Rui Peralta, Luanda
I - A qualidade do
ar em Pequim atingiu níveis alarmantes. Algumas medições efectuadas na capital
chinesa registaram o nível 755, numa escala cuja tolerância máxima é de 500. É
frequente a cidade estar envolta numa neblina espessa, causada pelo caos
desenvolvimentista que se apoderou da nova elite chinesa. Voos adiados,
autoestradas encerradas, aulas escolares suspensas, são frequentes e constantes,
consequências da névoa de poluição que envolve Pequim. As admissões nos
hospitais aumentaram de forma drástica, assim como os casos de infecções
respiratórias.
Mas os problemas da
qualidade do ar não se limitam a Pequim. Um estudo efectuado em 2010 (ver http://www.christianpost.com/news/airpocalypse-in-china-air-pollution-blamed-for-1-2-million-deaths-in-asia-93135/)
revela que a contaminação do ar é responsável por mil e duzentos milhões de mortes
prematuras em todo o país. A poluição do ar, no entanto, é apenas a ponta
visível do icebergue. Metade da superfície aquática está de tal forma
contaminada que já nem pode ser tratada para se tornar potável, ao ponto de
metade desta água inutilizável nem sequer ter aplicação industrial.
70% dos rios e
lagos chineses recebem águas residuais directas e toxinas industriais não
tratadas. As taxas de cancro sobem de forma assustadora e a desertificação,
provocada por prácticas agrícolas que destroem os ecossistemas circundantes,
avança inexoravelmente, ano após ano.
II - O mal-estar
sentido pela população chinesa com esta situação tem levado a manifestações,
inicialmente pacíficas, mas cada vez mais turbulentas e causadoras de choques
violentos entre manifestantes e policia. Embora o foco da contestação á política
anti-ambiental do governo chines esteja em Pequim, as manifestações e os
protestos atingiram já uma escala nacional.
Entre 1978 e 2008 a economia chinesa
deixou o resto do mundo para trás (para comparação o PIB real chines
multiplicou-se por dez, neste período, enquanto o dos USA por três). Mas o
crescimento económico chinês não corrigiu os erros ocorridos nos processos de
industrialização históricos, das outras economias mundiais. Pelo contrário, fez
uma cópia de tudo o que não deve ser feito num processo de desenvolvimento e
não levou em conta os paradigmas ambientais. O crescimento chinês é, assim,
afectado por um elevado custo ambiental e de saúde pública, se atendermos às
enfermidades pulmonares, cancros e distúrbios de diversa ordem.
São estes os custos
do desenvolvimento? Óbvio que não! Esses são os custos do subdesenvolvimento. A
China prossegue uma política de emergência, atropelando tudo e todos á sua
frente (a começar por si própria e pela sua população). A elite criada pela
revolução chinesa não olha a meios para atingir os seus objectivos. O Partido
Comunista da China (PCCh) transformou-se num novo KMT (Kuomitang, Partido
Nacionalista Chinês, profundamente contra-revolucionário e que barricou-se em
Taiwan, após a tomada do poder pelo PCCh), com a agravante de adicionar a
ideologia caduca das velhas elites chinesas (mandarinato e burocracia estatal,
latifundiários, mafiosos e sectores mais retrógrados da burguesia comercial,
industrial e financeira chinesa), o confucionismo, ao estranho caldo ideológico
criado pela revolução chinesa (o maoismo), o que resulta numa caldeirada
xenófoba, profundamente hegemonista e crente fervorosa do mercado e da política
do funil (o largo para eles e o estreito para os outros).
Este é o motivo
maior pela qual a China segue uma política emergente, de custos ambientais
onerosos e destruidora de recursos naturais e humanos. Mas mais grave ainda é o
facto desta politica estar a ser exportada para o continente africano, um
continente ambientalmente degradado (desde a época pré-colonial, com a
decadência das sociedades bantos, durante a época colonial, com os genocídios,
a escravatura e as práticas predatórias de recursos dos colonos e no pós-independência,
com as politicas degradantes dos regimes neocolonialistas, que perduram até
hoje em grande parte do continente, actualmente sob a capa do
afro-capitalismo), que irá servir, simultaneamente, de armazém de recursos e de
banco de ensaio dos novos senhores de Pequim.
