da troika, a Grécia mostra-se disposta a ir até às
últimas consequências para que lhe sejam reavidos mais de 162 mil milhões de
euros em reparações de guerra que nunca foram pagas na totalidade pela Alemanha
- com juros de mora. Wolfgang Schäuble, ministro das Finanças alemão já acusou
os gregos de irresponsabilidade por trazerem esse assunto de volta à discussão
pública, mas Dimitris Avramopoulos, ministro dos Negócios Estrangeiros, avisou
que Atenas não vai esquecer o passado e que serão, em última instância, os
tribunais internacionais a decidir.
Depois do jornal
diário grego “To Vima” ter difundido que a Comissão nomeada pelo governo grego
em Novembro do ano passado para avaliar o montante de reparações de guerra em
dívida pela Alemanha tinha apurado que o valor devido à Grécia era de cerca de
162 mil milhões de euros, as críticas germânicas não se fizeram esperar.
Schäuble desvalorizou o assunto considerando as conclusões do relatório do
governo “irresponsáveis”. “Em vez de iludir as pessoas na Grécia, seria melhor
mostrar-lhes o caminho para as reformas que precisam fazer”, disse o ministro
alemão.
A resposta da
Grécia, onde o relatório ainda é secreto, conhecendo-se apenas o valor
monetário apurado por um conjunto de analistas, não tardou. O ministro dos
Negócios Estrangeiros que está a estudar o relatório e a melhor maneira de o
utilizar, disse que as reformas para melhorar a situação financeira do país
estão a ser levadas a cabo e que as reparações da II Guerra Mundial são um
assunto à parte. “Não há qualquer relação entre os dois assuntos. Uma coisa são
as reformas financeiras que a Grécia está a fazer neste momento e outra são as
reparações de guerra. Este é um assunto pelo qual os sucessivos governos gregos
se batem há muitos anos e caberá aos tribunais internacionais decidirem se o
caso está ou não encerrado”, disse Avramopoulos.
ADVOGADO EM CAUSA PRÓPRIA
Desde
o início da crise, em 2010, muitas associações, cidadãos a título individual e
políticos têm recuperado o tema da falta de pagamento por parte da Alemanha das
reparações de guerra acordadas após o final da II Guerra Mundial, não só em
resposta ao comando germânico das políticas de austeridade que têm sido impostas,
mas também como uma possível solução para a falta de financiamento que a Grécia
atravessa. A petição online para a Alemanha “honrar as suas obrigações para com
a Grécia”, pagando os empréstimos e as reparações pelas “atrocidades cometidas
durante a guerra” já conta com mais de 190 mil assinaturas.
Uma das vozes mais
activas nesta reivindicação é Notis Marias, deputado eleito pelos Gregos
Independentes e professor de Assuntos Europeus na Universidade de Creta. Ao i,
o deputado grego explicou que, na sua opinião, o país “deve recorrer a todos os
meios diplomáticos e legais, incluindo tribunais internacionais e outras
organizações para reaver o dinheiro”. Uma alegação que segundo o professor de
Direito Internacional do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas
(ISCSP), Francisco Pereira Coutinho, pode ter viabilidade junto do Tribunal
Internacional de Justiça. “É fundamentalmente um problema político, mas se a
Alemanha não pagar, poderemos eventualmente ter um novo processo no Tribunal
Internacional de Justiça (TIJ), agora iniciado pela Grécia, em que se discutirá
se este pode apreciar factos que sejam anteriores à sua constituição e se a
Grécia tem ou não direito a indemnização” explicou o académico ao i.
No ano passado, o
TIJ declarou que a Alemanha não poderia ser responsabilizada em tribunais
nacionais dos requerentes por falta de pagamento de reparações de guerra a
título individual, depois do Supremo Tribunal Italiano ter decidido que a
Alemanha tinha de compensar um italiano deportado em 1944. Após esta
deliberação, um conjunto de cidadãos gregos, parentes das vítimas do massacre
de Distomo - onde mais de 200 pessoas foram fuziladas pelas forças nazis -
recorreu também aos tribunais italianos em busca da concretização da pena
decretada pelos tribunais gregos, uma indemnização de quase 30 milhões de
euros, que nunca foi executada. Para efectivar a sentença, o juiz italiano
ordenou o confisco de bens alemães em solo italiano. A decisão do TIJ foi a de
considerar que estas práticas violavam a imunidade jurisdicional alemã.
DÍVIDAS QUE PAGAM O
FUTURO
Mais do que um direito, muitos gregos acreditam que a Grécia da
segunda metade do séc. XX e a do início do séc. XXI teria sido muito diferente
caso a Alemanha tivesse pago as reparações devidas ao país. “Se a Alemanha
tivesse pago, a Grécia teria tido a hipótese de reconstruir a sua economia e
tornar-se um Estado mais competitivo no pós-Guerra”, disse ao i o
deputado Notis Marias.
