Apesar de
declarações “otimistas” em contrário, a cena política alemã está bastante
complicada. E a complicação vem das diferentes avaliações sobre o cenário
europeu, como os riscos de desagregação da zona do euro. Última sondagem de
voto indica a possibilidade de as eleições marcadas para setembro terminarem
sem nenhuma maioria clara, nem coalizão possível. Por Flávio Aguiar, de Berlim
Flávio Aguiar - Carta Maior
Berlim –
Últimas pesquisas vêm anunciando que nas eleições alemãs em setembro próximo
poderia dar “tilt” – aquela parada de funcionamento nas máquinas de jogos
quando algo ou alguém bate nelas e perturba a carreira das bolinhas.
Qual é a situação? É a da possibilidade de não resultar das eleições nenhuma
maioria clara nem coalizão possível. A última pesquisa feita – pelo instituto
Forsa para, entre outros clientes, a revista ‘Der Spiegel’ – apontava para os
seguintes resultados:
União Democrata Cristã (da chanceler Angela Mekel) + sua co-irmã União Social
Cristã, da Baviera (ambas de sólida votação, mas sem ter maioria) – 40%.
FDP (como costumo dizer, um DEM sem tradição de coronéis, de fato liberal,
participante da atual coligação de governo) – 4%.
SPD (o Partido Social-Democrata que, sob a liderança de Peer Steinbrück, tem
oscilado demais nas pesquisas, com leve tendência para baixa graças a
declarações desastradas de seu líder) – 23%.
Verdes (às voltas com um “pequeno ou grande escândalo” graças à admissão por
Daniel Cohn-Bendit, um dos “heróis de 68” , de que teria praticado alguma forma de
transa sexual com crianças há trinta ou quarenta anos atrás) – 14%.
Linke (à esquerda, partido profusamente atacado ou desprezado pelos demais como
“remanescente da DDR) – 9%.
Piratas (alguns meses atrás, a sensação do momento, hoje em queda) – 3%.
Alternativa para a Alemanha (anti-euro) – 2%.
Algumas considerações sobre os números:
1) A CDU/CSU fica por aí. Não vai crescer nem decrescer muito, a menos que haja
algum terremoto escandaloso, o que não é provável.
2) Com 4%, o FDP ficaria fora do Bundestag, comprometendo a coligação hoje no
governo. A cláusula de barreira é de 5%.
3) Peer Steinbrück já declarou que só faria coligação com os Verdes. Mas... a
ver.
4) Esta coligação teria 37% dos votos no Parlamento. Insuficientes para formar
um governo.
5) 9% para a Linke seria um bom resultado. O partido já andou pelos 6%.
6) Linke + SPD + Verdes = 46%, próximo do que os analistas alemães consideram
razoável para formar um governo. Mas a coligação é impossível. A esquerda da
Linke a rejeitaria, a direita do SPD e o coração dos Verdes também. Divisor de
águas, além de questões econômicas: SPD + Verdes são entusiastas da OTAN. A
Linke não.
7) Os Piratas se enredaram nas próprias pernas, com delcarações desastradas de
algumas de suas lideranças, entre elas a de que o seu crescimento vertiginoso
anterior só teria paralelo na do Partido Nacional-Socialista (Nazista) antes da
Segunda Guerra. Cabelos se erriçaram, adrenalina circulou, etc. Eles não tem
nada a ver com o anterior e (felizmente) finado PNS, mas só a comparação
derribou-os nas pesquisas.
8) Para o Alternativa, qualquer votação igual ou acima de 3% seria uma vitória
no momento, como partido criado há um mês atrás, mesmo sem entrar no Bundestag.
Só o fato de roubarem votos do FDP, e assim impedir que este partido permaneça
no Parlamento e no governo lhes valeria um cacife em próximas eleições. A
chanceler Merkel tem procurado fazer “vista grossa” para o Alternativa, mas esta
estratégia vem sendo contestada no interior de seu próprio partido.
A menos que o SPD e a CDU/CSU decidissem reeditar a já famosa e surrada “Grande
Coalizão”, a formação de um governo alemão, neste quadro, ficaria “sub judice”
no plano político.
O que isto demonstra? Demonstra que apesar de declarações “otimistas” em
contrário, a cena política alemã está bastante complicada. E a complicação vem
das diferentes avaliações sobre o cenário europeu, tanto da parte das
lideranças quanto da parte dos liderados. Há o temor de que a Zona do Euro se
desagregue, o que provocaria uma violenta queda, pelo menos imediatamente, nas
exportações alemãs, com agravamento do desemprego. Há o temor de que então a
própria União Européia se desagregasse, fazendo o desemprego explodir mais
ainda, além de provocar o renascimento/recrudescimento de tensões e conflitos
nacionais e regionais. Há o temor de que a Alemanha consolide a visão alheia de
ser, ao mesmo tempo, o primo rico e o cisne (patinho, não!) feio da U. E.,
opressor e arrogante.
Enfim, a eleição parece pautada pelo temor, mais do que pelo desejo, ou pela
preferência por projetos. Até porque a distinção entre os projetos – da
CDU/CSU/FDP, face ao SPD/Verdes – não é muito clara, todos se pautando, nos
fundamentos, pelas opções emanadas da ortodoxia econômica hoje dominante entre
as lideranças da União Européia.
Enquanto isto, a(s) esquerda(s) permanecem desunidas. Não se pode negar que
tanto Verdes quanto Linke(s) cresceram por serem ou atraírem dissidências do
SPD, quando este se tornou um partido dominado por geriatrias e aderiu ao
programa neo-capitalista pós-Reagan, Tatcher, João Paulo II e Cia. Ilimitada.
Mas os Verdes se deixaram atrair por este redemoinho neo-liberal, em grande
parte – o que ajuda a explicar o crescimento regional dos Piratas em algumas
eleições anteriores.
Houve uma aliança instável, durante algum tempo, entre os três partidos últimos
citados, na prefeitura de Berlim, por exemplo. Os Verdes a romperam, quando da
última eleição, por quererem apresentar candidatura própria. Na eleição que se
seguiu, o candidato à reeleição, pelo SPD, Klaus Wowereit, com o maior número
de votos, se decidiu por fazer uma aliança com a CDU/CSU, para ter uma maioria
sólida no Parlamento da cidade. Com os Verdes a maioria seria muito pequena, e
com a Linke apenas, não haveria esta maioria.
Este “impasse equilibrado” no país-chave para as políticas econômicas na Europa
mostra que a dificuldade política em que a U. E. está imersa é maior do que
parece à primeira vista. E que a crise pode durar muito mais do que se pensa
inicialmente: aliás, segundo o relatório elaborado pelo National Intelligence
Council para o presidente Obama, entregue na Casa Branca em janeiro de 2013,
depois da sua posse para o segundo mandato, ela deve durar pelo menos um
decênio.
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