Raphael Tsavkko
Garcia – Diário Liberdade
A Turquia não é uma
ditadura, mas está longe de ser uma democracia
É difícil
compreender como a demolição de um parque no centro de Istambul para a
construção de um shopping tenha sido capaz de despertar um movimento de massas
como temos visto hoje na Turquia.
Milhares - ou mesmo
milhões - de jovens saindo às ruas não apenas em Istambul, mas em diversas
outras cidades e, no processo, sendo vítimas de imensa repressão policial, com
ajuda de gás de pimenta, balas de borracha, canhões de água e todo o aparato
policial possível.
Muitos saíram
feridos, outros foram mortos, atropelados por caminhões militares, por carros
de polícia.
Na verdade, a
questão é maior, muito maior que apenas um parque, o Parque Gezi, e a
construção de um shopping. A insatisfação da juventude com o AKP (Partido da
Justiça e Desenvolvimento) do primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan é o
ingrediente principal para a revolta.
Erdogan comanda um
partido islâmico, ainda que moderado, mas que tem imposto medidas de controle
social que tem desagradado a população urbana e educada, feitas sob medida para
agradar o eleitorado sunita conservador turco.
Uma dessas medidas
que têm causado revolta foi a restrição na venda e consumo de bebidas
alcoólicas, através de uma lei que passou pelo Congresso sem maiores discussões
com a sociedade. Aliás, a falta de discussão com a sociedade de medidas
governamentais diversas é uma das grandes razões pra a insatisfação dos jovens
com o governo.
Majoritariamente
laicos, educados e cosmopolitas, não conseguem compreender ou mesmo aceitar a
imposição de medidas conservadoras que os afetam direta ou indiretamente.
Grandes alterações
arquitetônicas e urbanísticas em Istambul, como a demolição de um cinema
histórico ou a construção de mais uma ponte sobre o Bósforo, cujo nome é o de
um sultão Otomano da Idade Média conhecido por perseguir a minoria religiosa
dos Alevitas (que formam quase 10% da população turca), tem causado enorme
descontentamento junto à população. A destruição do Parque Gezi foi apenas o
estopim.
No primeiro de
maio, milhares de estudantes e trabalhadores foram violentamente reprimidos
pela polícia enquanto realizavam os tradicionais protestos do Dia do Trabalho,
deixando clara a incapacidade do governo de dialogar com a população e de
preferir o uso da força e a repressão acima de tudo.
É preciso ainda
lembrar que a Turquia vive um eterno clima de terror e negação, com a repressão
aos Curdos que habitam majoritariamente o leste do país e são diariamente
reprimidos - em um momento de trégua com o PKK (o Partido dos Trabalhadores
Curdos), que dura cerca de 5 meses, mas é envolta em tensão -, com a negação
aos direitos religiosos de minorias não-sunitas, como os Alevitas, e a negação
do genocídio armênio (começo do século XX) que, junto, traz a proibição sequer
da discussão aberta sobre o tema, levando jornalistas e acadêmicos à prisão
caso tentem negar a versão oficial do Estado Turco.
A Turquia não é uma
ditadura, mas está longe de ser uma democracia.
Se configura como
um Estado policial, que sofre constantes intervenções militares (golpes de
Estado são uma constante na história turca), em perpétuo estado de alerta pelo
seu conflito com os Curdos e em um processo lento, mas constante, de islamização,
o que desagrada a importantes parcelas da população - mesmo sunitas laicos.
Ainda é preciso
lembrar que a Turquia é vizinha da Síria, que encontra-se no momento em franca
guerra civil e há o temor do conflito "respingar", como já aconteceu
no atentado à cidade fronteiriça de Reyhanli, em meados de maio. O medo do
governo é de que a minoria curda local possa se aliar aos curdos sírios, que
controlam diversas cidades fronteiriças, e mesmo que radicais sunitas possam
usar a Turquia como base e espalhar o conflito.
Este temor
dificulta o espaço de diálogo com o governo, já complicado, criando um estado
constante de alerta e temor. E de suspeição. O conflito sírio, além do eterno
conflito curdo, serve como desculpa para a negativa do governo em negociar, e
para a escalada repressiva.
As ruas em diversas
cidades turcas ficaram cobertas de sangue e gás enquanto milhares protestavam.
Alguns falam em uma Primavera Turca, o que é irônico, considerando que Erdogan
foi um dos líderes do Oriente Médio a defender a queda de Hosni Mubarak, no
Egito, durante a Primavera Árabe.
Os protestos
crescem, ao passo que a repressão policial acompanha este crescimento. Até
quando os manifestantes e o governo irão aguentar esta queda de braço desigual?
1 comentário:
Legal seu post, deem também uma olhada no nosso post informal sobre a guerra no Oriente Médio http://nerdwiki.com/2013/11/21/saiu-ar-perdeu-o-lugar-arabes-vs-judeus/
Obrigado.
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