quinta-feira, 4 de julho de 2013

BEM-VINDOS AO CIRCO PORTUGAL




Alfredo Leite – Jornal de Notícias, opinião

Por muito que o proclame no Parlamento - e a TSF o explore para autopromoção -, Pedro Passos Coelho pode namorar apenas com a mulher, mas é com Paulo Portas que tem o mais truculento dos arrufos. Relevando a importância política dos intervenientes, o caso daria excelente mote para o enredo imaginado por qualquer guionista de telenovela mexicana. De terceira categoria, tal é o nível da atual política nacional.

A cena dos capítulos anteriores resume-se rápido: Vítor Gaspar abandonou o Governo e divulgou uma carta que arrasa o primeiro-ministro, pondo a nu as políticas seguidas até agora. Portas, que nunca morreu de amores pelo ministro das Finanças, viu na sua saída uma hipótese de inverter o caminho de austeridade seguido com punho de ferro pelo implacável Gaspar. Só que Passos Coelho traiu o parceiro de coligação e nomeou Maria Luís Albuquerque, ex-ajudante do todo-poderoso Gaspar para o lugar deixado vago pelo professor. E, dessa forma, tentou perpetuar a política austera que o populista Portas tantas vezes engoliu em seco. Com uma mulher desavinda pelo meio, Portas demitiu--se. Posição "irrevogável", disse-o em comunicado violento, tão típico das relações complexas. "Irrevogável" pelo menos até anteontem, altura em que, com surpreendente cara de virgem ofendida, o primeiro-ministro apareceu solene na TV, dizendo que não aceitava a saída de Portas e que se ausentava para Berlim em defesa dos magnos interesses do país.

Enquanto Passos e Portas se digladiavam, ora com balas ora com flores, atirando para o outro a responsabilidade da crise, bastava ler a carta de demissão de Vítor Gaspar para perceber que a agonia durava há muito e que o desmoronamento do país político não acontecia por acaso. Entretanto, o país económico somava prejuízos: a Bolsa nacional registou as mais fortes perdas desde abril de 2010, os juros da dívida pública regressaram aos perigosos valores do final do ano passado, a Moody's vaticinou dificuldades no regresso aos mercados e vários especialistas já falam da inevitabilidade de um segundo resgate. Mas foi esta desunião de facto de Pedro e Paulo que nos trouxe até aqui? Naturalmente que não.

Ambos protagonizam há muito um casamento de conveniência sem amor e, sobretudo, sem perspetivas de futuro. Se pudesse ser televisionada, a tentativa de reconciliação que se realizou ontem à noite (Paulo e Portas reuniam para evitar a rutura da coligação e, consequentemente, a queda do Executivo) daria uma cena inesquecível de amor e traição, daquelas rodadas em Acapulco. É que, por muito que tentem a reanimação, este é um Governo morto. Internamente ninguém acredita nesta trupe de trapezistas e contorcionistas que nos entedia em degradantes espetáculos. Externamente, perdemos capacidade política para negociar o que quer que seja. Todos sabíamos que chegaríamos aqui. Nem todos imaginavam era que fosse tão depressa. É por isso que, à falta do guionista mexicano, é imperiosa a intervenção do presidente da República. Até porque se Cavaco Silva dizia há tempos que não podemos juntar uma crise política a uma crise económica tem agora todos os condimentos para finalizar esta novela.

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