Daniel Oliveira –
Expresso, opinião
A greve dos
professores foi por razões laborais. E é justo que assim seja. As suas e
de todos os funcionários públicos, tratados como malandros por este governo. Só
corresponde à defesa das funções sociais do Estado, onde a educação está
incluída, na medida em que essas funções não se cumprem sem profissionais para
as levar a cabo. E na medida em que os ataques preferenciais aos funcionários
públicos correspondem ao preconceito ideológico que este governo tem contra as
funções que eles desempenham.
Defender os
professores deste ataque não significa achar que a maioria dos professores tem,
em geral, em todos os restantes assuntos, razão. Os professores são tão
egoístas e solidários como qualquer outra classe. Muitos se queixarão dos
funcionários da CP quando estes fazem greve. Dizendo, provavelmente, que as
suas greves não deviam prejudicar os outros. Assim como muitos trabalhadores da
CP que fazem por vezes greves estarão indignados com os professores pelos
prejuízos que causaram aos seus filhos. A velha solidariedade de classe já
teve melhores dias. E isso ajuda a explicar porque perdem os
trabalhadores, de dia para dia, os seus direitos.
Não faço, por isso,
textos laudatórios à classe docente. Nem, como tenho lido em tanto lado,
generalizações insultuosas. Limito-me a analisar as razões desta luta e a dar-lhes
razão. E, sendo consequente, a defender o direito de fazerem a greve mais
eficaz possível. Mesmo que ela me prejudique.
É o mesmo
raciocínio que tenho com Mário Nogueira. Escrevi, recentemente no
"Expresso", sobre o olhar que do líder da Fenprof tem em relação à
escola pública e como, na minha opinião, ele é, no fundamental, muito
semelhante ao de Nuno Crato. Mas também nesta matéria, não me baralho. A minha
opinião sobre Nogueira, e sobre a sua razoável incapacidade em manter um
discurso político mais abrangente que mobilize o resto da sociedade em defesa
dos professores, não muda um milímetro a minha posição sobre a greve. Pelo
contrário, compreendo bem o objetivo das dezenas de ataques, mais simulados ou
mais enfurecidos, que têm sido dirigidos a Nogueira. Não podendo atacar os
90% de professores que fizeram greve, concentram-se as baterias no rosto mais
visível de uma contestação que contou com o apoio de todos os sindicatos. O que
se pretende atacar não é a apenas esta greve e os professores. É o
sindicalismo, a própria instituição da greve e, de uma forma mais geral,
qualquer forma de resistência eficaz às medidas deste governo.
Uma das principais
criticas que tenho lido em relação a Mário Nogueira é o facto de não dar aulas. O
populismo pega com facilidade. Pega com políticos e também pega com
sindicalistas. Curiosamente, ninguém faz este género de objeções a dirigentes
de associações patronais, a bastonários de ordens profissionais ou a dezenas de
dirigentes de ONG. Uma federação das dimensões da Fernprof (uma das
maiores estruturas sindicais do País, com associados espalhados por todo o
território e com um grau de complexidade na sua gestão muito razoável) não se
dirige nas horas vagas.
Esta acusação feita
com recorrência aos dirigentes sindicais, que nunca aparece em relação a
nenhuma outra atividade associativa, só pode resultar de uma de duas coisas: ou
de um completo desconhecimento do conjunto de atividades desenvolvidas pelos
sindicatos ou da tentativa de criar tais constrangimentos à atividade sindical
que, na prática, ela seja inviável. Na maior parte do que tenho lido, a
propósito da Fenprof (e só, não sei porquê, em relação à Fenprof), é o segundo
caso.
O melhor exemplo
foi dado pelo líder da JSD (o mesmo que defende o fim da da saúde e da educação
tendencialmente gratuitas e que afirmou não se incomodar com a quantidade de
jovens que estão a emigrar), que exigiu ontem uma conveniente investigação ao
financiamento dos sindicatos da educação (que, ao contrário da sua
"jota", vivem apenas das quotas dos seus associados). Quem se mete
com o governo leva, é a tradução jorgecoelhista desta proposta vinda de quem
vive mal com a liberdade sindical e o direito à greve. Quem faz este tipo
ataque é a favor do direito à greve se ele não for exercido, a favor do
sindicalismo livre se ele não for viável e a favor da concertação social se ela
resultar em acordos em que só um dos lados tem uma palavra a dizer.
Se a crítica fosse
à falta de democracia interna em muitos sindicatos, que têm estatutos
bloqueados e a expressão da oposição muito dificultada, eu subscreveria.
