Daniel Oliveira –
Expresso, opinião - Quinta feira, 2 de maio de 2013
Não podemos
permitir que aqueles que conduzem aos maus resultados andem sempre de espinha
direita como se nada fosse com eles. Não podemos permitir que todos aqueles que
estão nas empresas privadas ou que estão no Estado fixem objectivos e não os
cumpram. Sempre que se falham os objectivos, sempre que a execução do Orçamento
derrapa, sempre que arranjamos buracos financeiros onde devíamos estar a criar
excedentes de poupança, aquilo que se passa é que há mais pessoas que vão para
o desemprego e a economia afunda-se. Quem impõe tantos sacrifícios às
pessoas e não cumpre, merece ou não merece ser responsabilizado civil e
criminalmente pelos seus atos?
Não se
assustem. Não estou a defender que Pedro Passos Coelho e Vítor Gaspar vão
para choça depois de, ao longo de dois anos, terem falhado todas as suas
previsões e compromissos orçamentais e a única coisa que hoje nos têm para
dizer é "ou esta desgraça ou desgraça maior". Não estou a dizer que a
continuação de mais sacrifícios, cortes e impostos que nunca cumprem os
objetivos devem colocar o primeiro-ministro perante um juiz. Não estou a
defender que o aumento brutal do desemprego e das falências e a catástrofe
que se abateu sobre a nossa economia devem ser resolvidos nos
tribunais. Sou dos que pensa que o tribunal da política são as
eleições. Dos que não aceitam que juízes substituam os cidadãos.
Estou a falar da
forma como se faz política. Das coisas inacreditáveis que se dizem para ganhar
eleições e das coisas tão diferentes que se fazem depois de as ganhar. É que,
ficam as minhas desculpas pela ausência de aspas, todo o primeiro
parágrafo deste texto não é de minha autoria. São palavras de Pedro
Passos Coelho a 6 de Novembro de 2010. Sem uma vírgula a mais.
Olhamos para
o défice e para a execução orçamental, não com derrapagens, mas
com autênticos despistes. Olhamos para os impostos criados para
compensar o desastre dos dois últimos anos. Olhamos para o desemprego e
para a economia. Olhamos para os sacrifícios, que, muito para lá dos
limites que Passos dizia que deviam ter, fizeram com que Portugal fosse um
dos países do mundo que mais caiu, entre 2011 e 2012, no Índice de
Desenvolvimento Humano. Olhamos para a dívida pública que, apesar
disto, aumenta 131 milhões por mês, estando em 126% do PIB,
quando segundo o memorando de entendimento deveria estar nos 113%.
Comparemos tudo
isto com os compromissos. metas e promessas deste governo. E percebemos
que as incendiárias palavras de Passos lhe assentariam como uma luva.
Dirão que foi a herança. Mas se a culpa fosse dela teríamos de recordar
que grande parte das previsões para a economia e para os seus resultados
orçamentais foram feitas no pleno conhecimento da dita herança, já Passos
estava no governo. E saíram todas furadas. Dirão que é a crise europeia e
internacional. Mas em Novembro de 2010 ela já existia e poderia servir de
argumento tão válido como hoje.
O que choca não é
que Passos tenha dito uma coisa e feito outra. Isso já se sabe e está longe de
ser o primeiro. O que choca é recordar a violência verbal que
naquele tempo o líder do maior partido da oposição usava. Até onde ia na sua
excitação política, ao ponto de, implicitamente, exigir a prisão do
primeiro-ministro. Até onde foi a direita no seu discurso supostamente
moralizador. E comparar a retórica populista que usava com os resultados
práticos da sua governação.
Há quem se queixe
da oposição e diga que ela está radical. Apenas porque não quer consensos com
um governo onde manda Gaspar e pede a sua queda e eleições, perante a agonia do
País. Há até quem se queixe da "crispação". Mas se Seguro,
Semedo ou Jerónimo proferissem, hoje, quando a situação é muitíssimo mais grave
do que naqueles tempos, declarações deste género, o que seria dito por
comentadores, jornalistas e políticos? E por Passos Coelho?
Na realidade, a
oposição a este governo e o comportamento da comunicação social perante o
primeiro-ministro são de uma extraordinária suavidade. Os negócios e a vida de
Passos Coelho não foram espiolhados até ao último pormenor. Não foram lançados boatos
sobre a sua vida sexual. Não foi verificada cada compra de casa que
fez, cada negócio em que se envolveu. A Presidência da República não
inventou conspirações e escutas para o incriminar. Ninguém pede
que enfrente a justiça pelo desastre que significaram os dois anos em
que governou. Apenas se pedem responsabilidades políticas por opções
políticas. Que um dos mais impopulares governos de sempre seja julgado
pelos eleitores. Que seja respeitada a Constituição e que não se massacrem mais
os desempregados e os reformados. Tudo, nos argumentos e nas consequências que
se defendem, no estrito plano da política. Pode agradecer Passos Coelho
por ter uma oposição tão civilizada. Tão diferente do que foi o seu
comportamento e o das suas hostes nos seis anos anteriores a ter chegado a São
Bento.
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