Daniel Oliveira -
Expresso, opinião
O Presidente da
República juntou ontem os conselheiros para uma conversa. Uma conversa
"interessante", disse Jorge Sampaio à saída de Belém. Um debate
inútil, percebemos todos.
Cavaco Silva queria
falar sobre o País depois da troika se ir embora. Diz que assim se
discute o futuro. É um hábito da política nacional: no presente, tapam-se
buracos e debate-se o futuro sem que este pareça ter qualquer relação com o que
se está a fazer agora. Agora cumprem-se metas e destrói-se o País. As
decisões certas tomam-se amanhã. O problema da política portuguesa nunca foi
não pensar no futuro. Foi não decidir no presente em consonância com o que
desejamos para o futuro. A forma como usámos os fundos europeus foi disso um
excelente exemplo.
Este debate
promovido por Cavaco Silva tem vários problemas.
O primeiro é a sua impossibilidade:
o Estado em que o País estará daqui a um ano ou é imprevisível, tornando
qualquer debate impossível de se fazer, ou, sendo previsível, é uma catástrofe,
obrigando a pôr possibilidades que Cavaco Silva, avesso a qualquer ato de
coragem, nunca aceitará olhar de frente.
O segundo é ser diletante:
com o governo em crise profunda, ninguém sabe ao certo até quando ele durará.
Não é, mesmo que o Presidente gostasse que fosse, o mesmo ter este ou outro
governo. Tudo o que ali se tenha discutido morreria no minuto em que este
governo cair. É isso que deveria preocupar o Presidente, que deveria ser o
garante do regular funcionamento das instituições.
O terceiro é a sua inconsequência:
não fazendo o corte que, segundo as últimas sondagens, a maioria dos
portugueses deseja fazer com o programa do memorando da troika, haverá
mais troika com outro nome. Ou não conseguimos regressar aos
mercados, e continuaremos sob intervenção externa (mesmo que numa modalidade
diferente), ou vamos para os mercados em profunda crise e os juros que
pagaremos serão, como provou a última venda de dívida, ainda mais altos. O que
nos obrigará a mais austeridade. Se nada fizermos, o pós-troika será ainda
pior do que a troika.
O quarto é formal:
não cabe ao Conselho de Estado e ao Presidente definir o programa do próximo
governo. Mesmo que Cavaco Silva queira provar, como quis, com este
"evento", que nada de diferente pode ser feito, e queira mostrar que
é ele, e não o poder executivo, que determina o que será feito, os seus poderes
são outros. Querer transportar para Belém um debate que cabe ao Parlamento é
uma tentativa de usurpação de poderes. Felizmente, uma tentativa inútil. Na
realidade, já ninguém quer saber o que o Presidente acha da situação do País.
Compreendo que um
Presidente que consegue a proeza de ter uma popularidade negativa tente
arranjar estes números para se dar a si próprio uma importância que já não tem.
Mas é agora, com as decisões que estão a ser tomadas, que o futuro pós-troika (ou
o futuro da neotroika) se decide. Se nada pretende fazer para travar
isto, se a demissão do governo ou uma negociação séria com a troika são
tabus para Cavaco, de pouco servem as suas "interessantes" conversas.
São como os números de teatro de Paulo Portas: atos desesperados a pensar na
sua própria sobrevivência política.
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