Rui Peralta, Luanda
I - Aaron Swartz, um
ciberactivista suicidou-se em Janeiro deste ano, ao não resistir às pressões
causadas por uma acusação que o colocaria a cumprir 35 anos de prisão e ao
pagamento de um milhão de USD, se fosse condenado por utilização de
computadores do MIT (onde era professor) para realizar milhões de downloads de
artigos académicos para um serviço de pesquisa, não lucrativo, de acesso
universal e gratuito: a JSTOR. Aaron tinha 26 anos e a sua morte causou uma vaga
de repulsa, que levou o congressista democrático Zoe Lofgren, da Califórnia, a
introduzir uma proposta de lei, a que denominou Aaron´s Law, para alteração da
Lei de Abuso e Fraude Informática e descriminalização das chamadas “violações”
dos “termos de serviço”.
Aaron desenvolvia
projectos de livre consulta nos meios académicos. Trabalhava envolvido em redes
e bibliotecas, com o objectivo de permitir o livre acesso e a livre consulta de
trabalhos científicos e académicos, em todas as redes universitárias e de
ensino, para que estudantes das universidades africanas e indianas (por
exemplo) tivessem a mesma facilidade de consulta que os estudantes
norte-americanos, sem custos. Organizador de redes livres como a JSTOR, Aaron
lutava contra os interesses das redes multinacionais privadas que pretendem,
através dos registos, obter o monopólio dos trabalhos académicos publicados (um
duro golpe na democratização do ensino, levado a cabo pelos grupos monopolistas
– e não monopolistas - do ensino privado).
Alegando que os
trabalhos académicos são património da Humanidade, Aaron desenvolvia toda uma
actividade de enriquecimento do património público, permitindo que qualquer
pessoa consultasse e utilizasse na sua formação a informação disponível, de
forma livre e gratuita. Foi um dos percursores do movimento do livre acesso e
um lutador incansável do “free copying”.
II - Este foi um
movimento que cresceu, globalmente. Recentemente foi realizado em Denver,
Colorado, a National Conference for Media Reform, uma iniciativa da Free Press,
organização que conta como um dos seus cofundadores, Robert McChesney,
investigador, professor na Universidade de Illinois, ciberactivista e autor de
diversas obras politicas e cientificas, a ultima das quais com um interessante
titulo: Digital Disconnect: How Capitalism Is Turning the Internet Against
Democracy.
Partilhando da
visão de Aaron Swartz, considerando a Internet como um grande espaço livre e
democrático, isento do mercado e das peias dos poderes, a Free Press é uma
organização que luta contra as corporações monopolistas como a AT&T,
VERIZON, COMCAST – ao nível do acesso - ou a GOOGLE, FACEBOOK, APPLE, AMAZON -
ao nível da aplicação e do utilizador. Estes (e outros) monopólios alteraram
profundamente a natureza da INTERNET. Tornaram-se monopólios de grande poder,
que tentam dominar um espaço infinito de informação e de conhecimento.
Como se isso não
bastasse os monopólios do ciberespaço trabalham próximo á área de poder, com os
serviços de inteligência e com as agências militares. Muitos destes grupos são
intermediários, fornecendo as informações requeridas e estabelecendo pontes
entre os sector privados da indústria militar e da nova e prometedora indústria
da segurança, com os Estados.
A INTERNET torna-se
desta forma um palco de luta, em que de um lado estão aqueles que a definem
como um espaço de liberdade e de igualdade, opondo-se aos que pretendem fazer
desse espaço uma ameaça aos direitos e liberdades individuais e sociais,
criando um espaço mercantilizado e fornecedor de meios repressivos aos Estados
e às novas elites do mercado, monitorizando tudo e todos, indivíduos e grupos,
pessoas e classes, cidadãos, povos e comunidades.
III - Na
Conferencia Nacional realizada em Denver, entre as muitas questões discutidas,
o acesso á INTERNET nos USA, foi uma das focadas. Neste país o acesso é
basicamente cartelizado. A AT&T, VERIZON e COMCAST, monopolizam e controlam
o acesso. Como resultado os norte-americanos pagam mais que os sul-americanos,
europeus e asiáticos, para além de um deficiente serviço, nas gamas de baixo
custo.