No fim de 1940,
durante a ascensão pungente das Forças do Eixo, Mussolini está com dificuldades
em invadir a Grécia, um país que aparentemente lhe traria uma vitória fácil e
aumentaria o seu prestígio junto do seu aliado, Adolf Hitler. Durante seis
meses as forças italianas tentaram em vão invadir o território helénico, sendo
repetidamente repelidos pelas forças gregas. Em Março de 1941, um dos
contra-ataques gregos, que fez os italianos baterem em retirada, foi
considerada a primeira vitória terrestre dos Aliados na Segunda Guerra Mundial.
Com o crescente
embaraço italiano, Hitler veio em auxílio dos italianos e atacou as linhas mais
indefesas gregas e em menos de um mês as tropas nazis marcharam sobre Atenas.
Foram três anos de domínio tripartido - Alemanha, Itália e Bulgária - que
levaram à Grande Fome, no Inverno de 1941, onde morreram mais de 300 mil
pessoas só nos arredores de Atenas. É aí que ocorrem os empréstimos forçados ao
Terceiro Reich que enfraqueceram a moeda nacional (o dracma) e levaram a uma
grande inflação, e aos massacres que dizimaram populações inteiras de vilas e
aldeias. Segundo Marias, as forças nazis “devastaram as infra-estruturas
existentes na altura, danificando a economia grega”.
Atenas foi
libertada em Outubro de 1944 pelas forças soviéticas, mas seguiu--se uma guerra
civil entre as várias forças envolvidas na resistência durante o período de
ocupação. Nas Conferências de Paris em 1946 que marcaram oficialmente o fim da
Segunda Guerra Mundial, a União Soviética arrecadou grande parte dos fundos das
reparações alemãs por ter sido o país com maior número de vítimas mortais, mas
também pelos danos infligidos no território russo. Aí ficou também assente que
a Grécia receberia 4,5% das reparações materiais exigidas à Alemanha e 2,7% de
outras indemnizações. Estes pagamentos acabaram por chegar através da maquinaria
pesada de fabrico alemão utilizada para renovar a indústria do país e o
pagamento de compensações monetárias a vítimas individuais dos crimes de guerra
nazis. A Itália também pagou reparações de guerra à Grécia.
No entanto, uma das
maiores reivindicações continua a ser o empréstimo forçado equivalente a mais
de 10 mil milhões de euros (476 milhões de marcos do Terceiro Reich) desviado
durante a guerra para financiar as tropas nazis e que nunca foi contabilizado
nas reparações, o que com juros de quase 70 anos, somará uma grande parte dos
162 mil milhões apurados no relatório do governo.
PAGAR OU NÃO PAGAR
Sete
anos depois das Conferências de Paris e temendo as mesmas consequências do
pagamento da dívida alemã no pós-Primeira Guerra Mundial (ver texto ao lado)
que levaram à ascensão ao poder do partido Nazi em 1933, os credores da
Alemanha - já República Federal da Alemanha - reuniram-se e amenizaram as
condições de pagamento da dívida externa (também da I Guerra Mundial) e das
reparações devidas aos vários países afectados pelo conflito.
Nos Acordos da
dívida alemã que tiveram lugar em Londres ficou decidido que os pagamentos
externos da Alemanha não excederiam os 5% das exportações e que uma parte da
dívida seria paga após um tratado de paz entre as duas Alemanhas, o que veio a
acontecer com a reunificação do país em 1990. Este acordo, juntamente com os
fundos proveninente do plano Marshall, fez com que a República Federal da
Alemanha se reerguesse em tempo recorde.
Para além da União
Soviética, os grandes destinatários das compensações alemãs foram os
sobreviventes judeus e as famílias das vítimas dos judeus mortos em campos de
concentração. Na década de 90, mais de 100 mil pessoas em todo o mundo
(especialmente em Israel e nos Estados Unidos) recebiam pensões do Estado
alemão como reparações de guerra, directas ou indirectas.
No entanto, a
Grécia alega que a Alemanha não acabou de pagar o que lhe devia, apesar de ter
ratificado, juntamente com outros países, os Acordos da dívida em 1953.
ARGUMENTO DE PESO
A
Grécia nega que o relatório sobre as dívidas alemãs pedido em Novembro do ano
passado pelo Ministério das Finanças a quatro investigadores, e que compilou
informação patente em quase 200 mil documentos, vá servir de arma negocial com
a troika, alegando que uma coisa é a actual situação financeira do país e outra
são as reparações de guerra. “A troika e as ajudas financeiras não têm nada a
ver com esta reclamação. Este assunto é estritamente bilateral e terá de ser
resolvido entre a Grécia e a Alemanha”, assegurou Notis Marias ao i.
Seja como for, o
primeiro-ministro Antonis Samaras, conta agora com um argumento de 162 mil
milhões de euros para sensibilizar a Alemanha para a situação grega.
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