terça-feira, 7 de maio de 2013

A IGREJA DE ROMA E A PORTUGUESA




Mário Soares – Diário de Notícias, opinião

Já escrevi sobre o atual Papa Francisco e sobre quanto me têm impressionado positivamente as suas posições, ao lado dos pobres. Como disse: "Sentir-se pecador é uma das coisas mais bonitas que há, no sentido em que Santo Agostinho, ao falar de redenção, ao conhecer o pecado de Adão e Eva e a redenção de Jesus, comenta: feliz pecado que nos merece uma tal redenção." Cantamos isto na noite da Páscoa: "Feliz culpa, feliz pecado." E acrescenta: "Quando uma pessoa toma consciência de que é pecador e que é salvo por Jesus, descobre como é grande a vida, que há alguém que a ama profundamente e que deu a sua vida por ela (vide a pequena brochura, traduzida em português, intitulada "Papa Francisco, conversa com Jorge Bergoglio").

Mas é, quanto a mim, no plano social e da relação com os outros - os mais pobres, os desempregados, os presos e as mulheres - que Sua Santidade vai mais longe e pretende fazer, ao que parece, uma "revolução pacífica" no Vaticano: contra a corrupção, contra a pobreza, o desemprego, face à riqueza do Vaticano e contra, obviamente, a pedofilia e outros maus costumes.

Não se trata de uma tarefa fácil. Mas a determinação de Sua Santidade que dialoga com agnósticos e ateus, de igual para igual e com representantes de outras religiões e que quer ver as mulheres em igualdade com os homens, prepara seguramente um novo ciclo no Vaticano, que pode conduzir a outro Concílio Vaticano II (então III). Oxalá que sim.

No plano social, Sua Santidade vê a crise económica, política, social e ética europeia por uma forma muito crítica. Por isso apoiou logo a recondução do novo mandato do Presidente Giorgio Napolitano, de quem é amigo, e apoiou desde o início o primeiro-ministro de Itália, Enrico Letta, que parece vir a ser um dos grandes primeiros-ministros do nosso tempo.

O novo Papa, logo no início do seu mandato, disse ser contra o "capitalismo selvagem" e contra a globalização desregulada, o economicismo e as políticas de austeridade impostas pela luterana e ex-comunista chanceler Angela Merkel e os seus obedientes servidores, os dirigentes ultrarreacionários dos diferentes Estados europeus e os tecnocratas ultra-conservadores que dirigem as instituições europeias, às ordens de Merkel.

É bom que Sua Santidade seja argentino, de origem italiana, e compreenda que a criação da União Europeia foi obra de duas famílias políticas e ideológicas europeias: o socialismo democrático (ou social-democracia ou trabalhismo, conforme a denominação utilizada pelos diferentes Estados) e a democracia cristã. Ora, nos últimos anos, ambas as famílias político-ideológicas e sociais foram substituídas por partidos ultraconservadores neoliberais, inspirados pelos presidentes americanos Ronald Reagan (amigo do peito da defunta Senhora Thatcher) e pelo presidente Bush Filho, de má memória. Desde então os Partidos Democratas Cristãos praticamente desapareceram, bem como a doutrina social da Democracia Cristã. Exceto talvez na América Latina, donde vem o Papa Francisco. E não foi por acaso que isso aconteceu.

Agora que o neoliberalismo começa a estar em descrédito, não só nos Estados da Europa do Sul, mas quase em toda a União, é importante e oportuno que Sua Santidade estimule o aparecimento em força de partidos democratas cristãos, que possam entender-se com os socialistas ou social-democratas a sério, para acabar com as políticas de austeridade que estão a levar a União Europeia para o descrédito e podem conduzir - se não houver mudança de paradigma - à destruição da União dos Estados membros, que abandonaram a solidariedade entre eles e porventura a um novo conflito europeu e mesmo mundial. É a consciência desse risco que devem ter os europeus, não só do Sul, mas todos, porque todos, sem exceção, vão sofrer as consequências dessa verdadeira tragédia de nível mundial...

É em virtude desse perigo que tenho visto a Igreja portuguesa, que sempre foi mais aberta do que a espanhola, desde que houve as duas transições democráticas ibéricas, muito silenciosa em relação aos perigos que Portugal está a correr com a política inaceitável e irresponsável do atual Governo português, que está a destruir a nossa Pátria, que já fez um milhão de desempregados, que só defende e se interessa pelo dinheiro e ignora as pessoas, por piores condições em que estejam, como é o caso da grande maioria.

Porque tem estado tão calada a Igreja portuguesa, parecendo ignorar a destruição da nossa Pátria, o crescente desemprego, o impulso para a emigração a que submete as nossas melhores cabeças, o crescimento da miséria, que está a afetar os próprios bancos, a incapacidade da Justiça, a paralisação do Estado e a ruína da nossa classe média?

Não compreende a Igreja portuguesa as palavras de Sua Santidade? Ou está de novo, como nos ominosos tempos da ditadura, em silêncio com medo do que lhe possa acontecer? Esqueceu-se da generosidade com que a Revolução dos Cravos a tratou, ignorando então, consciente e propositadamente, o seu silêncio?

De qualquer modo não se compreende o silêncio da Igreja Católica portuguesa, excecionando algumas raras figuras eclesiásticas e alguns frades.

Será que o senhor cardeal-patriarca, em fim de carreira, teme ter problemas com o atual Governo, que está moribundo, ou teme que a Igreja possa perder alguns privilégios que o Estado democrático, nascido do 25 de Abril e da Constituição da República, que é laica, lhe trouxe? Seja como for, o silêncio da Igreja portuguesa parece contrariar o pensamento de Sua Santidade o Papa, o que para os verdadeiros católicos deve ser uma vergonha.

Há dias vi e ouvi, na televisão, um cristão democrata, deputado do Porto que se dizia, batendo com a mão no peito, partidário da austeridade e da política do atual Governo. Certamente ignora o pensamento de Sua Santidade ou por interesse pessoal não quer pensar nisso. Pobre Igreja portuguesa, com "fiéis" deste calibre...

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