terça-feira, 23 de julho de 2013

DO “APARTHEID INSTITUCIONAL”, AO “APARTHEID SOCIAL”



Martinho Júnior, Luanda

1 – Aqueles que fazem a apologia do elitismo agarram-se como nunca à figura carismática de Nelson Mandela para fazerem passar as mensagens adequadas aos seus interesses e conveniências, num expediente contínuo de manipulação da opinião pública elevada a um nível tal, que poucos precedentes existem a nível global.

Os objectivos são claros: evocando a vitória sobre o “apartheid institucional” dos anos idos do racismo sul-africano, impedir que a consciência global despertasse para o facto que esse “apartheid” seria substituído por um outro, mais subtil, mas não menos revelador dos enormes desequilíbrios a que conduz a lógica capitalista: o efectivo “apartheid social”!

A 15 de Novembro de 2003 aqui em Angola eu já tinha essa percepção e expunha-a de forma resoluta no Semanário ACTUAL, em relação ao caso de Nelson Mandela, no nº 371, interrogando junto a uma foto em que o velho Nelson se confrontava com duas fotos suas da sua juventude: “Que eternidade para Mandela”?!

2 – Além do mais “pistas” das opções de Mandela já haviam sobejamente e eu lembro uma delas:

Na crise final do regime zairense, entre Mobutu Sese Seko, doente, ausente e em decadência absoluta e a ascensão de Laurent Kabila, o guerrilheiro que Che Guevara reconhecera como um continuador de Patrice Lumumba em 1965, o então Presidente Nelson Mandela tentou garantir a continuidade do primeiro, com todas as consequências que isso trazia não só para o Congo, mas também para toda a região e particularmente para Angola.

De facto foi Mobutu que deu guarida a Jonas Savimbi numa retaguarda segura que substituía aquela retaguarda que ele perdera com o eclipse do regime do “apartheid institucional”, quando a base da Jamba estava colada à faixa do Caprivi e à base Ómega, numa Namíbia ocupada e ao abrigo das South Africa Defence Forces.

Savimbi aproveitou-se da retaguarda que o regime de Mobutu lhe oferecera para, com base na logística, no espaço de manobra do Zaíre e nas riquezas diamantíferas do Cuango e do Cuanza, desencadear a “guerra dos diamantes de sangue” de trágicas consequências, encadeando-a com as outras guerras que grassavam desde os Grandes Lagos!

O sinal que havia nessa opção de Nelson Mandela, que tentou nunca fechar a porta a Jonas Savimbi, era evidente: ele respondia favoravelmente ao poderoso “lobby” dos minerais e dava sequência aos processos elitistas e imperialistas que foram eclodindo desde o estro de Cecil John Rhodes, até por que Jonas Savimbi procurava também ser, sempre de armas na mão e em desespero de causa, outro dos “fiéis servidores” do cartel dos diamantes!

3 – As posições ideológicas e políticas de Nelson Mandela e do seu sucessor Thabo M’Beki em relação a Angola, revelaram essa trilha deliberada e eminentemente elitista: para eles o “1 homem 1 voto” era o bastante e significava garantir os privilégios das elites brancas no post “apartheid” a fim de garantir a ascensão duma elite negra, à sua imagem e ao seu nível, inibindo-se os compromissos históricos do ANC em relação à imensa massa de deserdados da África do Sul e de todo o continente africano!

Para Angola, sintomaticamente, foi preciso esperar pela ascensão de Jacob Zuma à Presidência sul-africana para, finalmente, vencidos os obstáculos que tinham substância em Savimbi e afinal também em Nelson Mandela e Thabo M’Beki, se reconhecer todo o enorme esforço do movimento de libertação na luta contra o “apartheid”, indissociável à aspiração de construção do socialismo, que com o final da Guerra Fria… passou a ser entretanto a opção que ficou pelo caminho e se colocou de parte no fundo dos baús do esquecimento!

Com o Presidente Jacob Zuma pôde-se finalmente lembrar a saga da batalha do Cuito Cuanavale e reconhecer-se o esforço daqueles que, integrando as aspirações do movimento de libertação em luta contra o colonialismo fascizante e o “apartheid institucional”, deram oportunidade às independências do Zimbabwe e da Namíbia e à instauração de regimes de democracia representativa em todo o espaço da SADC, sucedâneo da própria Linha da Frente, África do Sul incluída!

4 – As opções limitadas de Nelson Mandela e de Thabo M’Beki, se mereceram da minha parte sua identificação há dez anos, mereceram também a minha apreensão, que aliás tem sido exposta aqui no Página Global, conforme o que tive a oportunidade de escrever em “O vulcão sul-africano”.

Foi contudo necessário esperar algum tempo para que a nível internacional começassem a surgir depoimentos em sintonia com as minhas apreensões.

Este ano de 2013, à medida que se aproximavam os festejos do 95º aniversário de Nelson Mandela, algumas vozes se fizeram sentir!

De facto, sem nunca ter sido posta em causa a lógica capitalista após o final da Guerra Fria, se foi possível, após longa e penosa luta, acabar-se com o “apartheid institucional”, a mesma lógica eivada de neo liberalismo, sob o poder dos grupos elitistas identificados com o “lobby” dos minerais tendo como eixo os carteis tradicionais dos diamantes, do ouro e da platina, haveria de, sob a máscara da democracia representativa, manter o domínio dos poderosos e fazer ascender ao patamar das elites brancas elites negras, sem se importar com o “apartheid social” que resultava dos profundos desequilíbrios que o ANC se esqueceu sequer de fazer atenuar!