Esta política de
privatização da INTERNET, geradora de lucros enormes, onde grandes monopólios
como a MICROSOFT ou a GOOGLE imperam como senhores absolutos, em que a APPLE,
AMAZON, FACEBOOK ou TWITTER, movimentam milhões de milhões de USD á conta de
criação de ilusões, para alimentar centenas de milhões de cidadãos (que perdem
os seus direitos como utentes e passam a ser considerados clientes, cujo único
direito é pagar os serviços prestados), é a grande ameaça ao espaço livre, ao
ciberespaço da cidadania, nos USA.
Todos estes
negócios são apetrechados por legislação abundantemente produzida por efeito
dos seus lobbies no poder legislativo. Os lucros multimilionários destas
companhias circulam, de forma aberta e despreocupada, pelo poder político, como
um imenso rolo compressor de vontades. É um sector que vive um infindável
crescimento, associando-se á industria militar, criando novas empresas na área
da indústria de segurança, financiando projectos em parceria com as
multinacionais dos agronegócios, colaborando de forma estreita com os sectores
petrolíferos e mineiros e criando incomensuráveis monopólios manipuladores da
informação e da comunicação social.
IV - O movimento
Free Press na última década organizou fortes campanhas contra a privatização da
INTERNET e simultaneamente contra a sua estatização. No fundo o ciberespaço é o
único espaço público existente. Tanto o Estado como os interesses dos
monopólios generalizados, nos USA ou em qualquer parte do mundo, tentam
adquirir uma posição central no ciberespaço, de forma a poderem exercer um
controlo efectivo sob esse espaço publico.
A política da
administração Obama sobre este assunto (oficialmente designada por politica de
neutralidade da rede) é uma política de compromisso entre o Estado e os
monopólios. Os utentes da rede ficam em ultimo lugar e ocupam as cadeiras da última
fila da plateia.
Para a comunidade
dos negócios a INTERNET é um espaço apetecível, imenso, de infinitas possibilidades
lucrativas. A administração Obama, por sua vez, debruça-se sobre as infinitas
possibilidades estratégicas e para o grande manancial de informação que o
ciberespaço produz. O tratamento dessa informação, o controlo do acesso e o
domínio do ciberespaço, proporcionam ao governo dos USA uma incontornável
vantagem estratégica em todos os domínios.
FACEBOOK, GOOGLE e
outras são armazéns de informação privada, contentores de dados onde a
informação referente a milhões de pessoas são depositadas. A privacidade de
milhões de cidadãos é, desta forma, devassada, tanto pelos interesses
económicos dos monopólios generalizados como pelos interesses dos Estados. São
milhares de empresas privadas criadas com fundos públicos, que processam o
armazenamento de dados e o seu tratamento, depositando toda a informação na NSA
(National Security Agency) com cópia para os interesses privados (perfis,
gostos pessoais, hábitos de consumo, grupos sociais, etc.).
V - O
desenvolvimento de projectos não comerciais, em termos de informação e
comunicação, da educação, da publicação editorial livre, a projecção de
sistemas de sustentabilidade de projectos públicos, a concepção de sistemas
autónomos autogeridos e de comunidades de redes (para além das redes
comunitárias) foram objectivos focados em Denver.
As comunidades
jornalísticas apresentaram painéis temáticos onde foi abordado o jornalismo
regional, o jornalismo de especialidade, a necessidade de uma comunicação
social que reflicta os interesses dos grupos de desempregados, de assalariados,
de reformados, emigrantes, estudantes, etc. Grupos de imigrantes organizam-se e
criam sites e serviços públicos virtuais, para resolução de problemas
relacionados com a educação dos filhos, legalização de documentação, saúde,
integração e outros problemas vividos diariamente pelas suas comunidades. Os
problemas das comunidades imigrantes foram dos painéis mais discutidos em
Denver, principalmente pela participação de centenas de grupos e de projectos.
A necessidade de
ocupação do ciberespaço pela cidadania é a principal forma de evitar a sua
privatização e subsequente estatização (e vice-versa). O ciberespaço como
espaço público, livre, pertença dos cidadãos (e inclusive a criação de uma
cidadania do ciberespaço) é a única razão da sua existência.
VI - Quando se fala
sobre o livre acesso á informação a WikiLeaks torna-se incontornável. O Website
publicou recentemente um projecto denominado “Kissinger Cables” formado por
cerca de mil e setecentos milhões de documentos diplomáticos e dos serviços de
inteligência dos USA, do período de 1973 a 1979.
