quarta-feira, 5 de junho de 2013

Brasil: EMIGRANTES TOMAM O LUGAR DOS ÍNDIOS

 

Rui Martins, de Genebra – Correio do Brasil
 
Ainda há alguns anos, quando fazia meu curso de Direito na USP, os índios eram considerados juridicamente incapazes e necessitavam de tutores, como os deficientes mentais e os velhos desmemoriados.
 
Me parece terem sido promovidos a pessoas na sua integridade. Mas o lugar ficou vago e passou a ser ocupado pelos emigrantes, hoje mais numerosos que os indígenas, dizimados pelos colonizadores e atuais grileiros juridicamente capazes.
 
É, portanto, de tanga e de penas, cocar, arco e flecha que proponho aos emigrantes, selecionados para a IV Conferência Brasileiros no Mundo, irem no fim deste ano ao Itamaraty, assumindo consciente e claramente sua condição de cidadãos juridicamente incapazes de cuidarem de si próprios e à mercê da tutela dos diplomatas do Itamaraty, senhores bem nascidos, instruídos, juridicamente mais que capazes, bem formados no Instituto Rio Branco, mesmo porque nunca se poderia imaginar um Instituto Rio Negro.
 
Nas minhas andanças em Brasília, mesmo de joelho luxado me obrigando a ver estrelas a cada passo, decobri algo de dar desconsolo nos mais impedernidos militantes – o governo Dilma (que ajudamos a eleger e no qual continuamos a apostar) pisou na bola ao renovar o mandato do Itamaraty como tutor dos emigrantes.
 
Há nessa decisão um rescaldo de velhos preconceitos pelos quais se considera os emigrantes, na grande maioria trabalhadores sem qualificação, como ignorantes e os periféricos do Exterior. Quem teria sido o inspirador do argumento aceito pelo governo de que a população emigrante brasileira deve ser regida pelos engravatados do Itamaraty ?
 
Qual a identidade existente entre um trabalhador emigrante e um diplomata brasileiro, expatriado para representar o país ou gerir os cartórios de ofício e de paz do exterior, chamados de consulados ? Não têm os mesmos genes, o mesmo ADN, a natureza de ambos é gritantemente diversa.
 
Mas, infelizmente, não faltarão caciques emigrantes contentes e felizes por receberem do homem do rio branco alguns objetos inúteis mas próprios da civilização. E se sentirão honrados, como os proconsules romanos e os representantes locais dos colonizadores, por poderem sentar à mesma mesa de seus tutores e fidalgos senhores.
 
Que importará se na IV Conferência Brasileiros no Mundo nada poderão decidir mas apenas sugerir, se receberão, em troca de sua fidelidade canina aos diplomatas, um cartão de visita com o brasão da República, uma viagem a Brasília e a ilusão de pertencerem também à mesma estirpe dos senhores do engenho do Itamaraty ?
 
Os conselhos de cidadania, dirigidos ou presididos pelos cônsules locais, são uma pantomima, uma encenação como foi o CRBE, eleitos por meia-dúzia de gatos pingados, empafiados com a pretensão de representarem os emigrantes, na verdade ausentes da cena e obrigados a utilizarem a terceirização dos serviços consulares.
 
O novo CRBE, cujo novo regulamento subsituiu as obrigações anuais por reuniões periódicas, será tão enganoso e inútil como o precedente. Sem verba para funcionar, criará só a impressão de ser estar fazendo alguma coisa pelos emigrantes. Ridículo, rizível.
 
Está na hora dos emigrantes gritarem Basta e o II Forum Internacional dos Emigrantes, em 23 e 24 de agosto, em Londres, discutirá as estratégias e mobilizações políticas para se chegar à emancipação e representação política dos emigrantes, com uma nova política brasileira de emigração.
 
As bases foram lançadas no I Forum em Berna, o caminho está traçado. Por certo alguns políticos e parlamentares nos ajudarão na conquista da nossa independência e da nossa capacidade jurídica plena como cidadãos brasileiros no exterior, sem necessidade de tutores.

(Publicado originalmente no site Direto da Redação)
 
Rui Martins jornalista, escritor, líder emigrante, correspondente em Genebra
 

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