'OS ÚLTIMOS PRESOS
DO ESTADO NOVO'
Diário de Notícias –
Lusa
A PIDE recebeu
formação da Alemanha e dos Estados Unidos sobre técnicas de tortura a aplicar
aos presos políticos durante o Estado Novo, relata o livro "Os últimos
presos do Estado Novo", da jornalista Joana Pereira Bastos.
No livro, a
jornalista do Expresso descreve a passagem de vários oposicionistas às
ditaduras salazarista e marcelista pelas prisões de Caxias e Peniche e os
traumas provocados pela tortura que "perduram até aos dias de hoje".
Em declarações à
agência Lusa, Joana Bastos diz que uma das principais razões para escrever
"Os Últimos Presos do Estado Novo - Tortura e desespero em vésperas do 25
de Abril" foi a história de uma das suas tias, Maria de Fátima Ribeiro
Pereira Bastos, que pertenceu à Liga de Unidade e Ação Revolucionária (LUAR), liderada
por Palma Inácio, e esteve presa em Caxias.
"Acho que a
história contemporânea relata esta época muito 'en passant', fala-se muito dos
capitães, mas pouco da parte civil, porque houve muita gente anónima que lutou
para derrubar a ditadura e eu sentia que muita da minha geração tinha um
desconhecimento enorme em relação a isso", considera Joana Bastos.
A autora diz ter
procurado "contrariar a tese de que a queda da ditadura se deveu
unicamente a um grupo de capitães" e de que "a PIDE era relativamente
branda" na sua ação.
Para Joana Pereira
Bastos, ex-jornalista do Público e da agência Lusa, existe mesmo "um
branqueamento da violência e do grau de sofisticação dos métodos da PIDE".
Ao longo de mais de
150 páginas, é descrita uma visita da PIDE à sede da CIA, em Langley, nos
Estados Unidos, onde mais de dez agentes "aprenderam técnicas de
vigilância de rua e métodos de abrir cartas sem deixar vestígios".
"Sob o nome de
código 'Isolation', uma delegação da polícia política portuguesa composta por
12 elementos (...) rumou aos Estados Unidos no final de 1957 para participar
num curso de formação de dois meses no estado da Virgínia", pode ler-se.
Já na década de
1930, "a Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (PVDE, antecessora da
PIDE) recorreu à Gestapo", havendo "contactos regulares, com troca de
visitas entre agentes".
Além do caso da sua
tia, Joana Bastos conta a história de personalidades como o arquiteto Nuno
Teotónio Pereira, do advogado José Lamego ou do fiscalista Saldanha Sanches
(este já falecido), que estiveram presos em Caxias.
"Eu quis falar
com pessoas de todos os movimentos, do PCP às outras organizações de
extrema-esquerda, de luta armada, com estudantes e sindicatos, porque quis
retratar a variedade enorme de pessoas que estiveram na oposição ao regime, que
ia do operariado às famílias próximas da ditadura", refere a autora.
Joana Bastos diz
que um dos aspetos "mais impressionantes foi ver que 39 anos depois este
continua a ser para os visados um tema tão duro" e a dificuldade em marcar
conversas com alguns dos entrevistados.
No livro é relatado
o caso do arquiteto Nuno Teotónio Pereira, que aos 91 anos de idade "ainda
não sente paz" e "continua a lembrar-se com frequência dos gritos e
uivos que durante a noite ouvia em Caxias", até porque "nunca se
perdoou por ter falado nos interrogatórios e entregue à PIDE alguns dos seus
melhores amigos".
"É a nódoa da
minha vida", afirma o arquiteto no livro.
Outro dos casos
relatados é o do historiador José Manuel Tengarrinha, que devido aos problemas físicos
e psicológicos associados à tortura, perdeu todo o cabelo enquanto esteve preso
em Caxias.
Segundo a autora,
que cita um estudo do Grupo de Estudo da Tortura (criado após o 25 de Abril),
os dois principais métodos utilizados pela PIDE eram a privação do sono e o
isolamento, seguindo-se os espancamentos ou até os choques elétricos.
Joana Bastos
lamenta que não exista em Portugal "um memorial" aos presos políticos
ou que não se tenham criado associações para apoiar as pessoas com sequelas
mais graves.
"O silêncio
dos antigos presos políticos, por causa dos traumas graves com que ficaram, não
ajudou, mas também acho que o país nunca mostrou grande interesse em lembrar
isto e continua a não mostrar, o condomínio privado que se construiu na sede da
PIDE [no Chiado] é paradigmático", declara.
O livro de Joana
Pereira Bastos, editado pela Oficina do Livro, é apresentado no dia 23 de
abril, na livraria Buchholz, em Lisboa, pelo antigo vice-presidente da
Assembleia da República e fundador do PS Manuel Alegre.
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