Fernanda Câncio –
Diário de Notícias, opinião - ontem
Angola é assunto
que por cá se trata com pinças. Não foi sempre assim; lembre-se, por exemplo, a
crítica reportagem Meninos de Angola, de Cândida Pinto, em 1996, na SIC. Seria
interessante perceber a partir de que momento se verificou tanta cautela -
para, provavelmente, concluir que coincide com o adensar dos interesses
económicos "bilaterais" e com os investimentos de empresas angolanas
em Portugal, nos media em particular.
Portugal não está
só nesse silêncio. Há um ano, por ocasião das legislativas angolanas, o jornal
britânico The Guardian titulava um artigo "José Eduardo dos Santos, o
autocrata menos conhecido de África", frisando manter-se no poder há 33
anos (agora 34) e que, filho de um pedreiro, toda a vida quadro de um partido
de génese comunista, acumula na sua família imediata - os filhos, com relevo
para a mais velha, Isabel, de 40 anos, considerada a mulher mais rica de África
- uma imensa fortuna. No mesmo artigo, assinala-se que as entrevistas com o
Presidente angolano são raríssimas e que ele, ao contrário de outros autocratas
africanos, como Mobutu, cultiva a discrição.
Uma dessas
raridades foi concedida à SIC, há duas semanas. Primeira surpresa: o jornalista
escolhido foi o correspondente da estação em Israel. A segunda foi mesmo a
entrevista. Como repórter no Médio Oriente, Henrique Cymerman, embora
cerimonioso, nunca surgiu timorato. Perante dos Santos e afirmações como "Angola
é uma democracia de carácter social"; "estamos a trabalhar para
erradicar a pobreza, a nossa maior preocupação é o fosso entre ricos e pobres
mas temos a herança que vem do tempo colonial", ou "a corrupção é um
problema em todos os países mas temos agido para que as pessoas não se
apropriem do que não é delas", coibiu-se de contrapor o óbvio: apesar da
sua abundância de recursos, e de ter sido descolonizada há 38 anos, Angola está
na cauda do índice de desenvolvimento humano; a família do Presidente apresenta
um nível de riqueza e de proeminência nos negócios dificilmente explicável por
outro fator que não a sua proximidade ao poder. O desplante é tal que um dos
filhos faz parte da direção do fundo soberano de Angola, criado, com uma
dotação inicial de cinco mil milhões de euros, por ordem presidencial em 2012;
a outra foi atribuída a gestão de um dos canais da TV pública.
Das duas, uma: ou
Cymerman veio do espaço no dia da entrevista (Israel não é assim tão longe) ou
foi condicionado nas perguntas. Como desmentiu a segunda hipótese, só se pode
concluir pela primeira. Mas o mesmo terá de ser verdade para a maioria dos
comentadores, exceção e honra feitas a Daniel Oliveira e restantes membros do
Eixo do Mal. Num país em que se faz manchete de chamar palhaço ao Presidente, é
curioso constatar que o de outro país suscita tanta mais reverência. Não sendo
pelo respeito ao cargo ou pela dignidade de ter sido para ele eleito (até
porque nunca foi), só pode ser por outra coisa qualquer.
1 comentário:
Já fiz vários comentários a respeito das escritas da jornaleca Fernanda Câncio e não vou dizer mais nada mas apenas recordar os provérbios portugueses
Vozes de burro não chegam ao céu.
Os cães ladram mas a caravana passa.
Há tanto que escrever sobre portugueses que enriqueceram sem se saber como e porque não se ocupam disso os jornalistas ...
Mário Carmo
Enviar um comentário