Pedro Marques Lopes
– Diário de Notícias, opinião
1. A greve geral de
quinta-feira repetiu vários dos sinais das anteriores. Mais uma vez ficou bem
visível a pouca implantação dos sindicatos nos trabalhadores da actividade
privada. Muitos anos de erros na maneira de olhar para a actividade sindical
nas empresas, a pouquíssima atenção dada aos desempregados e aos que tentam
entrar no mercado de trabalho contribuíram decisivamente para a profunda crise
do movimento sindical no sector privado (e não só) e logo num momento em que
eram precisos sindicatos fortes e conscientes dos novos desafios que a
comunidade enfrenta.
Depois, num momento
em que se vive sérias dificuldades, os trabalhadores pensam duas vezes antes de
fazer greve para não agravar os problemas das suas empresas. No sector público,
os despedimentos anunciados são, como é evidente, um forte incentivo ao não
exercício do direito à greve. No entanto, e apesar de tudo isto, a greve geral
fez-se sentir. Mais do que a guerra de números dos sindicatos e Governo, fica a
sensação da expressão dum enorme descontentamento. Fica a imagem de gente que
mesmo com grande sacrifício pessoal fez greve e de outra gente que não fez mas
que concorda com os seus motivos.
Houve, no entanto,
uma enorme novidade nesta greve geral, algo de que em Portugal não havia
memória: às principais centrais sindicais juntaram-se as associações patronais
- o barulho de Marx e Engels a darem voltas na campa foi tão grande que deve
ter chegado a Lisboa.
Não é que estas
associações já não tivessem mostrado, e não por poucas vezes, a sua profunda
oposição ao caminho que o Governo está a prosseguir. Os empresários sabem o que
está a ser feito à economia portuguesa, vivem-no no dia a dia. Eles sabem onde
ficaram as reformas prometidas, a desburocratização e toda a questão dos custos
de contexto. Eles sabem para onde a carga fiscal está a empurrá-los. Eles sabem
onde pára o crédito. Mas sabem sobretudo que sem clientes não há empresas que
resistam.
Sim, eles sabem
isso tudo e também sabem que muitos dos males que os afligem não são de agora.
O que é de agora é o limite a que estão a ser levados. Se o Governo não percebe
o limite a que estão a ser levados os empresários para, no fundo, apoiarem uma
greve é porque já não percebe nada. Se o Governo não percebe o significado
político e social de patrões e sindicatos se mostrarem unidos contra as opções
do Governo, é porque o autismo é completo.
Na mesma
quinta-feira, os patrões e os sindicatos portugueses tiveram um apoio, para
alguns, inesperado: os partidos que suportam o Governo aprovaram seis de dez
propostas apresentadas pela oposição. E que clima se viveu na Assembleia da
República: digamos que parecia que ia ser votado um voto de louvor a uma
qualquer figura nacional ou internacional consensual, tal era a afabilidade e a
cooperação.
Enquanto o ministro
Marques Guedes afirmava respeitar mais uns trabalhadores do que outros, no
Parlamento, um vice-presidente da bancada social-democrata, Luís Menezes,
dirigindo-se aos socialistas, lembrou que "é muito mais o que nos une do
que o que nos separa" e chegou mesmo a mostrar compreensão pela proposta
para a reposição do valor do IVA da restauração. As perguntas são inevitáveis:
alguém tinha avisado o Governo de que iam ser votadas favoravelmente estas
propostas? Vítor Gaspar e Passos foram postos ao corrente? Concordam?
Parece que não.
Sábado, a TSF divulgava um documento do Ministério das Finanças no qual se
arrasam por completo as propostas dos socialistas. As tais que foram aprovadas
pelos deputados sociais-democratas e centristas...
Um dia antes,
talvez por nessa altura o primeiro-ministro não se encontrar a uns milhares de
quilómetros de distância, Luís Montenegro desmereceu as propostas
qualificando-as de desilusão. Mas isso seria o menos. Nesse mesmo dia tínhamos
visto um primeiro--ministro inflexível com a oposição, sem vontade de ouvir o
que quer que fosse e mostrando uma violência no discurso ainda não ouvida. A
intolerância com a oposição foi tanta que o CDS se sentiu incomodado e apelou
ao diálogo.
A greve geral
consagrou definitivamente o total isolamento do Governo. Estes episódios no
Parlamento deixaram transparecer o sentimento de profunda desilusão com a
governação que percorre o PSD.
Existe de facto um
consenso e não há dia em que não cresça.
Por decisão
pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico
1 comentário:
E faz muito bem em se borrifar para o acordo ortográfico
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