Die
Zeit Hamburgo – Presseurop – imagem Rainer
Hachfeld
A Itália é acusada
de ter dado dinheiro a migrantes africanos para estes partirem para a Alemanha.
Um escândalo? Não, considera o jornal “Die Zeit”: é a consequência de uma
política que consiste em fechar os olhos ao drama dos refugiados e em
transferir a responsabilidade para outros países.
Portanto, hoje, os
maus da fita são os italianos. Contudo, estes limitaram-se a meter €500 na mão
de alguns refugiados líbios, antes de os mandarem para a Alemanha.
Agora, há um bando de sem abrigo que vivem espalhados pelas ruas de Hamburgo,
incomodando seriamente as autoridades municipais. Mas onde deveriam eles viver?
Em tendas? Em abrigos? Quem vai pagar a conta? E, acima de tudo: como vamos
livrar-nos deles, o mais rapidamente possível? Porque, claro, “o regresso ao
país é a única opção”, como se apressou a declarar o responsável pelos
assuntos sociais [do município de Hamburgo], Detlef Scheele.
Deveríamos estar
gratos aos mauzões dos italianos por terem despachado estes pobres líbios para
Hamburgo. Obrigaram-nos a encarar a realidade de frente e nós merecemos que
assim fosse. Porque a política de asilo alemã, ou, mais precisamente, a ausência
quase total de uma política de asilo digna desse nome na Alemanha, é uma
vergonha.
Porque Hamburgo,
como toda a Alemanha, tem tido a vida muito facilitada. É tão confortável estar
longe das tragédias humanitárias deste mundo, tão tranquilizador saber que há
tantas fronteiras a separar-nos delas, que as contemplamos de longe, a tremer,
quando não as ignoramos por completo. Tristes destinos os dos norte-africanos
que desembarcam nas praias italianas, quase afogados, dos afegãos esfomeados
que se apinham na fronteira entre a Grécia e a Turquia, das centenas de
milhares, ou talvez milhões, de sírios que fogem para a Turquia, para o Líbano
ou para a Jordânia, para escapar à guerra civil! Mas o essencial é que não
cheguem até nós.
Azar dos países que
dão para o mar
Há anos que a
Alemanha e os países do centro geográfico da Europa se entrincheiram por trás
do regulamento dito “dos países
terceiros”: um texto inatacável do ponto de vista jurídico, mas pérfido e
moralmente condenável. Qualquer pessoa que chegue, com o estatuto de refugiado,
a um desses países terceiros – ou seja, todos os Estados-membros da UE e muitos
dos países vizinhos – fica proibida de ir mais longe. A Alemanha tem a
obrigação de não aceitar nenhum pedido de asilo apresentado por esses
indivíduos, visto que estes já estão em segurança. Resultado: os países que têm
a infelicidade de se situarem nas proximidades de regiões em crise ou à beira
de um mar que, levados pelo desespero, os refugiados tentam atravessar, têm de
resolver o problema sozinhos.
Acontece que os
líbios e outros não vão parar a Itália por se sentirem especialmente bem ali.
Vão lá parar simplesmente porque a Itália é o país da Europa de acesso mais
fácil. O objetivo destes indivíduos é a Europa. E é por isso que toda a Europa
se deve preocupar, coletivamente, com a sua sorte.
A finalidade é
alcançar uma justa repartição de encargos, – pode ler-se nos documentos da UE.
Na realidade, a maior parte dos países preferiria livrar-se de encargos. A
política europeia de asilo trai os ideais da UE. Nem vestígios de
responsabilidade comum ou de um projeto humanista nesta matéria. As autoridades
de Bruxelas, e muito especialmente a agência de proteção das fronteiras, Frontex,
esforçam-se sobretudo por repelir para mais longe os refugiados e por fazer
recuar cada vez mais as fronteiras da fortaleza Europa. Essas autoridades
financiam barreiras de segurança e centros de detenção na Turquia, para o
problema ser resolvido longe, sem sequer atingir os Estados-membros.
Triagem de
refugiados nos campos
E o que faz a
Europa, o que faz a Alemanha, perante a situação catastrófica dos refugiados da
Síria? Nada, pouco ou menos que pouco. Durante um ano e meio, o ministro do
Interior [alemão], Hans-Peter Friedrich, recusou-se mesmo a acolher sírios em território
nacional. Foram precisos os protestos incansáveis do representante dos
direitos humanos junto do Governo federal para, na primavera, convencer
Hans-Peter Friedrich a deixar entrar cinco mil refugiados em território alemão
– mas não antes do mês de junho e apenas órfãos ou pessoas que tivessem família
na Alemanha, e cristãos de preferência. Os felizes eleitos estão a ser sujeitos
a triagem nos campos de refugiados sírios. Centenas de milhares continuarão
nesses campos.
Um erro funesto e
vergonhoso
Evidentemente que
mandar vir todos os refugiados do mundo para Hamburgo, de um dia para o outro,
não é solução. Mas há um meio-termo entre o acolhimento sem discernimento e o
barramento atual.
Diga-se de passagem
que o regulamento “dos países terceiros” se inspira no compromisso alemão sobre
o direito de asilo, que data de 1992 e que ainda hoje é denunciado pelos
defensores dos direitos humanos. Durante as negociações, alguns centros de
acolhimento de requerentes de asilo foram incendiados, na Alemanha. Foram
mortos estrangeiros, vítimas da xenofobia alemã, enquanto a política protegia o
país dos refugiados: é, ainda hoje, um erro funesto e vergonhoso. Chegou a hora
de o corrigir.
Contraponto
“Não é a Europa que
imaginávamos”
“A Itália envia-nos
refugiados africanos”, indigna-se o Bild em primeira página. O tabloide
considera isso “escandaloso” e estima que a Itália age desta forma “porque já
não consegue lidar com o fluxo de refugiados provenientes do Norte de África.
[…] Não é a Europa que imaginávamos”.
“Várias centenas de
refugiados chegaram a Hamburgo e à Baviera, a maioria sem domicílio fixo porque
não têm o direito de trabalhar, de receber prestações sociais ou ser alojados, explica o Bild, que não fica descansado
pelo facto de os refugiados serem reconduzidos para Itália. Porque é a Alemanha
que deverá pagar os voos de regresso.
Do lado italiano, La Stampa realça que o
documento original enviado pelo ministério alemão do Interior aos serviços
regionais da imigração, no dia 27 de março, “não mencionava qualquer incentivo
por parte das autoridades italianas aos imigrantes para que estes se dirigissem
para a Alemanha”, apenas “que deviam abandonar o país por iniciativa própria”.
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