Eduardo Oliveira
Silva – Jornal i, opinião - foto António Pedro Santos
A censura foi
rejeitada, mas os problemas ficam e agravam-se
Além dos enganos
económico-financeiros, Vítor Gaspar teve outro do qual poucos se lembram. Foi
quando disse, há cerca de um ano, que íamos no quilómetro 27 da maratona, tendo
percorrido cerca de 2/3 do caminho, altura em que não se desiste. A desistência,
dizia, dá-se entre os 30 km e os 35 km, numa comparação com os ajustamentos
económicos, como se isso fosse óbvio.
A imagem foi feliz,
mas era um erro crasso. A distância corrida estava mal contada. Quando Gaspar
falou ainda nem tinha saído de cima de uma das pontes sobre o Tejo, quanto mais
feito 2/3 do percurso. Os
erros seguintes, que todos estamos a pagar, foram consequência do primeiro.
Nem mesmo a
rejeição da moção de censura do PS verificada ontem na Assembleia atenua a
percepção negativa que o país tem de um executivo que está a cair aos pedaços
apesar dos esforços para disfarçar. O tempo das figuras de estilo está
ultrapassado pelos limites dos sacrifícios e pela sua inutilidade.
A remodelação
parece, pois, o único paliativo para dar um segundo alento à coligação. Já se
sabe que pouco ou nada resolve, mas dadas as circunstâncias é o que se pode
arranjar para limitar estragos. Todos os outros cenários são pouco prováveis ou
impraticáveis porque não há condições.
Um governo saído da
mesma maioria ou só do PSD e resultante do abandono de Passos não é provável,
porque a desistência não está aparentemente no ADN do primeiro-ministro. Se
houvesse essa hipótese, a única figura relativamente consensual seria Silva
Peneda, como aqui se escreveu há alguns meses e agora tem sido retomado por
terceiros, invocando Monti e a Itália.
Convocar eleições
legislativas seria talvez o pior e o mais perigoso dos cenários. Não porque não
sejam a forma mais legítima de resolver os assuntos, mas simplesmente porque
temos autárquicas, europeias e metas imediatas que não permitem convocá-las,
dados os prazos que isso implica. Ao contrário de outros países democráticos, e
sobretudo dotados de uma classe político-jurídica competente, onde umas
legislativas se convocam e fazem num mês, entre nós é bem diferente. Até na
Grécia o assunto é tratado em poucas semanas. Vergonhosamente, em Portugal
chamar o povo às urnas interrompe tudo e mais alguma coisa durante seis meses,
pelo menos. Isto além de as sondagens indicarem que o PS não tem condições para
apresentar uma alternativa maioritária.
Em vez da retórica
habitual e inútil, talvez uma reforma consistente do sistema eleitoral fosse um
contributo que os políticos pudessem dar para evitar os constantes impasses e
estrangulamentos.
Isso sim, seria um
passo essencial para a melhoria da qualidade da nossa democracia, que anda
pelas ruas da amargura.
Passada a moção de
censura aguardemos os dois episódios seguintes: a decisão do indolente Tribunal
Constitucional e a reacção do governo e do Presidente, que desta vez vai mesmo
ter de deixar os bastidores e vir a terreiro falar ao povo.
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