EL PAÍS, MADRID
– Presseurop – imagem Richard Manin
A UE está a levar a
sério a luta contra os paraísos fiscais, conforme prova a cimeira que se
realiza em 22 de maio com esse objetivo. Mas a limpeza deve começar pela
própria casa, onde territórios como Jersey prosperaram, tirando partido da
tradicional ambiguidade política.
As autoridades
deste território semi-independente estão envolvidas numa polémica que nada tem
a ver com o passado. Sabem que o seu sistema económico – assente em impostos
muito baixos ou inexistentes – suscita cada vez mais suspeitas dos governos e,
sobretudo, dos cidadãos de outros países, aos quais, todos os dias, são
exigidos cada vez mais sacrifícios, enquanto alguns se livram de ajudar a
economia, graças a territórios como este.
“Não somos um
casino, mas um centro que recolhe investimentos e os injeta noutros locais. É
justamente disso que a Europa precisa. Somos parte da solução e não o
problema”, garante o ministro das Finanças, Philip Ozouf. “Este Governo sempre
cumpriu as regras internacionais e continuará a cumpri-las”, insistiu, esta
semana, o primeiro-ministro, Ian Gorst.
Face aos argumentos
do Governo de Jersey e do lóbi financeiro, os ativistas da organização Tax Justice Network qualificam
esta minúscula ilha – que tem menos de 100 mil habitantes e acumula depósitos
bancários superiores a €140 mil milhões – como o sétimo maior paraíso fiscal do
mundo, na lista que esta organização elabora sobre sigilo financeiro. “Apesar
de, formalmente, Jersey não ter sigilo bancário, como a Suíça ou as Bahamas, o
sigilo é conseguido por outras vias: fundos, empresas deslocalizadas e, desde
2009, fundações”, garante esta ONG, que defende a transparência no sistema
financeiro internacional.
Hemorragia de
capitais
“A OCDE não nos
inclui na sua lista de paraísos fiscais”, repetem as autoridades de Jersey.
“Nessa lista, só figuram duas ilhas minúsculas do Pacífico, Nauru e Niue. Se
esse critério fosse válido, não haveria paraísos fiscais no mundo”, replica
Mike Lewis, assessor da organização Action Aid. “Todos os paraísos fiscais
dizem o mesmo. Só usam as listas da OCDE para tentarem provar que estão
limpos”, acrescenta o escritor e jornalista Nicholas Shaxson.
Mas os problemas de
Jersey não resultam apenas da pressão das organizações não governamentais nem
da mobilização da sociedade civil. Os governos também parecem decididos a
travar uma hemorragia de capitais que escapa ao seu controlo.
“A mensagem é
simples. Iremos atrás de quem esconde o seu dinheiro”,disse, na semana passada, o
ministro das Finanças britânico, George Osborne, depois de o Reino Unido ter
detetado 100
casos graves de evasão fiscal, na sequência de uma investigação conjunta
com os Estados Unidos e com a Austrália, realizada em Singapura e nas Ilhas
Virgens Britânicas, nas ilhas Caimão e nas ilhas Cook. Foi este impulso
renovado de realizar cobranças que levou Jersey a aceitar o intercâmbio
automático de informação bancária com Londres e Washington.
Organizações como a
Tax Justice exigem que, para poder ser levada a sério, esta medida seja
alargada a todos os países da UE. Jersey contrapõe que dará esse passo, quando
os Vinte e Sete se comprometerem também a fazê-lo.
RU controla um em
cinco paraísos fiscais
O representante do
setor financeiro, Geoff Cook, admite ter reservas quanto a esta nova onda de
regulamentação. “Queremos ser bons vizinhos e cooperar com o que outros
governos decidirem. Mas existe o risco de, se se difundir a ideia de que nós,
europeus, vamos divulgar toda a informação sobre os nossos clientes, estes
preferirem transferir o seu dinheiro para outros territórios. O intercâmbio de
informação está muito bem, se todos o praticarem”, garante este britânico que,
como conselheiro delegado da Jersey Finance, representa os interesses de um
setor que absorve 40% da economia.
O ministro Ozouf
mostra-se muito amável com o jornalista que se deslocou ao seu país. Mas uma
pergunta congela o seu sorriso. O próprio Governo britânico estima que um
acordo de intercâmbio automático de informação com as três dependências da
Coroa renderia aos cofres públicos cerca de 1000 milhões de libras (€1185
milhões). Não estará o Reino Unido a admitir, assim, que vocês são um paraíso
fiscal? “Esses números não são nossos e não os reconhecemos. Mas, mesmo
partindo do princípio de que estão certos, esse montante equivaleria ao que
pagariam, no total, Jersey, Guernsey e Man, ao longo dos próximos cinco anos”,
responde o ministro.
Apesar deste novo
papel de irmão mais velho, que obriga os pequenos a seguir as regras, o Reino
Unido tem primado, até agora, por uma indefinição que permitia que as suas
antigas colónias, os territórios ultramarinos e as Dependências da Coroa
agissem como entendessem. O Reino Unido controla um em cada cinco paraísos
fiscais existentes no mundo e muitos críticos consideram que poderia ter feito
muito mais.
Oportunidade
perdida?
No seu bestseller Treasure
Islands (Ilhas do Tesouro) – que se transformou na bíblia do
movimento contra os paraísos fiscais –, Nicholas Shaxson define Jersey como uma
combinação de “finanças deslocalizadas futuristas, com um sistema político
medieval”.
A estrutura
política de Jersey é muito particular, mas o seu sistema tributário não lhe
fica atrás. Os legisladores não gostam de complicações mas, em contrapartida,
adoram os números redondos: 0% de impostos para as empresas não financeiras;
10% para as financeiras e 20% diretos de imposto sobre os rendimentos,
independentemente do valor desses rendimentos.
A aposta é alta.
Organizações como a Tax Justice estabeleceram um triplo objetivo: saber quais
os particulares, empresas, fundos e fundações que depositam dinheiro nos
paraísos fiscais; acordos de intercâmbio de informação entre todos os governos
e envolver os países em desenvolvimento, para que estes beneficiem destas
melhorias.
Já foram dados
alguns passos. Os Estados Unidos, o Reino Unido e a Austrália chegaram a acordo
para esquadrinhar os capitais das empresas em paraísos fiscais de meio mundo.
Na cimeira desta semana, os dirigentes europeus tratarão de conceber um quadro
comum para combater a evasão fiscal. Se os gigantes da política agirem com
decisão, os anões como Jersey serão obrigados a responder. Mas ninguém pode
garantir que esta não vá ser uma oportunidade perdida. Mais uma.
Traduzido por Fernanda
Barão
Sem comentários:
Enviar um comentário