Alexandre Homem
Cristo – Jornal i, opinião
O cumprimento das
metas nominais tornou-se uma obsessão - para o governo, para a oposição, para a
troika, para os mercados financeiros
A publicação de um
relatório sobre a situação do país, nos últimos meses, leva-nos sucessivamente
à mesma questão: os valores que nele constam estão alinhados com as estimativas
do governo? A pergunta é pertinente, mas está longe de ser a mais relevante. O
problema é que, na prática, essa é a questão que monopoliza o debate político,
pois o escrutínio político reduziu-se à comparação entre os resultados e as
estimativas do ministro Vítor Gaspar. É fácil perceber por que razão a oposição
tanto aprecia o exercício. Gaspar já errou previsões macroeconómicas. Já falhou
metas da execução orçamental. Já sobrestimou receitas fiscais e já subestimou a
evolução dos níveis de desemprego. Digamo-lo sem rodeios: o ministro das
Finanças poucas vezes acertou. Mas o que significa isso, realmente?
A oposição acha que
os erros do ministro se explicam com o facto de Gaspar viver aprisionado em
ficheiros Excel - coisa que, sendo mais ou menos verdade, não explica o
essencial. No actual contexto económico europeu, e em particular nos países sob
assistência financeira, fazer estimativas é uma actividade de risco. Num espaço
de meses, às vezes semanas, tudo se altera. Ratings, desemprego, crescimento ou
recessão, exportações, receitas fiscais, despesas sociais e chumbos do Tribunal
Constitucional, tudo conta. E só não se engana quem deixa os prognósticos para
o fim. É claro que isto não explica tudo, nem iliba politicamente Vítor Gaspar.
Mas, pelo menos, ajuda-nos a perceber - o que não é pouco.
Contudo, nem todos
os erros nas estimativas são compreensíveis. A distinção é importante. A
oposição, que é implacável com Gaspar e não lhe perdoa uma décima fora do
sítio, é composta pelos mesmos que, há anos, poluem a política nacional com
estimativas erradas e previsões irrealistas. Não esqueçamos que foi o PS que,
no governo, cavou o buraco onde nos encontramos e, através de um endividamento
galopante, construiu estradas, aeroportos, pontes e escolas afirmando, na
altura, serem muito necessários. Só que, afinal, não eram. Esta orgia de PPP,
sustentada em estimativas de utilização absurdas, teve o resultado que todos
sabemos. Hoje, as estradas não têm carros, os aeroportos não têm passageiros e
as escolas não têm alunos, embora continuem a custar milhares de milhões de
euros aos portugueses. Ora, que não se façam confusões: os erros de Gaspar não
têm a mesma natureza, nem representam os mesmos custos para o país.
Tendo em mente o
ponto acima, é impossível deixar de constatar que o cumprimento das metas
nominais se tornou uma obsessão - para o governo, para a oposição, para a
troika, para os mercados financeiros. O sucesso (ou o insucesso) das políticas
mede-se exclusivamente pelo atingir dessas metas, de tal modo que os governos
(todos eles) estão dispostos a quase tudo para as alcançar - por vezes, mesmo a
sacrificar o mais importante, que são as metas estruturais. Julgo que, nesta
fase, já ninguém terá dúvidas: apesar das metas nominais, sem objectivos
estruturais (reformar o Estado e a Economia), o esforço actual não impedirá um
novo resgate no futuro.
Passam agora dois
anos deste governo e um pouco mais do programa de ajustamento. Nesse período,
conseguiu-se ser o "bom aluno" (metas nominais), mas ainda falta
preparar o futuro (metas estruturais). Que seja esta, agora, a prioridade.
Supere-se a obsessão das metas nominais e reforme-se o Estado. Enquanto há
tempo.
Investigador - Escreve
à segunda-feira
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