Mino Carta – Carta Capital
A Itália volta à
primeira divisão da UE. Com as devidas reservas, está claro. Mesmo assim...
As autoridades da
UE acabam de readmitir a Itália na primeira divisão das nações europeias.
Motivo: o rebaixado retorna porque conseguiu reduzir de forma aceitável o
déficit público que até hoje justificava a penalização. Advertem quanto a
recaídas, solicitam reformas urgentes tanto políticas quanto econômicas, mas
parecem inclinar-se a contestar, ao menos em parte, a linha da austeridade em
voga desde a eclosão da crise financeira mundial. Talvez estejam dispostos a
irritar a senhora Merkel.
Se assim for,
poderia ser este o primeiro passo concreto de uma mudança significativa, em
detrimento das políticas neoliberais que desencadearam a crise para favorecer
as oligarquias financeiras, hoje habilitadas a impor ao mundo as suas vontades
e aprofundar o desequilíbrio entre ricos e pobres. Tudo muito estranho, muito
esquisito: a evidência é solar, mas os senhores da Terra fingem-se de cegos.
Às vezes me entrego
ao seguinte, prepotente pensamento: as máfias são, a seu modo, mais honestas,
ou menos hipócritas, do que, imaginem, os derradeiros traidores de Adam Smith,
aquele pensador inglês capaz de codificar o capitalismo. Traíram ao inverter o
rumo e aplicar a fórmula virtual pela qual, em lugar de ganhar dinheiro pelos
caminhos usuais da produção e do comércio, fabrica-se o próprio. Florins,
dracmas, sestércios, libras, coroas, o que for. A moeda corrente.
A Itália é
excelente exemplo das vítimas da tragédia gerada pelo neoliberalismo, a contar
com a contribuição decisiva de duas damas de ferro, a primeira inglesa, a
segunda alemã. Não é que os machos não se tenham adequado prontamente ao jogo.
Inclusive no Brasil, onde o cavaleiro do neoliberalismo atende pelo nome de
Fernando Henrique Cardoso, aquele que, sem ser de ferro, caía prazerosamente
nos braços de Bill Clinton.
A Itália padeceu
algo diferente, no entanto, igualmente daninho: Silvio Berlusconi.
Equidistante, ele caía nos braços de Bush e de Putin, enquanto, diretamente do
palácio do governo, cuidava dos seus exclusivos interesses, facilitada a tarefa
pelas brigas intestinas que anos adentro dilaceram a esquerda italiana, outrora
determinante na transformação do país em democracia autêntica e potência
econômica.
Desta complexa e
dolorosa situação de marca berlusconiana, a Itália saiu brutalmente empobrecida,
entregue à desesperança popular e à lassidão moral das chamadas lideranças
políticas. Da intervenção, eu diria paternal, do presidente da República,
Giorgio Napolitano, nasceu uma peculiar aliança entre esquerda e direita
reacionária para formar um governo de emergência. Consequência de uma rodada
eleitoral da qual surgiram três forças distintas e de poderio idêntico. Uma
delas, infensa a qualquer entendimento, o Movimento 5Stelle, social-populista,
comandado pelo cômico Beppe Grillo.
Três meses depois
do pleito político, enquanto o governo define propósitos em meio a pendengas
internas, realizam-se eleições administrativas em 563 municípios. Encolhe o
comparecimento às urnas, prova válida de desânimo. Os resultados, contudo,
revelam uma espécie de arrependimento em relação às escolhas de três meses
antes. Grillo fracassa, a direita recua sensivelmente, a esquerda avança (leiam
a coluna de Wálter Fanganiello). O premier Letta, do Partido Democrático,
anuncia reformas com o aparente otimismo de prever no mínimo 18 meses de vida
para seu governo, embora seja difícil o acordo entre os insólitos parceiros em
torno, em primeiro lugar, de uma nova eleitoral e da reforma da Justiça. Certo
é que esta Itália em grande dificuldade, em certos momentos à beira de uma
convulsão social, tornou-se um laboratório político cuja atividade vale a pena
observar com atenção.
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