Pedro Bacelar de
Vasconcelos – Jornal de Notícias, opinião
Três revoluções
sangrentas assinalaram na Europa e na América o nascimento das instituições
políticas contemporâneas que através dos processos de colonização, da dominação
imperialista, da resistência popular e conflitos militares de enorme violência,
iriam generalizar por todo o planeta as fórmulas de organização social que
designamos por Estado de Direito e Democracia Constitucional.
A primeira, foi a
"Revolução Gloriosa" inglesa de 1688 que destronou o Rei Jaime II
depois de ter cortado a cabeça de Jaime I e de uma breve experiência
republicana, e que impôs a supremacia do parlamento e grande parte das
instituições que descrevem o funcionamento das atuais democracias
representativas. A segunda foi a "Revolução Americana" que, em 4 de
julho de 1776, denuncia o "despotismo absoluto" da Grã-Bretanha e põe
termo a uma "história de repetidas ofensas e usurpações", declarando
a independência das colónias inglesas da América do Norte. A terceira foi a
"Revolução Francesa" de 1789 que afirmou o valor universal da "Liberdade,
Igualdade e Fraternidade" e proclamou que a "sociedade em que não
esteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida a separação dos
poderes não tem Constituição".
Foram trezentos
anos pontuados por guerras terríveis e confrontos sangrentos mas que o poder
político democrático e a expectativa sempre renovada do cumprimento de uma
promessa de prosperidade comum conduziu até ao presente. Ao cabo de trezentos
anos de inegáveis sucessos, o "mercado livre" impera em todo o
planeta e as relações de interdependência económica desembocaram na atual
hegemonia financeira construída à custa da crescente irrelevância política dos
"estados soberanos". Em nome dos dogmas da "desregulação" e
da otimização da racionalidade económica que entretanto se tornaram dominantes,
destacou-se o ativismo de Ronald Reagan e Margareth Thatcher seguidos de Bill
Clinton, Tony Blair e, por fim, dos sociais-democratas europeus rendidos àquilo
que se chamou a "terceira via", teorizada e operacionalizada pelos democratas
americanos e trabalhistas ingleses. A deslocalização e desterritorialização das
atividades económicas, a intensificação dos fluxos migratórios e as novas
tecnologias de comunicação e vigilância em breve iriam facilitar a substituição
da chantagem da "guerra nuclear total" pelo fantasma de uma
"guerra civil internacional" - como diz Giorgio Agamben - já ensaiada
por George W. Bush a pretexto do combate ao terrorismo.
O fim da guerra
fria vai servir de pretexto oportuno para atacar o agora tão deplorado
"estado providência" e para criar uma atmosfera propícia à promoção
de uma ideologia revanchista que se abate, hoje, sobre as grandes aquisições
civilizacionais destes últimos três séculos. Na era da globalização, depois dos
exemplos do Chile, da China ou do Vietname, a liberdade económica deixou de
estar associada à liberdade política e à democracia.
A nova ideologia, à
semelhança do que se dizia do velho "socialismo científico", é
totalitária e, curiosamente, tenta também fundar na teoria económica e no
fatalismo histórico as suas verdades irrefutáveis. Exalta os fortes e castiga
os fracos. Prescreve a resignação e a penitência. Por isso, os cortes estruturais
na "despesa pública" agora anunciados já só carecem da ideia de
"reforma do estado" como mero invólucro... para salvar as aparências.
Não importa o aumento da carga fiscal desde que sirva para alcançar o merecido
empobrecimento geral e os credores sejam pagos com a venda das empresas púbicas
em que se andou a investir tanto tempo com tanto empenho. Não é preciso sequer
o esforço de demonstrar onde se poderão obter ganhos de racionalidade e
melhorar a eficácia dos serviços públicos. Basta o peso dos números com que se
quantificam os cortes! Só o poder político democrático, a lucidez e a vontade
dos cidadãos poderão erguer uma barreira efetiva à euforia destruidora dos
epígonos do novo credo.
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