Luís Nhanchote
– Verdade (mz)
O novo espectro de
uma nova guerra civil em Moçambique, entre o Governo da Frelimo e a Renamo, o
maior partido da oposição, reabre as feridas da intolerância entre dois
ex-beligerantes que durante 16 anos semearam luto, dor e destruição que se
acreditava terem sido sanadas em Roma, com a assinatura do Acordo Geral de Paz
(AGP), em Outubro de 1992.
Vinte e um anos
depois, esse cenário parece ter voltado para a mesa dos moçambicanos, onde a
ementa é a mesma dos dias sangrentos: Quem paga a factura, na generalidade, são
cidadãos civis e indefesos.
Os donos do
cardápio – Governo da Frelimo e a Renamo – vão usando argumentos parcos e ocos,
para justificarem a intolerância e a arrogância do que ficou por se resolver na
capital italiana ao fim de dois e intensos anos de conversações.
Ponto 1: “Homens
armados”
Chancelaram e
acordaram em Roma, o Governo da Frelimo, que tinha à testa o ex-Presidente
Joaquim Chissano e Afonso Dhlakama, que este último poderia manter uma
segurança armada. Apesar do acordo, a Renamo não confiava numa segurança que
não fosse a sua. Aliada a isso, uma das adendas do Acordo Geral de Paz(AGP)
preconizava a incorporação de 15 mil homens por cada parte dos dois
ex-beligerantes que se conflituaram, para a formação de um exército, o que não
chegou a acontecer, alegadamente, por questões de natureza socioeconómica.
O país acabava de
sair de uma guerra e entrava na rota da reconstrução e da reconciliação da
grande família moçambicana. Na divisão que se pretendia equitativa, na
destribuição de cargos altos no exército unificado, a Renamo foi acomodada,
mas, gradualmente, foi reclamando que as suas altas patentes estavam a ser
preteridas, isto é, compulsivamente passadas para a reserva.
No entanto, Afonso
Dhlkama foi mantendo os seus “homens armados”, que rotativamente andavam entre
Maputo e a sua antiga base central, em Gorongosa. O ex-Presidente Joaquim
Chissano, mais dado à diplomacia, terá ordenado durante o seu mandato, após uma
missão bem-sucedida de espionagem, uma operação de recolha de material bélico
na posse daquele antigo movimento rebelde, facto que levantou as iras da
Renamo.
Golpe dado, muito
provavelmente, a Renamo ficou na retaguarda. Afinal de contas, a natureza
belicista deste partido continuava intacta. Do lado governamental idem!
Ponto 2: Dossiê
eleitoral
Desde a realização
das primeiras eleições gerais e multipartidárias, em 1994, até as últimas de
2009, que a Renamo sempre proclamou a plenos pulmões que fora vítima de fraudes
eleitorais, orquestradas pelos órgãos que organizam os pleitos eleitorais, no
caso a Comissão Nacional de Eleições (CNE). Desde a criação deste órgão, o
mesmo foi obedecendo a critérios de paridade, com base na proporcionalidade de
assentos na Assembleia da República (AR).
Porém, a Renamo,
que gradualmente vai reduzindo os seus assentos na AR, e consequentemente na
composição da CNE, acredita que o partido Frelimo – que detém agora a maioria
qualificada no Parlamento – tem espaço alargado de manobra para prosseguir com
as alegadas “fraudes”. E, deste modo, a Renamo ameaça boicotar os próximos
pleitos eleitorais, como já o fizera nas primeiras eleições autárquicas, em
1998.
Outra descofiança
da Renamo tem a ver com a sociedade civil nos órgãos eleitorais. Afonso
Dlakhama não tem dúvidas de que enquanto o patrão continuar a ser o partido
Frelimo, que também é Governo, ela não existe.
“Não é porque não
reconhecemos a sociedade civil, não há condições para a sociedade civil porque
todos, para viverem, o patrão é sempre a Frelimo. Ainda é cedo para a sociedade
civil em Moçambique, talvez daqui a 20 ou 30 anos quando começarmos a ter as
indústrias independentes, privadas, para também empregarem os intelectuais”.
Estas palavras foram proferidas por Afonso Dhlakama na conferência de imprensa
em Gorongosa.
Aquando da tomada de
posse dos membros das Comissões Provinciais Eleitorais verificou-se que muitos
dos membros da sociedade civil que estão presentes têm ligações umbilicais com
o partido no poder, a Frelimo.
Ponto 3: Dhalkama
regressa a Gorongosa
Com passagem por
Nampula, onde se terá estabelecido depois das últimas eleições, o líder da
Renamo, Afonso Dhlkama, regressou a Santhujira, na serra de Gorongosa, sua
antiga base central durante os 16 anos da guerra civil.
