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Documentos em
arquivos comprovam a entrada de nazistas no país, mas tema ainda é tabu na
historiografia brasileira. Investigação de promotores alemães contribui para
esclarecer parte desse passado.
Muitos nazistas
fugiram da Alemanha após o final da Segunda Guerra Mundial e encontraram
esconderijo na América do Sul, inclusive no Brasil. A maioria deles nunca pagou
pelos crimes que cometeu e levou uma vida "normal", como o "Anjo
da Morte" Josef Mengele, falecido em Bertioga (SP) em 1979.
Esse é apenas um
dos poucos casos conhecidos, e faltam estudos sobre o tema na historiografia
brasileira. Mas investigações realizadas no Brasil por promotores do Escritório
Central para a Investigação dos Crimes do Nazismo da Alemanha podem acabar com
esse silêncio.
Historiadores
acreditam que será muito difícil para as autoridades alemãs encontrarem
criminosos de guerra ainda vivos. Mesmo assim, a investigação dos promotores
poderá contribuir para que o tema ganhe destaque.
"O trabalho
deles é muito importante para o resgate dessa história que até agora foi negada
e revela uma outra faceta, tanto da história contemporânea do Brasil quanto da
Alemanha", diz a historiadora e coordenadora do Laboratório de Estudos da
Etnicidade, Racismo e Discriminação da USP, Maria Luiza Tucci Carneiro. Segundo
ela, esse resgate histórico é extremamente importante para o presente e o
futuro. "Uma história omissa e silenciada abre campo para o fortalecimento
de grupos neonazistas."
A entrada de
nazistas no Brasil após a guerra é comprovada pela documentação encontrada nos
arquivos do Itamaraty, do Estado de São Paulo e no Arquivo Nacional. "Não
são apenas aqueles cinco ou seis que a gente conhece, como o Mengele. Foram
muitos outros, talvez com uma importância secundária, mas criminosos de guerra",
diz a historiadora.
Proteção do governo
brasileiro
A preocupação do
governo brasileiro com o movimento nazista só acontece tardiamente, a partir de
1942. "A campanha do Getúlio [Vargas] contrária a estrangeiros no Brasil
se faz muito mais direcionada aos alemães, de uma maneira geral, do que contra
o partido nazista. Só em 1942 começa essa perseguição, no momento que o Brasil
entra na guerra", diz Carneiro.
Após a guerra, as
autoridades latino-americanas sabiam que criminosos de guerra estavam
escondidos em seus países, mas não tomaram nenhuma medida a respeito. "Em
alguns casos, os governos tinham plena consciência com quem estavam lidando.
Perón protegeu na Argentina Ante Pavelić, chefe de Estado fascista na Croácia e
organizador do Holocausto no país. No Chile, Pinochet protegeu Walter Rauff,
que desenvolveu as armas de gás com as quais os judeus foram mortos", diz
Daniel Stahl, da Universidade de Jena.
O governo
brasileiro protegeu Herbert Çucurs, o responsável pelo massacre de Riga.
Segundo Carneiro, em 1967 uma das sobreviventes do episódio reconheceu Çucurs
passeando no centro de São Paulo. Ela o denunciou ao Departamento Estadual de
Ordem Política e Social de São Paulo (Deops/SP). A polícia interrogou Çucurs,
que afirmou estar sendo perseguido pelo Mossad, o serviço secreto de Israel.
"Não aconteceu nada com ele. A polícia simplesmente protegeu Çucurs,
colocando, durante vários meses, seguranças na porta de sua casa."
Ida para a Alemanha
Antes da Segunda
Guerra, vários alemães e descendentes que viviam no Brasil, principalmente em
colônias no sul do país, voltaram para a Alemanha. Entre os anos de 1938 e
1939, estima-se que mais de 8 mil imigrantes alemães oriundos do Brasil
entraram no país. Muitos deles possuíam cidadania brasileira, mas abriram mão
dela e passaram a trabalhar no Terceiro Reich.
Em 1946, uma Missão
Militar Brasileira (MMB) foi instalada na Alemanha para fazer o atendimento
diplomático e repatriar brasileiros, verificando a situação dos solicitantes e
oferecendo o transporte de volta para o Brasil para brasileiros e familiares.
"Grande parte dos solicitantes era de origem alemã e possuía a
nacionalidade alemã", diz a historiadora Méri Frotscher Kramer, da
Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste).
"O governo
brasileiro tinha interesse em mão de obra especializada, inclusive alemã, e em
imigrantes agricultores." No início das atividades da MMB – que se
encerraram em 1949 – havia um controle na avaliação dos pedidos de
repatriamento, mas essa preocupação desapareceu ao longo do tempo. "Assim,
muitos que inicialmente não receberam a permissão acabaram recebendo
depois", revela Kramer.
No Brasil
Segundo a
historiadora Carneiro, nesse momento o governo brasileiro facilitou a entrada
ou o retorno daqueles que poderiam ser considerados criminosos de guerra. Dessa
maneira, chegaram ao país nazistas que tiveram um papel importante no regime.
"A MMB tem
consciência disso, porque os serviços secretos americano e da Grã-Bretanha tinham
fichas dessas pessoas, dizendo o dia da saída do Brasil, a função exercida e o
cargo ocupado na estrutura do Reich, e mesmo assim a entrada deles no Brasil
foi liberada."
A historiadora
conta que encontrou nos arquivos telegramas da MMB, informando as autoridades
brasileiras do embarque ilegal de nazistas em navios com destino ao Brasil e
até mesmo citando o nome desses "passageiros".
Ao desembarcar no
Brasil, a maioria deles desapareceu e passou a levar uma vida
"normal". "Franz Stangl e Gustav Wagner trabalharam em uma
empresa alemã, para ser mais específico na Volkswagen. Herbert Çucurs fez
amigos militares e abriu uma empresa", conta Stahl, da Universidade de
Jena.
Carneiro
complementa: "Eu percebo que a comunidade alemã deu cobertura e ajudou
esses nazistas, pois ao longo de anos eles foram alimentados com uma propaganda
pró-Alemanha que fomentou o amor à pátria".
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