Rui Peralta, Luanda
I - O passamento físico de Margaret
Thatcher, aos 87 anos de idade, transportou para a memória activa alguns factos
da História recente de finais do século XX. A senhora Thatcher foi a primeiro
mulher a ocupar o cargo de primeiro-ministro da Grã-Bretanha (cargo que ocupou
durante três mandatos). Conhecida pela Dama de Ferro (Iron Lady), Thatcher foi
sinónimo de austeridade, desemprego e tragédia, para a grande maioria dos
súbditos de Sua Majestade e não só.
Intima aliada de Ronald Reagan e uma
particular amiga de Gorbatchev (que nela encontrou um ombro confortável para
chorar as suas lamurias), autora de máximas concisas (uma vez, perante as
criticas ao neoliberalismo, ela respondeu: Não há alternativa!”), feroz inimiga
dos mineiros britânicos e das estruturas e organizações de trabalhadores, fez
das privatizações o seu cavalo de batalha. Vergou a oposição interna no seio do
Partido Conservador e a sua herança foi estendida aos trabalhistas, através do
New Labour (Foi a primeira convidada de Blair, quando este foi eleito
primeiro-ministro, a visitar a 10, Downing Street e o mesmo fez Gordon Brown).
II - Temos assim uma continuidade, na
economia política britânica, desde 1979, ano em que assumiu, pela primeira vez,
o cargo de primeiro-ministro. Não se trata de um legado histórico, ou da sua
enorme influência sobre a política britânica. Nada disso. É que Thatcher
representa a afirmação do neoliberalismo no Reino Unido, o assumir do
pensamento único e da grande ofensiva neoliberal. Com ela o capitalismo
preparou os alicerces para a nova fase do seu domínio na Grã-Bretanha.
Repare-se no discurso de Blair, na sua
retórica, durante os começos dos conflitos no Iraque, no Kosovo e no
Afeganistão e compare-se com a retórica da Dama de Ferro, durante a Guerra das
Malvinas. Observem-se as políticas dominantes dos trabalhistas do New Labour em
relação ao sistema nacional de saúde britânico e às políticas de educação, a
forma como o cerco é efectuado a estes sectores (que sofreram rudes golpes com
Thatcher, naquele que foi o primeiro assalto). Veja-se a política de habitação
do New Labour, que reforçou as bases lançadas por Thatcher e que culmina agora
- com a completa abertura ao mercado e á especulação – nas medidas do actual
governo conservador de coligação.
Thatcher
não foi mais do que a expressão inicial e a primeira coluna britânica das novas
elites globais dos monopólios generalizados. Ela foi a testa de ferro (nome
mais indicado do que Dama de Ferro, pela sua actuação) da nova geração do
mercado capitalista. Esta primeira vaga de assalto foi levado a cabo nos USA
por Reagan, na França por Chirac, na Alemanha por Kohl e na ex-URSS por
Gorbatchev, aos quais juntando Thatcher formam um quinteto de homens-orquestra
(aqueles tipos que tocam todos os instrumentos) que executaram todas as notas
musicais e naipes de instrumentos necessários á audição da nova melodia do
Capital.
III - Thatcher lançou a grande ofensiva, na
Grã-Bretanha, contra o movimento sindical britânico. Organizou o Estado com
este objectivo, reestruturando a polícia e os serviços secretos e vergou a
golpes de bastão e pela fome, o grande movimento mineiro. Os trabalhadores britânicos
estavam bem organizados, tinham uma forte estrutura organizativa, muito
combativa e reivindicativa, criada na década de cinquenta.
A estrutura sindical dos mineiros e dos
estivadores foi a responsável pela queda do gabinete conservador de Ted Heath,
em 1974 e não deu descanso aos fracos gabinetes trabalhistas de Harold Wilson e
de Jim Callaghan, que governaram entre 1974 e 1979. Quando Thatcher assume a
função de primeiro-ministro, agiu de forma cautelosa e evitou expor-se aos
ataques do movimento sindical, enquanto preparava a sua ofensiva sobre os
trabalhadores.
Jogou com a burocracia sindical, inclusive
ofereceu-lhes cargos administrativos e livrou-se dos elementos que poderiam
oferecer mais resistência, como Derek Robinson, dirigente sindical dos
trabalhadores da indústria automóvel, um caso em que a administração da British
Leyland afastou o dirigente que trabalhava na fábrica da Leyland em Longbridge,
Birmingham, sendo envolvido num processo pouco claro. Outros foram afastados
sob acusações que iam da sabotagem económica e espionagem industrial para a
URSS, ao envolvimento no fornecimento de armas ao IRA e ao NLA (Exército de
Libertação Nacional da Irlanda), até acusações de poligamia. A colaboração dos
serviços secretos britânicos com as administrações das empresas foi uma das
inovações de Thatcher, para silenciar os seus adversários mais directos.
Quando se sentiu forte o suficiente,
Thatcher agiu de forma brutal sobre os trabalhadores. Muitas comunidades
mineiras foram ocupadas pela polícia e vítimas da agressão policial. Vencida a
forte resistência deste sector, o resto do assalto prosseguiu de forma
implacável.