Avisando, no entanto, que os sindicatos dos professores até são daqueles onde
essa critica é menos válida e que a eleição de Mário Nogueira como líder da
Fenprof foi indiscutivelmente democrática. Se fosse ao afastamento de
muitos sindicalistas, por demasiado tempo, em relação aos seus locais de
trabalho, eu assinaria por baixo. Se fosse sobre a excessiva partidarização
de muitos sindicatos, também. Mas a critica parte de um pressuposto demagógico:
o de que é possível dirigir grandes sindicatos em horário pós-laboral. Ou seja,
ter estruturas amadoras a negociar com instituições públicas e associações
patronais ultraprofissionais. Quem defende isto quer sindicatos fracos. E
não acredita que eles desempenham um papel central na democracia e que, para o
desempenhar, precisem de recursos materiais e humanos.
A outra critica tem
a ver com o recurso à greve. Ela vai variando, conforme o contexto. A greve
geral é inaceitável porque quer fazer cair um governo eleito. A greve dos
estivadores era inaceitável porque prejudicava a economia. As greves da função
pública são inaceitáveis porque prejudicam os utentes e resultam de privilégios.
A greve dos transportes é inaceitável porque impede os outros de trabalhar. A
greve é, no fundo, sempre inaceitável. Mas note-se que, quem o diz, deixa
sempre claro que defende o direito à greve, instituído em todas as
democracias. Desde que nunca seja realmente exercido.
Esgotados todos os
argumentos, abriu a época do tiro ao Nogueira. Como se esta greve fosse
sua. Ele é do PCP, logo a greve é do PCP. Com 90% de adesão e o apoio de todos
os sindicatos a coisa é difícil de vender. Entre os grevistas estarão
seguramente eleitores de todos os partidos e gente que não pode ver Mário
Nogueira nem pintado. Ou as pessoas julgam que os professores são todos
uns idiotas, fáceis de instrumentalizar, ou perceberão que Nogueira apenas se
limitou a dar expressão a um sentimento geral que o ultrapassa em muito.
Por fim, é uma
forma de diabolizar qualquer tipo de contestação ao governo. Tal como
acontece com as greves, não me lembro de nenhuma forma minimamente eficaz de
resistência às gravíssimas medidas tomadas por este executivo que não tivesse
sido acusada de oportunista, pouco cívica ou antidemocrática. Se se faz greve
prejudica-se o País. Se se fazem manifestações, são os comunistas e bloquistas
do costume. Se se interrompe a intervenção de um ministro, viola-se a liberdade
de expressão. Há sempre uma razão qualquer para não discutir as razões que
levam a uma determinada forma de luta e ficarmos a debater a legitimidade dessa
forma de luta.
Esta semana, no Brasil, um
apresentador da TV Globo resolveu fazer uma pesquisa telefónica em direto.
Perguntava aos telespectadores se concordavam com o tipo de manifestações a que
se está a assistir contra o aumento dos transportes. Fazia o senhor da televisão
notar que também ele era contra o aumento dos transportes. Não concordava era
com estas manifestações. Indignado com o resultado, que dava uma vitória ao
"sim", decidiu, num momento de extraordinária transparência na sua
manipulação, fazer uma segunda "pesquisa". Queria saber se
concordavam com "a baderna" nas manifestações. O segundo resultado
foi ainda mais esmagador. Porque quem ouvia defendia a
violência? Claro que não. Porque as pessoas perceberam que estavam a ser
manipuladas por alguém que as tentava virar contra o exercício democrático do
protesto, transformando-o em coisa ilegítima ou mesmo criminosa. E assim
dividir os brasileiros, conter a dimensão dos protestos e garantir que tudo
ficava na mesma.
É a isso mesmo que
assistimos, em Portugal, sempre que qualquer forma de luta pode dar sinais de
ser eficaz: seja por causa da ansiedade dos alunos, seja por causa dos
prejuízos para economia, seja pelo ódio a um dirigente sindical em particular
ou seja por pequenos focos de violência, quer-se manipular a opinião pública
para que ela aceite, em silêncio, tudo o que lhe é imposto. Dizendo,
claro, que até se é contra as medidas. O problema é que haja alguém que se
atreva a resistir a elas de forma consequente e a dar assim, aos restantes
cidadãos, um "mau" exemplo. Há que os isolar e colocar na
fogueira mediática. Agora é Mário Nogueira. Amanhã será outro que dê a cara por
qualquer combate que ponha em causa esta aviltante gestão do discurso da
inevitabilidade.
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