III - O novo
mandarinato de Pequim, os representantes políticos do capitalismo BRICS na
China, partem de um pressuposto errado. Assume como real uma teoria que
pretende estabelecer uma relação teórica entre investimento e contaminação e
que assegura que o problema é temporal e que se resolverá por si próprio
(sempre este retomar do velho paradigma liberal do Laissez faire, laissez
passer). Esta teoria é explicada pela Curva de Kuznets, ou Curva do meio
ambiente (CMK), que traduz uma suposta relação entre poluição e investimento,
através de um U invertido.
Antes do
desenvolvimento, segundo os crentes da CMK, os níveis de poluição são baixos,
aumentando com o incremento da actividade económica, até atingir um ponto de
inflexão, atingindo o pico e começando a diminuir, sem estar dependente do
investimento e do aumento da actividade económica, á medida que a população
enriquece, o que permite um melhor meio ambiente. Ou seja os danos ecológicos,
a degradação do meio ambiente são o preço que os pobres pagam pelo seu
desenvolvimento, como se os pobres não vivessem já na degradação ambiental e a
sua vivência de miséria não estivesse intimamente ligada, como causa e
consequência, á degradação ecológica.
A CMK conclui, de
forma absurda, que as alterações climáticas existem porque o planeta nunca
conheceu economias suficientemente ricas para que o meio ambiente atingisse um
ponto de estabilidade climática. Obviamente estamos perante um credo e não uma
teoria científica. O CMK foi desenhado para dar como certas as relações entre
crescimento económico e poluição, de forma a criar o U invertido, sendo a sua
elaboração isenta de processos críticos, ou seja nasceu para fundamentar a tese
e não para a comprovar (nunca é cientificamente comprovado o que não tem
consistência).
A CMK é apenas - e
não mais que isso – um fundamento para os dogmas do crescimento infinito. O U
invertido da CMK pretende descrever a relação entre factores e produtos
contaminadores e o crescimento do PIB, o que é um erro conceptual. Os factores e
produtos contaminadores (os contaminantes) não são o único marcador da
degradação ecológica. As políticas que controlam os contaminantes podem estar,
simplesmente, a fomentar uma alteração de contaminantes utilizados, não
regulados e logo passiveis de não serem medidos ou levados em conta nas
investigações.
Por outro lado a
exportação de processos industriais de países onde a regulação é vasta para
países onde a regulação é inexistente provoca contaminantes incontroláveis. Aos
factores já existentes nos países pobres são adicionados os contaminantes dos
países ricos. Á degradação ecológica dos países pobres, consequência dos seus
baixos padrões de vida e causa da sua contínua degradação, acrescentam-se os
contaminantes exportados pelos países mais desenvolvidos.
A CMK empurra os
países para políticas de degradação acelerada, ao garantir que existe um ponto
de inflexão, dependente do crescimento e que a partir dai torna-se possível
restaurar os danos causados. O que o CMK não diz é que os ecossistemas atingem
picos de degradação que os torna irrecuperáveis, caminhando de forma inexorável
para a morte. Não o diz porque não leva em conta, para os seus cálculos
falaciosos, geradores de fantasmas estatísticos, as lições da História e não
faz uma análise consequente ao que se passou no passado. Muitas foram as
civilizações anteriores que aprenderam da pior maneira a lição dos
desequilíbrios do ecossistema.
IV - Vivemos num
planeta finito, de recursos imensos, mas finitos. Teorias como a do crescimento
infinito e da CMK são crenças infundadas, geradoras de crescimento assimétrico.
As políticas de desenvolvimento, para de facto o serem, têm de ter uma
estrutura integral, ou seja, têm de estar implicadas com todos os elementos da
actividade humana e do meio circundante, onde a Humanidade se insere num todo
mais vasto. Como espécie somos completamente interdependentes das outras
espécies e a nossa sobrevivência depende em grande parte da interacção com
elas.
