Pedro Marques Lopes
– Diário de Notícias, opinião
Sexta-feira fomos
informados de que a dosagem do medicamento que andamos a tomar será reforçada.
Acreditando fanaticamente no remédio que nos foi prescrito, o primeiro-ministro
não tem dúvidas: os sacrifícios pedidos vão valer a pena.
Há dois problemas
nesta profissão de fé de Passos Coelho.
O primeiro é que os
sacrifícios, até agora impostos, não valeram a pena. Temos assistido à maior
destruição do tecido económico em Portugal de que há memória, ao maior
crescimento do desemprego da nossa história recente, ao maior surto de
emigração em democracia. Tudo isto, dizem-nos, para obtermos equilíbrio
orçamental, redução do endividamento e umas finanças públicas saudáveis. A
questão é que nada disso foi obtido: as nossas finanças públicas estão um caos,
o endividamento não pára de crescer e os resultados das execuções orçamentais
são os conhecidos. Digamos que quando o primeiro-ministro nos diz que agora não
podemos falhar não sabemos bem de quem está a falar. Dos portugueses não será
de certeza absoluta, que têm aguentado estoicamente a barbárie em curso. Estará
a falar dele próprio, utilizando o plural majestático, e da estratégia que
abraçou.
Da estratégia
estamos conversados: como vamos prosseguir no caminho definido e aprofundá-lo,
a catástrofe está garantida. A destruição da nossa comunidade continuará
imparável e ao contrário do que diz o Governo será esta a estrada que nos
levará ao segundo resgate e depois à saída do euro. Sim, será esta austeridade
brutal, estes cortes cegos na Educação e na Saúde, estes novos impostos sobre
os pensionistas, as previsíveis diminuições de salários, somado a tudo o que já
foi feito que nos levará à saída do euro.
E aqui entra o
segundo problema da profissão de fé de Passos Coelho: a sua credibilidade. É
que neste momento já ninguém acredita no primeiro-ministro. Mesmo as medidas
que fazem sentido e são até da mais elementar justiça (como a equiparação das
férias e do número de horas de trabalho na função pública com a actividade
privada) perdem sentido quando anunciadas por Passos Coelho.
Ninguém tem a
mínima confiança em Passos Coelho. O primeiro-ministro pode anunciar que à
noite se seguirá o dia, que ninguém acredita.
Tudo começou nas
promessas eleitorais com o célebre ajuste rápido e indolor, os famosos custos
intermédios que resolveriam o despesismo do Estado e a negação de qualquer
corte salarial. O desastre do dossier TSU. A manutenção incompreensível de
Miguel Relvas no Governo. A lista é demasiado grande para ser minimamente
exaustiva, mas, claro está, as afirmações constantemente repetidas de que
estamos a ter sucesso, que estamos no bom caminho, face à realidade que todos
vivemos são tão delirantes que chegam a ser ofensivas.
A tudo isto deve
ser acrescentada a balbúrdia no Governo que obviamente é responsabilidade do
primeiro-ministro. Um dia apresenta-se um plano de fomento e crescimento (digno
de um aluno de primeiro ano de Economia, diga-se) para uns dias depois ser
apresentado o Documento de Estratégia Orçamental que torna inexequíveis
quaisquer medidas, por muito ténues que fossem, do tal plano. DEO, aliás, que é
um delírio absoluto: desde responsabilizar os portugueses por todos os males
que lhes estão a acontecer, passando pela reprodução do argumentário alemão
para as razões da crise até prever que em 2014 a nossa economia
crescerá 0,6% com todos os cortes anunciados, com o desemprego em rápido
crescimento e com a Zona Euro estagnada, vale tudo. Noutro dia, o ministro para
o Consenso envia cartas de amor, para no dia seguinte o ministro Gaspar gozar
com os deputados dizendo-lhes que mandou o DEO para a Comissão Europeia e uns
minutos antes para eles ou atribuindo ao PS, que Maduro tenta seduzir,
comportamentos patológicos.
Entretanto, vamos
sabendo que dentro do Governo as reuniões duram horas infindas porque os
ministros do PSD não concordam com a estratégia de Gaspar e de Passos. O
Governo está totalmente partido e são os próprios ministros que o revelam.
Dissensão que se alastra ao próprio PSD, onde parte importante do partido discorda
e não se reconhece na acção do Governo.
Não há como
ignorar, o primeiro-ministro está completamente descredibilizado e a
instituição Governo não está a funcionar regularmente. Há um órgão de soberania
que tem a responsabilidade de actuar quando isso acontece, mas esse órgão
também não está propriamente a funcionar regularmente. Nada, aliás, parece
estar a funcionar regularmente. Não me recordo de existirem tão poucas razões
para estar optimista.
Por decisão
pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico
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