IV - Foi também de forma implacável que os
resistentes irlandeses foram tratados. A guerra suja foi ampliada a todo o
Norte da Irlanda e os grupos especiais, assim como as unidades paramilitares e
os bandos colonialistas, foram reequipados. Todo o Norte da Irlanda tornou-se
um imenso laboratório de técnicas de guerra psicológica e de combate
anti-guerrilha. Para além de novas técnicas de interrogatório policial, a
tortura e as detenções aleatórias tornaram-se uma constante e as prisões abarrotavam
de activistas irlandeses.
Um grupo de prisioneiros irlandeses efectuou
uma greve de fome, reivindicando o estatuto de prisioneiros políticos. As suas
reivindicações nunca foram atendidas e a greve prolongou-se até á morte dos
prisioneiros. Este foi um dos muitos crimes perpetuados pela Dama de Ferro, um
contraste evidente com o que contam os limpadores da História que hoje derramam
lágrimas pela sua morte e apresentam-na como uma campeã da liberdade.
V - A guerra das Malvinas foi outro triste
episódio da governação de Thatcher. Desesperada, a ditadura militar argentina
(que arruinou o país na sua cruzada contra o comunismo) encontrou na ocupação
colonial britânica um excelente motivo para continuar no poder. Vestindo a
carapaça patriótica, os fascistas argentinos tomaram a dianteira no assunto das
Malvinas, assumindo o controlo da ilha.
Mas se a ditadura militar que
ensanguentou a Argentina estava desesperada, a situação do gabinete de Thatcher
não era menos desesperante. A ofensiva contra os trabalhadores tinha sido
iniciada e o processo de privatizações arrancava, perante a desconfiança de
largos sectores da população. As Malvinas foram um excelente pretexto para
secundarizar os problemas internos e mobilizar a opinião pública britânica em
torno da grandeza histórica da Grã-Bretanha.
A mesma carapuça foi usada pelos dois
lados. As novas elites, que se evidenciavam através de Thatcher, venceram a
oligarquia esclerótica argentina. O Grã irradiava um brilho eufórico nas terras
de Sua Majestade Britânica e as Malvinas retornaram ao Império para satisfação
dos súbditos da Rainha. A Rule Britannia fazia-se ouvir, finalmente, em
Nashville, sob a audição complacente de Reagan.
VI - A
governação de Thatcher mergulhava na guerra. Guerra no plano interno, contra os
trabalhadores britânicos e as suas organizações, única forma de impor a sua
politica económica ao país. Guerra colonial, na Irlanda e nas Malvinas e guerra
no plano externo. Thatcher participou na grande maquinação que levaria á invasão
do Iraque e o seu legado bélico evidenciou-se em Blair e no New Labour, assim
como em todo o Partido Conservador, chegando ao actual gabinete de Cameron.
Quando Thatcher assumiu o cargo pela
primeira vez, em Maio de 1979, o capitalismo vivia uma conjuntura histórica crítica.
Naquela década a economia mundial entrava na segunda recessão. O longo período
de bonança nos mercados (que atravessou as décadas de cinquenta e de sessenta)
havia terminado há muito. Por debaixo do tapete da crise, os lucros diminuíram
drasticamente e as taxas de benefício sobre o capital decresceram.
Thatcher desenterrou a ortodoxia do
livre mercado, que havia sido enterrada durante a Grande Depressão dos anos
trinta e que foi mantida afastada dos centros de decisão pela ortodoxia
keynesiana. Hayek e a escola austríaca entraram no centro de decisão da
economia europeia, pela sua mão.
VII - O último mandato de Thatcher foi uma
tragédia política num só acto. Ao impor a tristemente célebre poll tax, pela
qual todos – fossem multimilionários ou sem-tecto - financiavam as
administrações locais, cavou a sua sepultura política. Em Londres registaram-se
os maiores distúrbios desde a década de trinta e foi criado um movimento de
recusa ao pagamento da poll tax, que abrangeu mais de catorze milhões de
pessoas. Thatcher perdeu a confiança do seu partido e poll tax foi retirada.
Saiu por onde entrou. Pela porta. Só
que sem a arrogância da entrada. Para além da corja de abutres que
representava, Thatcher foi, sem dúvida, o ultimo grande político britânico (o
segundo do século XX, depois de Churchill). Após ela adveio a mediocridade que a
sua politica gerou (Blair, o lambe-botas dos USA, Brown, inqualificável, tal a
extensão do seu low profile e o actual, Cameron, um sorumbático funcionário do
mundo financeiro). Esse foi um dos seus legados. O outro foi o presente de
precariedade e um futuro de incertezas…
Fontes
Jones, Owen
Callinicos, Alex http://socialistworker.co.uk/art/32952/Margaret+Thatcher%3A+a+brutal+rulingclass+warrior+is+dead
Goodman, Annie Tariq
Ali interview http://www.democracynow.org
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