Ana Sá Lopes –
Jornal i, opinião
O sequestro do
Presidente põe em causa o regular funcionamento das instituições
O Presidente pode
demitir o governo se ficar provado o "irregular funcionamento das
instituições". Mas o discurso de ontem de Aníbal Cavaco Silva é uma prova
cabal do "irregular funcionamento das instituições", de um chefe de
Estado sequestrado por um governo e colocado em lugar incerto - embora o seu
avatar circule por aí e debite orações sobre as maravilhas da agricultura.
Nas cerimónias do
10 de Junho, o verdadeiro discurso que falou do Portugal de hoje foi feito por
Silva Peneda, o presidente do Conselho Económico e Social, escolhido pelo
Presidente da República para presidir às comemorações do 10 de Junho. E só isto
pode ser um "sinal" de que a cabeça de Cavaco Silva - capaz de
escolher um homem como Silva Peneda para aquela função - largou o seu corpo e
se juntou à coligação governamental depois de ter sido alvo de eventuais
malfeitorias naquela famosa reunião de sábado em Belém a seguir ao Conselho de
Ministros.
A calamidade da
situação do país foi bem apresentada por Silva Peneda. Numa sociedade que tem
os números de desemprego que tem a portuguesa "daqui ao medo é um pequeno
passo". Mas o Presidente da República que tinha afirmado, perante
Sócrates, que se tinham atingido "os limites dos sacrifícios" fechou
os olhos ao mundo à sua volta - e preferiu recordar a literatura neo-realista
dos tempos da miséria e da ditadura, como se servisse de grande consolo aos
portugueses de 2013 pensar que o país era muito pior e mais miserável nos anos
60, na época em que pontificava em Belém o contra-almirante Américo de Deus
Thomaz - que ficou na memória colectiva por, não tendo na realidade nenhum
poder face a Salazar, ocupar o seu tempo a fazer discursos estúpidos.
Ao aceitar ser uma
espécie de ministro sem pasta do actual governo, Cavaco Silva perdeu o que lhe
restava de capacidade para ocupar o cargo de "Presidente de todos os
portugueses", no momento mais difícil da vida do país depois da ditadura.
Ao explicar que não quer ter nenhum papel político, ainda piorou a situação. Já
não há nada a fazer: como disse o primeiro-ministro Aníbal Cavaco Silva
relativamente ao Presidente em funções nos anos 90, ainda poderia restar ao
governo ajudar o chefe de Estado a acabar o mandato com dignidade.
Infelizmente, tal não é possível. O sequestro do Presidente da República é um acontecimento
grave e põe em causa o regular funcionamento das instituições democráticas.
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