Esta base de dados
online permite a qualquer pessoa, em qualquer parte do mundo procurar de forma
rápida os documentos pretendidos e consultá-los. O arquivo inclui muitos
memorandos secretos do ex-Secretário de Estado Henry Kissinger.
A publicação deste
arquivo provocou, já, problemas na India. Um dos documentos (https://www.wikileaks.org/plusd/cables/1976NEWDE01909_b.html)
indica que o ex-Primeiro-Ministro Rajiv Gandhi foi intermediário e
comissionista, na década de setenta, de uma companhia sueca que pretendia
vender aviões á força aérea indiana.
A base de dados (https://www.wikileaks.org/plusd/cables),
denominada orPLUSD (Public Library of United States Diplomacy), foi iniciada e
em grande parte elaborada por Jules Assange, na Embaixada do Equador em
Londres. Anteriormente a WikiLeaks publicara o projecto “Cablegate” formado por
250 mil documentos diplomáticos de diversas embaixadas dos USA.
VII - A política de
desclassificação de documentos do governo norte-americano tem sofrido reveses. O
processo de abertura iniciado por Bill Clinton na década de 90 foi revertido
pela administração Bush filho. Em 2006, mais de 55 mil documentos que tinham
sido liberados pela administração Clinton, sendo de livre acesso, foram
reclassificados pela CIA e pela NSA. A administração Obama deu continuidade á
reclassificação da administração anterior e já pouco resta do processo de
abertura iniciado pela administração Clinton.
A publicação desta
documentação e o livre acesso proporcionado são de extrema importância
Histórica, para além de grande utilidade para jornalistas, investigadores, historiadores,
cientistas políticos e socias, etc.. Muita desta documentação do período de
Kissinger, revela as relações com as ditaduras militares sul-americanas, a
cooperação do governo dos USA com estes regimes, acções da CIA na região,
informes da CIA e de embaixadas dos USA na zona, memorandos sobre a China, a
India e o Paquistão, a Europa e a Indochina.
É uma cobertura
bastante interessante sobre um período turbulento da Historia das Relações
Internacionais e uma lanterna que ilumina algumas questões das relações
exteriores na era Kissinger e que traz alguma luz á Historia do imperialismo
norte-americano na década de setenta do seculo passado. Todo este legado de
Henry Kissinger pode ser resumido na sua célebre frase, na Turquia, numa
reunião com o ministro turco das relações Exteriores: "The illegal we do
immediately; the unconstitutional takes a little longer." Esclarecedor.
VIII - Aaron
Swartz, Robert McChesney, Assange, são apenas alguns dos nomes deste infinito palco
de operações que é a INTERNET. Free Press, Wiki Leaks, são apenas duas dos
milhares de frentes abertas no ciberespaço. A imensidão desse espaço público
que é a INTERNET conduz a uma infinidade de frentes abertas e de alternativas
por criar.
Assegurar que o
ciberespaço permaneça um espaço público livre, um espaço de autonomia,
conhecimento e informação é o pilar de todas estas frentes. Os ataques ao
ciberespaço público realizado pelos Estados e pelos monopólios generalizados
têm uma mesma fonte: capitalismo. Seja o controlo do ciberespaço pretendido por
razoes de Estado, de soberania nacional, para efectuar negócios, ou por razões
éticas, morais ou religiosas, o alicerce é sempre o do Capital, para o qual a
inexistência de um espaço fora do seu controlo é inaceitável.
Se no momento actual
ainda estamos numa fase de partilha do ciberespaço é porque a usa imensidão não
permite, por enquanto, domínio total. As grandes ofensivas estão em curso,
tanto da parte dos Estados, como da parte dos grupos privados. O travar desta
ofensiva é crucial para os que pretendem manter este infinito espaço público autónomo.
Travar a ofensiva do capital implica passar á contraofensiva no momento exacto.
É desta capacidade
organizativa, da riqueza criada pela pluridimensionalidade de comunidades,
grupos e espaços livres, de alternativas, de novas tecnologias e conhecimentos,
que depende a manutenção do ciberespaço como identidade pública, autónoma,
livre e criativa. Lutemos, então.
Fontes
McChesney, Robert Digital
Disconnect: How Capitalism Is Turning the Internet Against Democracy; Free
Press, 2013
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