Alfredo Leite –
Jornal de Notícias, opinião
Por muito que o
proclame no Parlamento - e a TSF o explore para autopromoção -, Pedro Passos
Coelho pode namorar apenas com a mulher, mas é com Paulo Portas que tem o mais
truculento dos arrufos. Relevando a importância política dos intervenientes, o
caso daria excelente mote para o enredo imaginado por qualquer guionista de
telenovela mexicana. De terceira categoria, tal é o nível da atual política
nacional.
A cena dos
capítulos anteriores resume-se rápido: Vítor Gaspar abandonou o Governo e
divulgou uma carta que arrasa o primeiro-ministro, pondo a nu as políticas
seguidas até agora. Portas, que nunca morreu de amores pelo ministro das
Finanças, viu na sua saída uma hipótese de inverter o caminho de austeridade
seguido com punho de ferro pelo implacável Gaspar. Só que Passos Coelho traiu o
parceiro de coligação e nomeou Maria Luís Albuquerque, ex-ajudante do
todo-poderoso Gaspar para o lugar deixado vago pelo professor. E, dessa forma,
tentou perpetuar a política austera que o populista Portas tantas vezes engoliu
em seco. Com uma mulher desavinda pelo meio, Portas demitiu--se. Posição
"irrevogável", disse-o em comunicado violento, tão típico das relações
complexas. "Irrevogável" pelo menos até anteontem, altura em que, com
surpreendente cara de virgem ofendida, o primeiro-ministro apareceu solene na
TV, dizendo que não aceitava a saída de Portas e que se ausentava para Berlim
em defesa dos magnos interesses do país.
Enquanto Passos e
Portas se digladiavam, ora com balas ora com flores, atirando para o outro a
responsabilidade da crise, bastava ler a carta de demissão de Vítor Gaspar para
perceber que a agonia durava há muito e que o desmoronamento do país político
não acontecia por acaso. Entretanto, o país económico somava prejuízos: a Bolsa
nacional registou as mais fortes perdas desde abril de 2010, os juros da dívida
pública regressaram aos perigosos valores do final do ano passado, a Moody's
vaticinou dificuldades no regresso aos mercados e vários especialistas já falam
da inevitabilidade de um segundo resgate. Mas foi esta desunião de facto de
Pedro e Paulo que nos trouxe até aqui? Naturalmente que não.
Ambos protagonizam
há muito um casamento de conveniência sem amor e, sobretudo, sem perspetivas de
futuro. Se pudesse ser televisionada, a tentativa de reconciliação que se
realizou ontem à noite (Paulo e Portas reuniam para evitar a rutura da
coligação e, consequentemente, a queda do Executivo) daria uma cena
inesquecível de amor e traição, daquelas rodadas em Acapulco. É que, por muito
que tentem a reanimação, este é um Governo morto. Internamente ninguém acredita
nesta trupe de trapezistas e contorcionistas que nos entedia em degradantes
espetáculos. Externamente, perdemos capacidade política para negociar o que
quer que seja. Todos sabíamos que chegaríamos aqui. Nem todos imaginavam era
que fosse tão depressa. É por isso que, à falta do guionista mexicano, é
imperiosa a intervenção do presidente da República. Até porque se Cavaco Silva
dizia há tempos que não podemos juntar uma crise política a uma crise económica
tem agora todos os condimentos para finalizar esta novela.
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