Uma política de
desenvolvimento implica crescimento dessa interacção com o meio ambiente,
implica políticas de urbanismo compatíveis com os meios circundantes e com o
aumento da qualidade de vida nas cidades, as políticas económicas têm de ter em
conta factores como o crescimento dos níveis de sociabilidade, de aumento do
padrão de vida, do crescimento comunitário e colocarem o Homem como centro
gerador e receptor da actividade económica. Uma política de desenvolvimento
real implica políticas públicas de saúde e de educação, universais e gratuitas.
As políticas financeiras para o desenvolvimento são mecanismos de sustentação e
viabilização do desenvolvimento e não de restrição das políticas sociais. As políticas
de desenvolvimento têm de ter correspondência na diminuição e eventual extinção
das assimetrias sociais e têm de corresponder a um logo processo de aculturação
dinâmica, efectuado a partir dos processos de identidade cultural.
Tudo o que não
corresponde a este padrão é gerador de assimetrias, desestabilização e
destruição a longo prazo. Não servem de nada, nem para nada, os esforços e
recursos financeiros aplicados em politicas não integrais de desenvolvimento,
porque elas não conduzem a qualquer tipo de desenvolvimento real e palpável,
cria apenas a ilusão do crescimento, as torres, a nova fachada das cidades, os
novos centros de negócios, os novos edifícios de escritórios, as novas
edilidades, o deslumbramento inerente à ignorância, á má-fé e ao oportunismo
dos espertos, mas nunca um país desenvolvido, porque as politicas de
desenvolvimento são estratégias inteligentes e não histórias de esperteza.
V - Em 2005 o então
vice-ministro chinês do Ambiente, Pan Yue, lamentou a aceitação da CMK na
China. A nível governamental foi a única voz sensata que se fez ouvir, o que
lhe valeu não ser reconduzido no cargo e afastado do centro de decisão do país.
Oito anos depois a China exporta para África a sua tragédia ecológica.
A China compra,
actualmente, terras cultiváveis no continente africano e efectua arrendamentos
agrícolas a longo prazo na América do Sul, porque os seus recursos agrícolas e
as suas reservas aquíferas, são insuficientes para manter a população que
alberga no seu território. O mais grave desta questão, não é a aquisição de
terras africanas ou o arrendamento a longo prazo de terras sul-americanas, mas
sim a consequente exportação das prácticas depredadoras ambientais, inerentes
aos processos de produção chineses.
Na China a
regulação ambiental é incipiente e a que existe tem como condicionante a não
apresentação de dificuldades às políticas economicistas de desenvolvimento.
Quando este processo produtivo é exportado (e a China exporta não apenas o
conceito, mas também a mão-de-obra, o que torna o processo ainda mais
irredutível e aumenta os factores alienígenas nos impactos ambientais) para
países onde a legislação é ainda mais incipiente, ou pelo menos, onde a
aplicação da legislação existente não é efectuada (geralmente por uma
propositada falta de meios, mantendo-se as aparências de uma legislação) a
catástrofe torna-se iminente (parafraseando Lenine) e sem meios para a
conjurar.
Existem limites
para as políticas irracionais de crescimento. São elas que tornam o crescimento
limitado, que limitam a capacidade de desenvolvimento das sociedades. A
qualidade do ar, da água e o processo de desertificação na China, são uma prova
evidente de que políticas irracionais, baseadas nos recursos do mercado e
feitas em função da satisfação dos mercados, não chegam longe e não conduzem a
bom porto.
É hora de ver o
mundo como ele é e de nos apercebermos da realidade que nos rodeia e na qual
nos inserimos como espécie. Não podemos continuar a deslumbrarmo-nos com as
sombras projectadas nas paredes. Temos de assumir a realidade do mundo em que
vivemos. Para que a possamos transformar.
Fontes
Zencey, Eric The
Other Road to Serfdom and the Path to Sustainable Democracy. Vermont University
Press 2013.
Zencey, Eric http://steadystate.org/chinas-infinite-growth-haze/
New York Times,
January, 13, 2013
New York Times,
May, 27, 2011
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