sexta-feira, 24 de maio de 2013

Portugal: A PORTARIA E OS EXORCISMOS DE GASPAR



Ana Sá Lopes – Jornal i, opinião

Para Portugal é urgente a libertação de uns certos demónios

A Igreja Católica voltou a estar preocupada com o diabo: do exorcismo realizado pelo papa Francisco na Praça de São Pedro até à contratação urgente de especialistas na matéria que o cardeal Rouco se propõe fazer em Espanha, a hierarquia católica dedicou-se furiosamente a esconjurar o demónio nestes últimos 15 dias. Os agnósticos têm dificuldade em lidar com estas coisas, mas é por vezes difícil encontrar outra explicação coerente para algumas ocorrências que não provenha da mão do diabo - ou da sua instalação nos detalhes.

Vejamos a decisão do governo de realizar uma das mais brutais "reformas" dos últimos tempos através de portaria - a dos despedimentos na função pública. O ministro Luís Marques Guedes veio ontem comunicar oficialmente a armadilha diabólica decidida pelo governo para esconder o debate político e impedir que outros órgãos de soberania - Presidente da República, Assembleia da República - se pronunciem sobre uma das mais fracturantes decisões deste governo. O facto de os despedimentos na função pública, ou do seu "anteprojecto", estarem a ser discutidos na Concertação Social não é razão aceitável para que entrem em vigor através de uma portaria. Em qualquer altura, uma reforma deste género decidida através de portaria seria surreal, mas quando a legitimidade do governo é, neste momento, meramente formal - a maioria parlamentar em que se sustenta dá todos os dias sinais de se desmoronar -, avançar com os despedimentos da função pública através de uma portaria só pode revelar o mais completo e acabado divórcio entre o governo e os portugueses.

Se o procedimento é miserável, o acto em si é mais um contributo para a destruição da economia nacional e a consumação de uma campanha que, desde o início, o governo desencadeou contra "os funcionários públicos" - assim como contra os reformados -, equiparando-os a pouco mais do que párias do regime. Bem pode Vítor Gaspar fazer o exorcismo - repetindo muitas vezes "este é o momento do crescimento" - quando, a começar nos funcionários públicos despedidos e nos reformados cujas pensões foram cortadas, não vai haver ninguém para comprar produtos às empresas que poderão agora recorrer à diminuição do IVA. A economia não cresce por portaria nem com os discursos de Gaspar contra os críticos da troika: diz o ministro que qualquer palavra contra "os nossos credores" é uma palavra contra o país. Para Portugal, é urgente a libertação de uns certos demónios.

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