Martinho Júnior,
Luanda
1 – Há dez anos,
mais precisamente a 15 de Março de 2001, ainda não escrevia para um blog na
Internet, escrevia para um “pasquim”, (há quem goste de chamar assim aos
jornais privados de fim-de-semana publicados em Luanda), o desaparecido
semanário ACTUAL, e abordei o assunto das escutas globais às comunicações
alertando para “O dealbar da IIª Guerra Fria”…
O que escrevi então
ainda está efectivamente actual e pode comprovar-se pelas revelações do
Wikileaks e agora de Edward Snowden…
Republicarei agora essas
minhas intervenções para o Página Global, lembrando uma época em que se
aprimorava o Echelon (uma das bases e suportes da espionagem do National
Security Agency) e numa altura em que na ONU, ao apresentar-se a candidatura de
Angola a membro não permanente do Conselho de Segurança, a espionagem pôde
avaliar antecipadamente as intenções de voto e qual seriam os propósitos de
Angola.
Tratar deles é uma
prova de cidadania consciente e vital!
2 – Quando se
abordava esse tema, aparecia sempre alguém que, como sacerdote do templo
avisava: “mais uma teoria da conspiração”!
Esquecia-se que
pelo menos da minha parte procurei sempre fundamentar os meus escritos que por
vezes têm mais valor no que busco e incansavelmente junto, do que na própria
produção!
É justo que
relembre e dê a conhecer, pela actualidade das preocupações de todos nós os que
fazemos parte daqueles 99% da humanidade que se inscrevem na lógica com sentido
da vida, pelo facto de sublinhar que as esquerdas dispersas depois do final da
Guerra Fria, mas relativamente actuantes, por vezes adormecem e deixam
determinados temas como este para trás, quando eles deveriam estar sempre
presentes em cima da mesa: fazem parte do diagnóstico quotidiano da lógica
capitalista, do império e da sua hegemonia fascizante!
3 – Os países
latino americanos, pela sua afirmação (e também em alguns casos manifestos pela
sua renúncia a este tipo de abordagens), têm sido dos poucos a manter uma
constante atenção sobre a espionagem norte americana ao longo dos tempos, pois
sabem, melhor que ninguém, o que essa espionagem significa na história comum e
nas histórias de cada um deles: da Colômbia, do Chile, do Peru, das Honduras,
do Paraguai, do Brasil, da Venezuela, da Argentina, da Nicarágua,… de Cuba!
A espionagem norte
americana nos termos em que ela se exerce, é para eles, ciosos de integração e
soberania dos seus povos, parte duma vasta operação de ingerência que sem
interrupção deu seguimento à Operação Condor!
O mérito de Evo
Morales face ao acto de pirataria e sequestro instrumentalizado contra si,
merece pois todo o nosso imenso respeito, por que é a dignidade dos povos que
foi balanceada uma vez mais e ele honrou os 99% da humanidade, honrando a longa
história de resistência à lógica capitalista na América e no Mundo.
A oferta de asilo a
Edward Snowden por parte de alguns dos integrantes da ALBA, Bolívia incluída,
dá seguimento ao seu argumento e responde em nome dos povos da América Latina e
de todo o mundo à hegemonia!
4 – Na Europa
esqueceram-se deliberadamente os ensinamentos da Operação Gladio não só por que
seus governos passaram a ser os representantes do capital, mergulhando nas suas
elites e oprimindo os povos, mas também por que o caminho de suas “democracias
representativas” de fachada (a Europa Mediterrânea vai-se transformando cada
vez mais num conjunto de colónias do capital financeiro), determinam que os
agentes da hegemonia sejam instalados, polvilhando as suas instituições…
tirando partido das hibernações “stay behind”!
Isso acontece na
política, na banca e na comunicação de massas, sectores que, por exemplo
definem o campo de manobra do Bilderberg (e em Portugal as conotações de Francisco
Pinto Balsemão, representante do Bilderberg)!
A “indignação” dos
seus dirigentes é muito mais aparente do que real, pois em território da União
Europeia estão de há muito implantadas, por exemplo, as antenas do Echelon!...
A espionagem
UKUSA-ECHELON-NSA está implantada na Europa de há longas décadas e isso explica
uma das razões do modelo da própria presença do Reino Unido na União Europeia,
que nos seus termos tem o privilégio de ser um caso único, com um pacote de
originalidades e excepções de vária ordem, inclusive nas comunicações…
5 – Angola fez
constar que apresentará, dez anos depois, nova candidatura a membro não
permanente do Conselho de Segurança da ONU!
A espionagem norte
americana continuará a sua saga, agora de forma mais sofisticada que antes,
defendendo os interesses da aristocracia financeira mundial, dos 1% que dominam
as corporações multi nacionais, os bancos, as moedas “fortes” que servem de
padrão global…
Uma parte das
elites angolanas estão já subservientes desses 1%, mas isso não impedirá que a
saga continue:
Como todas as
outras delegações na ONU, a de Angola merecerá a sua atenção por parte da NSA!
Para cada um será a
sua dose, em resultado dos interesses que dão lucro, por que foi assim que foi
construído o império e é assim que ele cultiva a sua hegemonia unipolar!