De mimos em mimos,
iniciados em Nampula ano passado, onde os “homens armados” da Renamo que
estariam a criar terror em plena capital do norte, o exército acabou por pôr
termo ao espectro de guerra que se vivia naquele ponto do país ao desbaratar
aqueles ex-guerilheiros. Posto isto, Dhlakama desceu para o lugar aonde se
sente como peixe na água: Gorongosa.
Ao que se sabe,
Dhlakama terá ido às celebrações do 33º aniversário do passamento físico do
movimento rebelde, que se assinala a 17 de Outubro. Foi de Gorongosa que
Dhlakama anunciou que a partir de então estava de volta ao seu antigo “lar” e
que de lá já não sairia, até que terminasse a exclusão social, económica e
cultural de que a maioria dos moçambicanos tem estado a ser vítima em
detrimento de uma minoria predadora, com acesso ao Estado e que tem estado a fazer
acumulação de capital.
Acusado o golpe, o
Governo tratou de mandar o exército para as cercanias da serra de Gorongosa,
facto que exarcebou os ânimos da Renamo, que passou a fazer uma demostração de
força, fazendo circular pela vila-sede de Gorongosa os seus “homens armados”,
facto só igual em cenários hollywoodescos.
A 5 de Abril, em
alegada retaliação de um ataque à sua sede, em Muxúnguè e detenção dos seus
membros, os “homens armados”da Renamo atacaram uma unidade policial, onde foram
mortos militares e, cinco dias depois, o próprio Dhlakama assumiu, a partir de
Gorongosa, numa concorrida conferência de imprensa, ter sido dele a ordem do
ataque.
Dois meses depois,
mais concretamente a 17 de Junho, o caldo entornou-se com um assalto ao paiol
de Savane, localizado na província de Sofala, centro do país, que foi invadido
e atacado por homens armados, que mataram sete militares e levaram consigo
diverso material bélico que as autoridades governamentais ainda não
quantificaram.
O Governo atribuiu
a autoria desse ataque aos “homens armados” da Renamo, que basicamente se
encontram posicionados naquela província central do país, alegadamente para
protegerem o seu líder Afondo Dhlkama, que se encontra baseado no distrito de
Gorongosa.
Na quarta-feira da
semana passada, a Renamo convocou uma conferência de imprensa para dar a
conhecer aos moçambicanos e ao mundo que não tinha nada a ver com o referido
ataque e que iria encerrrar a estrada nacional número 1, a principal estrada do
país que liga o sul ao norte, num troço de cerca de 200 quilómetros,
alegadamente para “alargar o perímetro de segurança do presidente Dhlkama”.
Em consequência
destas declarações, proferidas pelo brigadeiro Jerónimo Malagueta, este acabou
por ser detido pelas autoridades, alegadamente por colocar em causa “a ordem
pública e a segurança”.
Esta semana,
voltaram a registar-se cenários de ataques e o transporte, na rota rio Save a
Muxúnguè, está a ser condicionado por colunas militares, fazendo lembrar os
anos oitenta a noventa. Durante as celebrações da independência nacional, esta
quarta-feira, o Presidente Guebuza, falando na Praça dos Heróis, disse estar
disposto a conversar com Afonso Dhlakama, mas que este se tem furtado a tal
encontro. “Ele é que escapa a esses encontros” disse o chefe de Estado, que é
igualmente presidente da Frelimo.
Ponto 4:
Negociações da intolerância
Desde Dezembro
passado que o Governo e a Renamo têm estado em negociações com vista a resolver
as reivindicações deste que é o maior partido da oposição no país. As primeiras
quatro rondas foram realizadas numa estância turística em Maputo – Indy Village
– e naturalmente pagas pelo erário e não produziram nenhum consenso. Chegavam a
durar um dia inteiro, com intervalos para cafés e almoços. O diálogo
ensurcedor, entre as partes, acabou por marcar a rotura das mesmas, tendo mais
tarde sido reatadas depois de o espectro de guerra se ter tornado uma triste e
dura realidade.
O Governo não está
a ceder às pretensões da Renamo no tocante ao dossiê eleitoral, alegadamente
porque quem tem competências para o fazer é o Parlamento, onde a Frelimo tem
uma maioria qualificada.
Nesta onda de
intolerância, de recusa de cedências de parte a parte, o país vai resvalando
para um mar de incertezas, de clima de terror, para gáudio da arrogância de
quem possa (re)colocar o país no concerto da nações.
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