Nuno Ramos de
Almeida – Jornal i, opinião
A Suécia parecia o
paraíso. A revolta dos jovens desempregados, pobres e imigrantes queimou mais
que dezenas de carros, provou que o sonho europeu está a arder
Sabe-se pouco sobre
ele: tinha 68 anos, emigrou para a Suécia em 1975. Era casado com uma
finlandesa. Foi morto a tiro, em sua casa, pela polícia sueca. Segundo as
autoridades, foi abatido porque, depois de arrombada a porta de sua casa,
tentou agredir um agente com um objecto cortante. A família tem outra versão: o
homem tinha sido agredido por um gangue, horas antes, quando passava na rua com
a mulher. No momento em que a polícia lhe arrombou a porta, defendeu-se,
convencido de que era o bando que lhe invadia a casa.
Do que não há
dúvidas é que Lenine Relvas Martins era português e morreu abatido em
Estocolmo.
Os arredores da
capital nórdica ficaram a ferro e fogo. Jovens queimaram carros e atacaram
polícias e veículos dos bombeiros. Parece que a idílica Suécia está mais perto
dos negros policiais nórdicos que da bucólica imagem do paraíso que os media passam
sobre ela.
A 20 minutos do
centro de Estocolmo, o bairro de Husby é maioritariamente habitado por
imigrantes de primeira, segunda e terceira geração. Depois de dez anos de
governo de direita, o desemprego é aí muito superior ao dos dormitórios da
classe média. Muitos jovens - os jornais falam em 20% - nem estudam nem
trabalham. Para eles, o presente parece não ter futuro. Um jovem respondeu ao
jornalista do "El País" que, "se as mãos não têm livros,
enchem-se de pedras". As carcaças ardidas dos carros demonstram que a
utopia sueca está em chamas.
Se o desespero já
existe num país em que o desemprego nos bairros periféricos é de cerca de 9%, o
que será nos países da periferia europeia, em que ele já passou há muito os
20%?
A violência de rua
não expressa uma alternativa de sociedade, mas mostra claramente que esta
sociedade já não é alternativa para ninguém. As suas saídas possíveis são
apenas a destruição sem sentido ou encontrar um caminho para uma nova
sociedade.
A violência por si
própria é apenas um sintoma de que chegámos a um beco sem saída, mas não dá um
sentido.
Há muitos anos,
outro Lenine refugiou-se, na vizinha Finlândia, para escapar à repressão que se
abateu sobre os bolcheviques depois dum conjunto de greves operárias em Julho
de 1917. Aí ficou refugiado, disfarçado, com a barba rapada e uma peruca, até
às vésperas da Revolução de Outubro. Na localidade de Kuokalla (fronteira da
Finlândia) acabou de redigir o seu manuscrito "O Estado e a
Revolução", aí defendendo que "o Estado representativo moderno é um
instrumento de exploração do trabalho assalariado pelo capital. Há, no entanto,
períodos excepcionais em que as classes em luta atingem tal equilíbrio de forças
que o poder público adquire, momentaneamente, certa independência em relação às
mesmas e se torna uma espécie de árbitro entre elas". Essas aparências
dissipam-se quando se atingem momentos de crise, como a nossa, e verifica-se
que os governos não são iguais para todos e que a sua lógica é a de garantir e
reforçar os privilégios de uma minoria. Como diria Lenine, o Estado deixa de
conseguir dar a ilusão de ser árbitro para mostrar a sua verdadeira face de
instrumento de dominação.
Chegamos a esta
situação com um sistema económico que privilegiou o capital financeiro em
detrimento do produtivo e que apostou nos activos especulativos em vez dos
investimentos de longo prazo.
A inversão desta
lógica exige dar poder à maioria das pessoas. Mais que uma mudança cosmética, é
preciso uma ruptura democrática que permita dar-lhes voz. Para isso, é preciso
um longo e duro caminho. Não é apenas uma questão de eleições ou de governo, é
uma questão de criar uma nova sociedade.
No próximo dia 1 de
Junho vão sair à rua, em dez países da Europa, milhares de pessoas contra a
troika. Serão ainda poucos para mudar a Europa, mas terão dado um passo
importante na luta por um continente mais justo. Até porque a falta de futuro
existe do Atlântico aos Urais e uma resposta verdadeira passa por dar poder e
esperança às pessoas que cá vivem. E isso só pode ser feito em conjunto.
Editor executivo - Escreve à
terça-feira
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