Rui Martins, de
Genebra – Correio do Brasil
Ainda há alguns
anos, quando fazia meu curso de Direito na USP, os índios eram considerados
juridicamente incapazes e necessitavam de tutores, como os deficientes mentais
e os velhos desmemoriados.
Me parece terem
sido promovidos a pessoas na sua integridade. Mas o lugar ficou vago e passou a
ser ocupado pelos emigrantes, hoje mais numerosos que os indígenas, dizimados
pelos colonizadores e atuais grileiros juridicamente capazes.
É, portanto, de
tanga e de penas, cocar, arco e flecha que proponho aos emigrantes,
selecionados para a IV Conferência Brasileiros no Mundo, irem no fim deste ano
ao Itamaraty, assumindo consciente e claramente sua condição de cidadãos
juridicamente incapazes de cuidarem de si próprios e à mercê da tutela dos
diplomatas do Itamaraty, senhores bem nascidos, instruídos, juridicamente mais
que capazes, bem formados no Instituto Rio Branco, mesmo porque nunca se
poderia imaginar um Instituto Rio Negro.
Nas minhas andanças
em Brasília, mesmo de joelho luxado me obrigando a ver estrelas a cada passo,
decobri algo de dar desconsolo nos mais impedernidos militantes – o governo
Dilma (que ajudamos a eleger e no qual continuamos a apostar) pisou na bola ao
renovar o mandato do Itamaraty como tutor dos emigrantes.
Há nessa decisão um
rescaldo de velhos preconceitos pelos quais se considera os emigrantes, na
grande maioria trabalhadores sem qualificação, como ignorantes e os periféricos
do Exterior. Quem teria sido o inspirador do argumento aceito pelo governo de
que a população emigrante brasileira deve ser regida pelos engravatados do
Itamaraty ?
Qual a identidade
existente entre um trabalhador emigrante e um diplomata brasileiro, expatriado
para representar o país ou gerir os cartórios de ofício e de paz do exterior,
chamados de consulados ? Não têm os mesmos genes, o mesmo ADN, a natureza de
ambos é gritantemente diversa.
Mas, infelizmente,
não faltarão caciques emigrantes contentes e felizes por receberem do homem do
rio branco alguns objetos inúteis mas próprios da civilização. E se sentirão
honrados, como os proconsules romanos e os representantes locais dos
colonizadores, por poderem sentar à mesma mesa de seus tutores e fidalgos
senhores.
Que importará se na
IV Conferência Brasileiros no Mundo nada poderão decidir mas apenas sugerir, se
receberão, em troca de sua fidelidade canina aos diplomatas, um cartão de
visita com o brasão da República, uma viagem a Brasília e a ilusão de
pertencerem também à mesma estirpe dos senhores do engenho do Itamaraty ?
Os conselhos de
cidadania, dirigidos ou presididos pelos cônsules locais, são uma pantomima,
uma encenação como foi o CRBE, eleitos por meia-dúzia de gatos pingados,
empafiados com a pretensão de representarem os emigrantes, na verdade ausentes
da cena e obrigados a utilizarem a terceirização dos serviços consulares.
O novo CRBE, cujo
novo regulamento subsituiu as obrigações anuais por reuniões periódicas, será
tão enganoso e inútil como o precedente. Sem verba para funcionar, criará só a
impressão de ser estar fazendo alguma coisa pelos emigrantes. Ridículo,
rizível.
Está na hora dos
emigrantes gritarem Basta e o II Forum Internacional dos Emigrantes, em 23 e 24
de agosto, em Londres, discutirá as estratégias e mobilizações políticas para se
chegar à emancipação e representação política dos emigrantes, com uma nova
política brasileira de emigração.
As bases foram
lançadas no I Forum em Berna, o caminho está traçado. Por certo alguns
políticos e parlamentares nos ajudarão na conquista da nossa independência e da
nossa capacidade jurídica plena como cidadãos brasileiros no exterior, sem
necessidade de tutores.
(Publicado originalmente no site Direto da Redação)
Rui Martins
jornalista, escritor, líder emigrante, correspondente em Genebra
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