Fernando Santos – Jornal de Notícias, opinião
Está escrito nas
estrelas: uma orquestra desafinada tem pouco futuro. Quando os sons são
emitidos sem uma linha condutora coerente, o público alinha numa valente
pateada e tira conclusões - ou o maestro é incompetente, ou os músicos não dão
uma para a caixa ou, outra hipótese, usam as pautas para se travar de razões
entre si.
O atual momento
político do país contém todas as parecenças com um grupo de músicos
tresmalhados. É eloquente a gritaria da Oposição e o descontentamento nas ruas,
a tentativa de afinação de Passos Coelho e os sons divergentes emitidos por
Vítor Gaspar e Paulo Portas.
Um simples
documento, contendo as novas projeções da OCDE para Portugal, agravando a
estimativa de recessão deste ano para 2,7 do PIB, contra os 2,3% admitidos pelo
Governo e pela troika, voltou a colocar a nu a desafinação.
Do alto da sua
sapiência, o técnico Vítor Gaspar vê nas projeções da OCDE uma
"discrepância de algumas décimas de ponto percentual" entendendo não
as valorizar excessivamente. E o que disse o político Paulo Portas? Mostrou-se
"preocupado"....
Esta diferença de
discurso pode parecer um mero pormenor, mas não. É um "pormaior" -
mais um - por encaixar noutras "nuances" do dia dos mesmos
protagonistas.
"Reformar não
é cortar, é tornar o Estado melhor". Que acorde sonante! Propagado por
quem? Por Paulo Portas, respondendo a uma interpelação na Assembleia da
República do Bloco de Esquerda e na qual prometeu a apresentação do documento
da reforma do Estado no próximo mês. Uma mensagem nos antípodas do Orçamento
Retificativo forjado por Gaspar e no qual os novos ajustamentos serão
realizados pelo lado da despesa, mas sem uma qualquer linha de coerência para
lá do foco num número final.
Interessante ainda
nesta dicotomia entre os n.OS 2 e 3 do Governo é o posicionamento sobre a
capacidade negocial do país perante os seus credores e o memorando de
entendimento com eles assinado ao tempo do socorro pedido por José Sócrates
(convém não esquecer). Para Paulo Portas, "os programas de ajustamento
devem ter adaptação à realidade, os esforços devem ser realistas e as metas
atingíveis". Já para Vítor Gaspar, um paladino do cumprimento das
exigências da troika, indo de preferência até mais longe, Portugal dispõe de
"uma posição negocial muito fragilizada". E porquê? Espanto dos
espantos: o mesmo ministro das Finanças considera que o programa foi "mal
negociado". Dá para rir, sobretudo se se recordar ter alinhado sempre numa
postura de mais papista do que o Papa.
Ao tocarem pautas
diferentes, em sucessivos "concertos", Gaspar e Portas acabam por dar
espaço à tal pateada do público (o povo que paga o espetáculo). E Passos
Coelho, o maestro, que é feito dele? Já deu mostras de apreciar o sopro do
ministro das Finanças, mas também percebe o estardalhaço real de não prestar
atenção à percussão barulhenta do ministro dos Negócios Estrangeiros, ou não
fosse ele o dono de uma parte da banda...
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