segunda-feira, 24 de junho de 2013

Portugal: OS ERROS NAS ESTIMATIVAS E A OBSESSÃO DAS METAS




Alexandre Homem Cristo – Jornal i, opinião

O cumprimento das metas nominais tornou-se uma obsessão - para o governo, para a oposição, para a troika, para os mercados financeiros

A publicação de um relatório sobre a situação do país, nos últimos meses, leva-nos sucessivamente à mesma questão: os valores que nele constam estão alinhados com as estimativas do governo? A pergunta é pertinente, mas está longe de ser a mais relevante. O problema é que, na prática, essa é a questão que monopoliza o debate político, pois o escrutínio político reduziu-se à comparação entre os resultados e as estimativas do ministro Vítor Gaspar. É fácil perceber por que razão a oposição tanto aprecia o exercício. Gaspar já errou previsões macroeconómicas. Já falhou metas da execução orçamental. Já sobrestimou receitas fiscais e já subestimou a evolução dos níveis de desemprego. Digamo-lo sem rodeios: o ministro das Finanças poucas vezes acertou. Mas o que significa isso, realmente?

A oposição acha que os erros do ministro se explicam com o facto de Gaspar viver aprisionado em ficheiros Excel - coisa que, sendo mais ou menos verdade, não explica o essencial. No actual contexto económico europeu, e em particular nos países sob assistência financeira, fazer estimativas é uma actividade de risco. Num espaço de meses, às vezes semanas, tudo se altera. Ratings, desemprego, crescimento ou recessão, exportações, receitas fiscais, despesas sociais e chumbos do Tribunal Constitucional, tudo conta. E só não se engana quem deixa os prognósticos para o fim. É claro que isto não explica tudo, nem iliba politicamente Vítor Gaspar. Mas, pelo menos, ajuda-nos a perceber - o que não é pouco.

Contudo, nem todos os erros nas estimativas são compreensíveis. A distinção é importante. A oposição, que é implacável com Gaspar e não lhe perdoa uma décima fora do sítio, é composta pelos mesmos que, há anos, poluem a política nacional com estimativas erradas e previsões irrealistas. Não esqueçamos que foi o PS que, no governo, cavou o buraco onde nos encontramos e, através de um endividamento galopante, construiu estradas, aeroportos, pontes e escolas afirmando, na altura, serem muito necessários. Só que, afinal, não eram. Esta orgia de PPP, sustentada em estimativas de utilização absurdas, teve o resultado que todos sabemos. Hoje, as estradas não têm carros, os aeroportos não têm passageiros e as escolas não têm alunos, embora continuem a custar milhares de milhões de euros aos portugueses. Ora, que não se façam confusões: os erros de Gaspar não têm a mesma natureza, nem representam os mesmos custos para o país.

Tendo em mente o ponto acima, é impossível deixar de constatar que o cumprimento das metas nominais se tornou uma obsessão - para o governo, para a oposição, para a troika, para os mercados financeiros. O sucesso (ou o insucesso) das políticas mede-se exclusivamente pelo atingir dessas metas, de tal modo que os governos (todos eles) estão dispostos a quase tudo para as alcançar - por vezes, mesmo a sacrificar o mais importante, que são as metas estruturais. Julgo que, nesta fase, já ninguém terá dúvidas: apesar das metas nominais, sem objectivos estruturais (reformar o Estado e a Economia), o esforço actual não impedirá um novo resgate no futuro.

Passam agora dois anos deste governo e um pouco mais do programa de ajustamento. Nesse período, conseguiu-se ser o "bom aluno" (metas nominais), mas ainda falta preparar o futuro (metas estruturais). Que seja esta, agora, a prioridade. Supere-se a obsessão das metas nominais e reforme-se o Estado. Enquanto há tempo.

Investigador - Escreve à segunda-feira

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