domingo, 14 de abril de 2013

THAT CHE(E)R




Rui Peralta, Luanda

I - O passamento físico de Margaret Thatcher, aos 87 anos de idade, transportou para a memória activa alguns factos da História recente de finais do século XX. A senhora Thatcher foi a primeiro mulher a ocupar o cargo de primeiro-ministro da Grã-Bretanha (cargo que ocupou durante três mandatos). Conhecida pela Dama de Ferro (Iron Lady), Thatcher foi sinónimo de austeridade, desemprego e tragédia, para a grande maioria dos súbditos de Sua Majestade e não só.

Intima aliada de Ronald Reagan e uma particular amiga de Gorbatchev (que nela encontrou um ombro confortável para chorar as suas lamurias), autora de máximas concisas (uma vez, perante as criticas ao neoliberalismo, ela respondeu: Não há alternativa!”), feroz inimiga dos mineiros britânicos e das estruturas e organizações de trabalhadores, fez das privatizações o seu cavalo de batalha. Vergou a oposição interna no seio do Partido Conservador e a sua herança foi estendida aos trabalhistas, através do New Labour (Foi a primeira convidada de Blair, quando este foi eleito primeiro-ministro, a visitar a 10, Downing Street e o mesmo fez Gordon Brown).
        
II - Temos assim uma continuidade, na economia política britânica, desde 1979, ano em que assumiu, pela primeira vez, o cargo de primeiro-ministro. Não se trata de um legado histórico, ou da sua enorme influência sobre a política britânica. Nada disso. É que Thatcher representa a afirmação do neoliberalismo no Reino Unido, o assumir do pensamento único e da grande ofensiva neoliberal. Com ela o capitalismo preparou os alicerces para a nova fase do seu domínio na Grã-Bretanha.

Repare-se no discurso de Blair, na sua retórica, durante os começos dos conflitos no Iraque, no Kosovo e no Afeganistão e compare-se com a retórica da Dama de Ferro, durante a Guerra das Malvinas. Observem-se as políticas dominantes dos trabalhistas do New Labour em relação ao sistema nacional de saúde britânico e às políticas de educação, a forma como o cerco é efectuado a estes sectores (que sofreram rudes golpes com Thatcher, naquele que foi o primeiro assalto). Veja-se a política de habitação do New Labour, que reforçou as bases lançadas por Thatcher e que culmina agora - com a completa abertura ao mercado e á especulação – nas medidas do actual governo conservador de coligação.

Thatcher não foi mais do que a expressão inicial e a primeira coluna britânica das novas elites globais dos monopólios generalizados. Ela foi a testa de ferro (nome mais indicado do que Dama de Ferro, pela sua actuação) da nova geração do mercado capitalista. Esta primeira vaga de assalto foi levado a cabo nos USA por Reagan, na França por Chirac, na Alemanha por Kohl e na ex-URSS por Gorbatchev, aos quais juntando Thatcher formam um quinteto de homens-orquestra (aqueles tipos que tocam todos os instrumentos) que executaram todas as notas musicais e naipes de instrumentos necessários á audição da nova melodia do Capital.
   
III - Thatcher lançou a grande ofensiva, na Grã-Bretanha, contra o movimento sindical britânico. Organizou o Estado com este objectivo, reestruturando a polícia e os serviços secretos e vergou a golpes de bastão e pela fome, o grande movimento mineiro. Os trabalhadores britânicos estavam bem organizados, tinham uma forte estrutura organizativa, muito combativa e reivindicativa, criada na década de cinquenta.

A estrutura sindical dos mineiros e dos estivadores foi a responsável pela queda do gabinete conservador de Ted Heath, em 1974 e não deu descanso aos fracos gabinetes trabalhistas de Harold Wilson e de Jim Callaghan, que governaram entre 1974 e 1979. Quando Thatcher assume a função de primeiro-ministro, agiu de forma cautelosa e evitou expor-se aos ataques do movimento sindical, enquanto preparava a sua ofensiva sobre os trabalhadores. 
           
Jogou com a burocracia sindical, inclusive ofereceu-lhes cargos administrativos e livrou-se dos elementos que poderiam oferecer mais resistência, como Derek Robinson, dirigente sindical dos trabalhadores da indústria automóvel, um caso em que a administração da British Leyland afastou o dirigente que trabalhava na fábrica da Leyland em Longbridge, Birmingham, sendo envolvido num processo pouco claro. Outros foram afastados sob acusações que iam da sabotagem económica e espionagem industrial para a URSS, ao envolvimento no fornecimento de armas ao IRA e ao NLA (Exército de Libertação Nacional da Irlanda), até acusações de poligamia. A colaboração dos serviços secretos britânicos com as administrações das empresas foi uma das inovações de Thatcher, para silenciar os seus adversários mais directos.