6 – A independência
de Angola contudo, provavelmente tanto quanto a heroicidade do movimento de
libertação em África, deve-se a uma conjugação única de factores que resultaram
num momento democrático como poucos nos Estados Unidos da América: naquela
altura a sociedade norte americana erguia-se contra a guerra do Vietname e
condicionou o poder, um poder que tinha em personalidades como Henry Kissinger
(um assíduo do Bilderberg e da Trilateral) a sua mão opressiva forte e sempre
pronta para as tensões, para os golpes de estado sangrentos, para as ditaduras
e para as guerras!
Henry Kissinger
viria a perder por causa dessa condicionante que na altura assumiu aspectos
globais, a sua guerra contra Angola a 11 de Novembro de 1975!
A esquadra norte
americana, que teria o porta-aviões USS Independence como navio-almirante num
desembarque que não pôde acontecer em reforço da testa-de-ponte da CIA, com o
operacional John Stockwell à cabeça (ele chegou pelo menos até ao Ambriz), não
teve viabilidade…
Nos anos setenta do
século passado (e lembro-o para que em Angola também não se esqueça), foram
publicados os “Pentagon Papers”, que constituíram uma pequena bíblia das
denúncias contra a guerra do Vietname.
Muito recentemente
o “site” do “Democracy Now” lembrou-os como um antecedente, algo precioso a
favor do heroísmo de Edward Snowden:
“Forty-one years
ago, Beacon Press lost a Supreme Court case brought against it by the U.S.
government for publishing the first full edition of the Pentagon Papers. It is
now well known how The New York Times first published excerpts of the
top-secret documents in June 1971, but less well known is how the Beacon Press,
a small nonprofit publisher affiliated with the Unitarian Universalist
Association, came to publish the complete 7,000 pages that exposed the true
history of U.S. involvement in Vietnam.
Their publication
led the Beacon press into a spiral of two-and-a-half years of harassment,
intimidation, near bankruptcy and the possibility of criminal prosecution. This
is a story that has rarely been told in its entirety.
In 2007, Amy
Goodman moderated an event at the Unitarian Universalist conference in
Portland, Oregon, commemorating the publication of the Pentagon Papers and its
relevance today.
Today, we hear the
story from three men at the center of the storm: former Pentagon and RAND
Corporation analyst, famed whistleblower, Daniel Ellsberg, who leaked the
Pentagon Papers to The New York Times; former Alaskan senator and presidential
candidate Mike Gravel, who tells the dramatic story of how he entered the
Pentagon Papers into the congressional record and got them to the Beacon Press;
finally, Robert West, the former president of the Unitarian Universalist
Association.
We begin with
Ellsberg, who Henry Kissinger once described as the world’s most dangerous
man."
A coragem daqueles
que tornaram possível o movimento de libertação em África, o levantamento do
povo dos Estados Unidos contra a guerra, a coragem do povo do Vietname, a
posição de princípio assumida pelo então bloco socialista, o internacionalismo
resoluto da Revolução Cubana e homens de consciência que enfrentaram o monstro
desde as suas entranhas, naquele momento tornaram possível o sonho da liberdade
face ao colonialismo e ao “apartheid”!
Foi assim a 11 de
Novembro de 1975, confesso que o vivi e continuo ainda assim a vivê-lo como
patriota e cidadão do mundo, na lógica com sentido de vida, por que a vontade
de construir a paz passa por aqui!
Algo de novo e com
implicações geopolíticas incomensuráveis, está a nascer na consciência dos
povos, em função das sucessivas revelações que serviço de inteligência algum
poderá suster!
Gravura: As “colecções” do
PRISM segundo Edward Snowden.
A consultar:
. A saga americana
– parte 2 – http://paginaglobal.blogspot.com/2013/07/a-saga-americana-parte-2-snowden.html
. How the Pentagon
Papers Came to be Published By the Beacon Press Told by Daniel Ellsberg &
Others – http://www.democracynow.org/2013/7/4/how_the_pentagon_papers_came_to
. UKUSA agreement
release – NSA – http://www.nsa.gov/public_info/declass/ukusa.shtml
. Tratado de
Segurança – http://en.wikipedia.org/wiki/UKUSA_Agreement
http://www.globalsecurity.org/intell/systems/echelon.htm;
http://www.fas.org/irp/program/process/echelon.htm
. Relatório do
Parlamento Europeu – 11 de Julho de 2001 – http://www.europarl.europa.eu/sides/getDoc.do?pubRef=-//EP//TEXT+REPORT+A5-2001-0264+0+DOC+XML+V0//PT
. ECHELON – ESPIONAGEM
TOTAL – http://www.fimdostempos.net/echelon.html
. How US spies on
us all –
. Inside ECHELON – http://cyberdelix.net/parvati/6929.html
. How the Pentagon
Papers Came to be Published By the Beacon Press Told by Daniel Ellsberg &
Others – http://www.democracynow.org/2013/7/4/how_the_pentagon_papers_came_to
. Chikoti solicitou
o apoio da Rússia à candidatura de Angola a membro não permanente do Conselho
de Segurança das Nações Unidas - http://tudoparaminhacuba.wordpress.com/2013/06/24/chikoti-solicitou-o-apoio-da-russia-a-candidatura-de-angola-a-membro-nao-permanente-do-conselho-de-seguranca-das-nacoes-unidas-onu-conselhodeseguranca/
1 comentário:
Ementa:
Onde está 15 de Março de 2001, deve entender-se como 15 de Março de 2003.
Martinho Júnior.
Luanda.
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