domingo, 9 de junho de 2013

SUBCULTURA DELINQUENTE EM CABO VERDE

 

 
José Ricardo Livramento - Expresso das Ilhas (cv), opinião
 
Nos últimos anos os Cabo-Verdianos viram-se confrontados com níveis de criminalidade preocupantes. Antes conhecida pela sua “morabeza” e paz social, hoje temos índices de criminalidade bastante elevados na nossa sociedade. Os números apresentados pela Polícia Nacional demonstram um aumento significativo de crimes de ano para ano. Segundo as ocorrências policiais, o crime contra as pessoas aumentou entre 2010 e 2011 de 10.571 casos para 11.741 casos, e entre 2011 e 2012 aumentou de 11.741 para 12.156 casos registados.

Ou seja um aumento de 11,1% entre 2010 e 2011 e de 12,1% entre 2011 e 2012. Quanto aos crimes contra a propriedade também houve um aumento significativo entre 2010 e 2012, aumentando de 10.411 casos em 2010 para 11.288 em 2012.

Ao contrário do que se pensa os crimes tendem a acontecer de dia quando as pessoas estão fora das suas casas. Tanto os crimes contra as pessoas como contra as propriedades tendem a acontecer da parte de manha e à tarde. Partimos da ideia de que para haver crime tem de haver 3 elementos fundamentais: a vítima, o criminoso e a oportunidade.
 
Em Cabo Verde o chamado “Caço Body” é o tipo de crime mais frequente. Este tipo de crime é normalmente cometido por jovens, que têm uma coisa em comum, a exclusão social. A exclusão social é realidade em Cabo Verde, temos cada vez mais um fosso entre pessoas menos favorecidas e pessoas mais abastadas financeiramente.
 
Lembro-me em criança da minha mãe dizer que em Cabo Verde não há rico nem pobre, mas hoje já é um fenómeno que se observa a olho nu. Na minha opinião em Cabo Verde já podemos falar em subculturas delinquentes (muito estudada pela escola de Chicago). Se não apostarmos na prevenção, em 10 ou 15 anos poderemos ter casos graves de subculturas delinquentes. Podemos definir subcultura como uma “cultura dentro da cultura” (segundo Cohen). Do ponto de vista sociológico a cultura é vista como um conjunto de critérios de valor capazes de orientar eficazmente a ação social. Subcultura implica a existência de padrões normativos opostos (ou divergentes) dos que presidem à cultura dominante. Clifford shaw e Henry McKay, são autores que se destacaram na escola de Chicago pelo estudo dos Gangs ou como apelidamos em Cabo Verde de “grupos thug”.
 
Segundo eles 80% de todos os casos de delinquência juvenil estudados tinham sido cometidos por jovens que integravam gangs. Esses jovens procuram esses grupos para, na maioria das vezes conseguirem afirmarse, já que não conseguem fazer isso cumprindo as normas da sociedade. O gang ou “grupo thug “ passa a ser a família do jovem. Na nova família vai receber novos valores, onde a delinquência está no centro.
 
Esses novos valores formam a subcultura delinquente, e o mais preocupante é que em Cabo Verde já há casos de crianças que já nascem nesses grupos, por isso poderemos ter em alguns anos uma situação de subcultura bem mais grave que a atual, pois essas crianças que hoje estão abandonadas nas ruas a conviverem entre si, e sem qualquer fiscalização dos pais, somente quando crescerem eles reconhecerão apenas os valores do seu “grupo thug”.
 
Na maioria dos casos em Cabo Verde o delinquente apresenta remorsos pelos seus atos e sabe que o que faz é errado, mesmo praticando crimes sente alguma empatia com a vítima, se não apostarmos na prevenção nem isso teremos no futuro.
 
As políticas de combate a esse tipo de criminalidade devem passar pela prevenção, apostar no reforço dos valores sociais, apostar na igualdade social, promover a igualdade de oportunidade, chamar os principais atores sociais para reforçar os seus papeis, refirome às escolas, igrejas, associações comunitárias, famílias, etc. Também a polícia tem de ter outro papel, é urgente criar uma polícia comunitária, que teria como principal característica a proximidade, mas não basta enviar os agentes policiais para as comunidades, têm de ter formação adequada na área social. Com a polícia de proximidade/comunitária, as populações passariam a confiar mais nas autoridades, facilitando a obtenção de informações quando necessário, por outro lado os polícias teriam maior conhecimento da realidade social da zona onde atuam, teriam melhores ferramentas para mediar conflitos e intervir quando solicitados.
 
Anteriormente não foram adotadas as melhores políticas para combater o fenómeno de “crianças na rua” ou “crianças de rua”, hoje pagamos caro por isso. Mas podemos mudar a próxima geração de crianças que neste momento têm essa lacuna de valores, valores que em vez de serem passados pelas famílias, escolas ou outros atores sociais, estão a ser passados pelos grupos delinquentes.
 
É uma situação facilmente observável, é só ver o número de crianças nos bairros das cidades que ficam sozinhas nas ruas de manha à noite. Alguma coisa tem de ser feita a nível de intervenção social ou corremos o risco de quando forem adultas não se identificarem com a nossa cultura, mas sim com uma subcultura ou ainda mais
grave com uma “contracultura”.
 

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