Os resultados da
Islândia podem surpreender muita gente. Mas não surpreendem quem avisou contra
a imprudência da austeridade como mal menor. Os social-democrata e os verdes
formavam um governo de coligação. Ambos foram varridos do mapa por uma punição
eleitoral que só tem precedentes na derrota dos partidos das direitas que
tinham conduzido ao escândalo bancário – e que agora voltam ao poder. É uma
lição dura: a política de direita abre sempre o caminho à direita. Por
Francisco Louçã.
Francisco Louçã -
Esquerda.net – Carta Maior
O partido
social-democrata e o dos verdes formavam um governo de coligação. Ambos os
partidos foram varridos do mapa por uma punição eleitoral que só tem
precedentes na derrota dos partidos das direitas que tinham conduzido ao
escândalo bancário – e que agora voltam ao poder. A direita recupera assim
graças à conjugação de dois efeitos: os governantes insistiam numa adesão à
União Europeia que foi vista pela população como uma ameaça e um risco
insuportável e a austeridade desacreditou os que prometeram um governo para as
pessoas. Estes dois efeitos dão que pensar. São uma lição dura.
Em primeiro lugar, são uma lição para o europeísmo obediente. A União Europeia
assusta e repele, porque é a agência da austeridade e do desemprego. O caso de
Chipre provou, como antes os da Grécia, Irlanda, Portugal, Espanha e Itália,
que a direção europeia é perigosa e reincidente. Os islandeses tiveram medo
desta gente e preferiram a demagogia dos nacionalistas, mesmo que fossem os
nacionalistas da trafulhice financeira de que todos ainda se lembram.
Em segundo lugar, são uma lição para os que achavam que, na emergência, o mal
menor leva a algum lado. Leva, de fato: leva à recuperação da direita. Os que
há um par de anos, em enfática pose de sentido de Estado, aconselhavam as
esquerdas a seguir o caminho moderado dos social-democratas e dos verdes, a
apoiarem a coligação porque não havia outra,a juntarem as suas preces para que
a austeridade desse certo, não se enganaram só a si próprios, enganar-se-ão
sempre enquanto defenderem que a austeridade é a melhor solução contra a
austeridade.
Ainda me lembro dos artigos pomposos contra o crime de lesa-majestade do Luís
Fazenda, que tinha reunido com o ministro das finanças da Islândia e concluído
sem dificuldade que o governo ia destroçar-se: pois não é que ele é um
sectário, não compreende a dificuldade, não está disposto ao belo sacrifício,
escreveram os conversos da austeridade. Mais ainda, aquela promissora aliança
devia ser um exemplo para todos, é assim que se conjugam vontades, escreviam os
conversos, hoje remetidos a um prudente silêncio. Aqui temos a dura lição: a
política de direita abre sempre o caminho à direita.
Mas, em terceiro lugar, o fracasso deste governo suscita uma questão mais vasta
de estratégia. Para a colocar com simplicidade: porque é que a esquerda
possibilista é tão estúpida que acha que repetir sempre o que falha sempre vai
permitir alguma vez um resultado diferente? Falhou na Itália. Havia um governo
de coligação que era o melhor que se conseguia, diziam. Temos que o apoiar
mesmo sabendo que pode ser o nosso suicídio, acrescentava um teórico. Foi
mesmo. Não sobrou nada da esquerda e Berlusconi ganhou a seguir. Na Islândia
era a nova oportunidade e o mesmo argumento: o governo de coligação era o
melhor que se conseguia. Resultou: a direita ganhou. A lição dura é esta: nunca
se ganha quando se faz tudo para perder. Aceitar a austeridade contra o
trabalho é merecer perder sempre.
Por isso, a lição de todas as lições serve para Portugal. O problema de
Portugal não é imitar a Itália ou a Islândia e as suas coligações que são
sempre apresentadas como o menor dos males e a única alternativa. António José
Seguro, que assegura que cumprirá os “compromissos” porque “a austeridade é
diferente da política de austeridade”, assume uma posição que é o seguro de
vida da direita, pois qualquer governo que prossiga este programa só pode
devolver o poder à direita – se é que não é logo uma coligação com a direita.
Por isso, aos que cultivam a beleza do suicídio literário como uma afirmação de
política, aos que acham que o irrealismo de apoiar a austeridade é um dever de
consciência justificado pela falta de vontade de lutar por alternativas,
respondo simplesmente: aprendamos com a Islândia.
O que determina a força e a coerência de um governo não é a cor de quem pode vir a estar nele, é simplesmente o que vai fazer, o compromisso que tem com o seu povo, a sua capacidade de rejeitar o memorando e a austeridade e de impor uma economia para os bens comuns da democracia. O que faz a política é a política. Uma coligação miserável de concessões financeiras e de políticas de desemprego nunca será um governo de esquerda. Será, como na Islândia, uma antecâmara da direita. Mas, para isso, não se atrevam a falar-nos de esquerda e de caminhos realistas quando é preciso esquerda e caminhos realistas.
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