Ana Sá Lopes –
Jornal i
Soares percebeu
antes dos outros que o regime estava a cair e precisava de um partido
constituído para quando chegasse a democracia. Mas a fundação do PS foi
aprovada com sete votos contra
As resistências
foram imensas, a começar em
Salgado Zenha. O núcleo da Acção Socialista Portuguesa de
Lisboa - a que pertencia a própria mulher de Mário Soares, Maria Barroso - não
queria fundar o Partido Socialista. Alguns dos que foram parar a Bad Munstereifel
não sabiam que aquele seria o congresso da fundação do PS. Na biografia “Mário
Soares - uma vida”, o jornalista e fundador do PS Mário Mesquita conta só ter
percebido em Bad
Munstereifel que o encontro se destinava a fundar o PS:
“Chegámos lá e encontrámos uma coisa que não sabíamos que íamos encontrar: a
reunião tinha sido preparada como destinada a fundar o PS e a nossa posição era
estranha, extemporânea. Os de Coimbra e de outros sítios, assim como a
representação no exílio, eram a favor. Em Lisboa não tínhamos a ideia de que
íamos discutir a possível fundação do partido. O Zenha não tinha ido porque
achava que não havia razão para lá ir. Ele e outros amigos em Lisboa diziam
algo do género: ‘Isto são coisas do Mário’”.
Mário Soares tinha
percebido a iminência do fim do regime e a urgência de ter um partido
constituído. Dirá, no mesmo livro, Alberto Arons de Carvalho: “Mário Soares
tinha muito mais essa percepção. Lembro-me, no congresso da fundação, dele a
dizer ‘o regime está no fim’. A maior parte da malta achava tudo óptimo mas
ninguém acreditava. Ele tinha a visão distanciada, global, e a nossa, que
vivíamos no dia-a-dia, era que isto estava intocável, firme”.
A ideia tinha
começado a germinar na cabeça de Mário Soares e de Tito de Morais algum tempo
antes: “Foi então que o Ramos da Costa, o Tito de Morais e eu começámos a
pensar seriamente em transformar a ASP em Partido Socialista. A
situação político-colonial deteriorava-se todos os dias em Portugal. A ‘primavera
política’ lançada por Marcelo Caetano tinha-se desprestigiado em absoluto aos
olhos dos portugueses. Chegaram-nos rumores seguros de que havia uma
conspiração militar em marcha e nós precisávamos de um instrumento - como eu
lhe chamava, um Stradivarius - com contactos europeus sólidos, para nos
podermos impor na hora H... Isto é, quando a revolução anticolonialista e
democrática triunfasse”, escreve Soares no seu livro “Um político assume-se”.
O congresso foi
organizado com o apoio da Fundação Friedrich Ebert, ligada ao SPD alemão.
“Foram os alemães que pagaram tudo, sobretudo os bilhetes de avião, que eram o
mais dispendioso”, escreve Soares. Manuel Tito de Morais é o responsável pela
organização e toda a logística do congresso da fundação. “O congresso não foi
fácil (...) a discussão mais dura ocorreu entre mim e o Mário Mesquita. Não fui
capaz de o convecer”, afirma Soares no livro.
Citado na biografia
de Soares, Mário Mesquita diz: “Ele [Mário Soares] convenceu o congresso. E
houve uma pessoa que teve uma posição muito clara no sentido de dizer ‘viemos
de Lisboa, temos um mandato, não podemos votar contra esse mandato. Podemos
daqui a seis meses fazer outro congresso, ponderando as razões que o secretário-geral
invoca, mas neste momento estamos vinculados a um mandato’. Era eu, com a minha
vocação para desmancha-prazeres”. Mas o próprio Mesquita reconhece que entre os
elementos de Lisboa não havia a noção que Mário soares tinha da iminência da
queda do regime: “Os exilados teriam mais pressa devido à sua situação. E é
preciso dizer que em Portugal não havia a percepção transmitida por Mário
Soares de que o regime podia estar à beira do fim (...) havia uma grande
diferença entre o estado de espírito dele, achando que o regime ia cair em
breve e o ponto de vista no núcleo de Lisboa que vivia num grande desânimo”. O
PS foi fundado com sete votos contra - entre os quais o de Mário Mesquita e o
de Maria Barroso, casada com Mário Soares e a única mulher presente na fundação.
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