Quando se sentiu forte o suficiente, Thatcher agiu de forma brutal sobre os trabalhadores. Muitas comunidades mineiras foram ocupadas pela polícia e vítimas da agressão policial. Vencida a forte resistência deste sector, o resto do assalto prosseguiu de forma implacável.

IV - Foi também de forma implacável que os resistentes irlandeses foram tratados. A guerra suja foi ampliada a todo o Norte da Irlanda e os grupos especiais, assim como as unidades paramilitares e os bandos colonialistas, foram reequipados. Todo o Norte da Irlanda tornou-se um imenso laboratório de técnicas de guerra psicológica e de combate anti-guerrilha. Para além de novas técnicas de interrogatório policial, a tortura e as detenções aleatórias tornaram-se uma constante e as prisões abarrotavam de activistas irlandeses.

Um grupo de prisioneiros irlandeses efectuou uma greve de fome, reivindicando o estatuto de prisioneiros políticos. As suas reivindicações nunca foram atendidas e a greve prolongou-se até á morte dos prisioneiros. Este foi um dos muitos crimes perpetuados pela Dama de Ferro, um contraste evidente com o que contam os limpadores da História que hoje derramam lágrimas pela sua morte e apresentam-na como uma campeã da liberdade.

V - A guerra das Malvinas foi outro triste episódio da governação de Thatcher. Desesperada, a ditadura militar argentina (que arruinou o país na sua cruzada contra o comunismo) encontrou na ocupação colonial britânica um excelente motivo para continuar no poder. Vestindo a carapaça patriótica, os fascistas argentinos tomaram a dianteira no assunto das Malvinas, assumindo o controlo da ilha.

Mas se a ditadura militar que ensanguentou a Argentina estava desesperada, a situação do gabinete de Thatcher não era menos desesperante. A ofensiva contra os trabalhadores tinha sido iniciada e o processo de privatizações arrancava, perante a desconfiança de largos sectores da população. As Malvinas foram um excelente pretexto para secundarizar os problemas internos e mobilizar a opinião pública britânica em torno da grandeza histórica da Grã-Bretanha.

A mesma carapuça foi usada pelos dois lados. As novas elites, que se evidenciavam através de Thatcher, venceram a oligarquia esclerótica argentina. O Grã irradiava um brilho eufórico nas terras de Sua Majestade Britânica e as Malvinas retornaram ao Império para satisfação dos súbditos da Rainha. A Rule Britannia fazia-se ouvir, finalmente, em Nashville, sob a audição complacente de Reagan.

VI - A governação de Thatcher mergulhava na guerra. Guerra no plano interno, contra os trabalhadores britânicos e as suas organizações, única forma de impor a sua politica económica ao país. Guerra colonial, na Irlanda e nas Malvinas e guerra no plano externo. Thatcher participou na grande maquinação que levaria á invasão do Iraque e o seu legado bélico evidenciou-se em Blair e no New Labour, assim como em todo o Partido Conservador, chegando ao actual gabinete de Cameron.

Quando Thatcher assumiu o cargo pela primeira vez, em Maio de 1979, o capitalismo vivia uma conjuntura histórica crítica. Naquela década a economia mundial entrava na segunda recessão. O longo período de bonança nos mercados (que atravessou as décadas de cinquenta e de sessenta) havia terminado há muito. Por debaixo do tapete da crise, os lucros diminuíram drasticamente e as taxas de benefício sobre o capital decresceram.

Thatcher desenterrou a ortodoxia do livre mercado, que havia sido enterrada durante a Grande Depressão dos anos trinta e que foi mantida afastada dos centros de decisão pela ortodoxia keynesiana. Hayek e a escola austríaca entraram no centro de decisão da economia europeia, pela sua mão.  

VII - O último mandato de Thatcher foi uma tragédia política num só acto. Ao impor a tristemente célebre poll tax, pela qual todos – fossem multimilionários ou sem-tecto - financiavam as administrações locais, cavou a sua sepultura política. Em Londres registaram-se os maiores distúrbios desde a década de trinta e foi criado um movimento de recusa ao pagamento da poll tax, que abrangeu mais de catorze milhões de pessoas. Thatcher perdeu a confiança do seu partido e poll tax foi retirada.

         Saiu por onde entrou. Pela porta. Só que sem a arrogância da entrada. Para além da corja de abutres que representava, Thatcher foi, sem dúvida, o ultimo grande político britânico (o segundo do século XX, depois de Churchill). Após ela adveio a mediocridade que a sua politica gerou (Blair, o lambe-botas dos USA, Brown, inqualificável, tal a extensão do seu low profile e o actual, Cameron, um sorumbático funcionário do mundo financeiro). Esse foi um dos seus legados. O outro foi o presente de precariedade e um futuro de incertezas…
 
Fontes
Jones, Owen
Goodman, Annie Tariq Ali interview http://www.democracynow.org

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