Alfredo Leite –
Jornal de Notícias, opinião
Um dia depois de
Pedro Passos Coelho ter destacado o "talento" de Paulo Portas e o seu
"empenho pessoal" no pacote de medidas anunciadas pelo
primeiro-ministro na passada sexta-feira, o líder do CDS surgiu ontem aos
"portugueses", com pose de estadista e até alguma
"jactância" para fazer de conta que parte a louça toda quando, na
realidade, não partiu um prato. O companheiro de Passos Coelho na peculiar
coligação que nos (des)governa precisou de meia hora de discurso pausado para dizer
aos "portugueses" que discorda em absoluto da proposta que visa impor
uma contribuição extraordinária a pensionistas e reformados como medida para
cortar na despesa. "O primeiro-ministro sabe e creio que é a fronteira que
não posso deixar passar", acrescentou solenemente Portas. O também
ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros foi ainda mais longe ao afirmar
que a medida é "um cisma grisalho que afetaria mais de três milhões de
pensionistas da Segurança Social e da Caixa Geral de Aposentações".
Nós, os
"portugueses" a quem o líder centrista tão solenemente se dirigiu,
ouvimos mas não entendemos bem o que pretendeu dizer. Mas então Portas não
aceitou o que diz agora ser a linha vermelha que não está disposto a
ultrapassar? Aceitou, mesmo que diga ter aceitado no limite. E ao aceitar
participou numa farsa que a TSF desmontou, e bem, horas antes da comunicação
televisiva e em direto de Portas. A saber: os cortes estimados pelo Governo
para este ano poderão atingir os 1400 milhões de euros, parte dos quais em
despesas fixas dos ministérios. E, se assim for, o ministério de Vítor Gaspar
pode consolidar uma almofada de 200 milhões de euros. É este valor que, somado
a outros cortes menores, poderá ser suficiente para fazer cair a contribuição
de sustentabilidade.
A declaração de
Paulo Portas veio, portanto, reforçar o que já sabíamos. O Governo anda à
deriva, fala a duas vozes e insiste em brincar, uma vez mais, com a nossa vida.
E com especial crueldade com a vida dos mais frágeis: os reformados e pensionistas.
E nós, os
"portugueses", olhamos ainda mais incrédulos para esta coligação que
se assemelha a uma pista de carrinhos de choque de feiras e romarias (locais
tão caros a Portas) onde rodopiam dois pilotos tresloucados a tentar chocar ora
de frente, ora de lado. Num carrinho vai Portas, no outro vai Passos. E nós, os
"portugueses", estamos já sem carrinho, no meio da pista, indefesos,
a ver de que lado seremos atingidos pelas viaturas descontroladas. De fora, aos
comandos da pista (e, já agora, da aparelhagem sonora) está Cavaco Silva.
Apesar de ter o disjuntor por perto, o presidente parece observar tudo isto sem
vontade de agir, tornando-se por isso, além de testemunha privilegiada,
cúmplice do ziguezague de Portas e Passos.
Ou, se quisermos
usar uma imagem mais cara ao primeiro-ministro, o presidente da República vê
ambos a chafurdar no pântano onde nos estamos a enterrar. E apela à concórdia
política e à coesão social. E apela e apela e apela. Com a ajuda do microfone
roufenho.
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