5 – Eis parte da confissão do histórico combatente Ronnie Kasrils, no artigo “Sudáfrica, el pacto fáustico del ANC fue a costa de los más pobres”:

“La lucha de liberación llegó a un punto alto, pero no a su cenit cuando acabamos con el régimen del apartheid.

Entonces, nuestras esperanzas en nuestro país eran enormes, dada su moderna economía industrial, los recursos minerales estratégicos (no solo el oro y los diamantes), y una clase obrera y un movimiento sindical organizados, con una rica tradición de lucha.

Pero ese optimismo minusvaloró la tenacidad del sistema capitalista internacional.

De 1991 a 1996, se luchó una batalla por el alma del ANC y al final la perdimos porque se hizo con ella el poder empresarial: la economía neoliberal nos engulló. O, como algunos hoy claman, vendimos a nuestro pueblo por el camino.

Lo que yo llamo nuestro momento fáustico tuvo lugar cuando solicitamos y obtuvimos un préstamo del FMI en vísperas de la primera elección democrática.

Ese préstamo, con condiciones que impedían un programa económico radical, se consideró un mal necesario, al igual que las concesiones que había que hacer para mantener las negociaciones abiertas y poder entregar a nuestro pueblo la tierra prometida.

La duda lo dominaba todo: creíamos, erróneamente, que no había otra opción, que teníamos que tener cuidado, ya que en 1991 el otrora poderoso aliado, la Unión Soviética, quebrada por la carrera de armamentos, se había derrumbado.

Inexcusablemente, habíamos perdido la fe en la capacidad de nuestras propias masas revolucionarias para superar todos los obstáculos.

La dirección del ANC hubiera debido permanecer firme, unida e incorruptible. Y, sobre todo, aferrarse a su voluntad revolucionaria.

En cambio, nos rajamos.

La dirección del ANC hubiera debido permanecer fiel a su compromiso de servir al pueblo. Ello le hubiera otorgado la hegemonía necesaria no sólo sobre la arraigada y bunkerizada clase capitalista sino también sobre las nuevas élites emergentes.

Acabar con el régimen del apartheid mediante la negociación, en lugar de una sangrienta guerra civil, parecía entonces una opción demasiado buena como para ser ignorada.

Sin embargo, en ese momento, la correlación de fuerzas estaba a favor del ANC, y las condiciones eran favorables para obtener un cambio más radical en la negociación.

No era de ninguna manera cierto que el viejo orden, a parte de unos cuantos extremistas de derecha aislados, tenía la voluntad o la capacidad de recurrir a una represión sangrienta como creía la dirección de Mandela”…

6 – A outra impressão foi publicada recentemente; diz o jornalista progressista John Pilger em “Do apartheid ao neo liberalismo na África do Sul”:

“Nas eleições democráticas de 1994, terminou o apartheid racista e o apartheid económico conheceu um novo rosto. Durante a década de 80, o regime de Botha ofereceu generosos empréstimos a empresários negros, permitindo-lhes fundar empresas fora dos bantustões.

Surgiu rapidamente uma nova burguesia negra, juntamente com um compadrio excessivo.
Os chefões do CNA mudaram-se para mansões em propriedades de golfe e campo. Enquanto as disparidades entre brancos e negros diminuíam, aumentavam entre negros e negros”…

7 – Para os velhos combatentes das lutas de libertação em África, tornou-se mais evidente que nunca que, ao enveredar-se pela lógica capitalista enquadrada no projecto de globalização neo liberal ao dispor da hegemonia unipolar anglo-saxónica, a opção pelo socialismo tinha os dias contados e servira apenas para os momentos mais difíceis da enérgica mobilização do movimento de libertação, apesar da identidade do socialismo para com a paz ser uma questão de essência.

A “abertura aos mercados” confirmando a lógica capitalista trouxe para com esses velhos combatentes uma contradição em relação aos seus consequentes juramentos de fidelidade: o oportunismo encarregar-se-ia, caso não houvesse capacidade suficiente de inteligência e de resistência, de manchar as suas tão históricas quão justas opções, à medida que o neo liberalismo progredia e à aberração do “apartheid institucional” se sucedia a aberração do “apartheid social”!

De facto, suas juras no sentido de trazer de forma abrangente equilíbrio, felicidade e justiça social para todos os povos do continente ficaram à mercê de ideólogos e de políticos que sucumbiram aos deslumbramentos estendidos pela aristocracia financeira mundial e pelas elites suas agenciadas!

Os governos de Nelson Mandela e de Thabo M’Beki na África do Sul tornaram-se expoentes dessa “façanha”, em relação à qual aqueles que assumem a dignidade de seus juramentos de juventude, por coerência de princípio nunca se deverão deixar envolver!

Luanda, 18 de Julho de 2013, data do 95º aniversário natalício de Nelson Mandela.

Gravura: Capa do Semanário Actual nº 371, de 15 de Novembro de 2003.

A consultar:
- Sudáfrica, el pacto fáustico del ANC fue a costa de los más pobres – http://gara.naiz.info/paperezkoa/20130706/411802/es/Sudafrica-pacto-faustico-ANC-fue-costa-mas-pobres

1 comentário:

Anónimo disse...


South Africa’s New Apartheid
________________________________________
By Sabine Cessou

Source: Le Monde Diplomatique
Friday, March 08, 2013

A group of building workers relaxed on the pavement in central Cape Town, enjoying their lunch break. Every minute was precious; nobody was in a hurry to get back to work. “They pay us peanuts,” said a bricklayer with a gold tooth. On the equivalent of $1,470 a month, he is not too badly off; in the run-up to the 2010 World Cup, the builders’ unions secured pay increases of 13-16% by threatening not to complete work in time. They are the exception.
There has been extreme tension in South Africa since 16 August, when the police killed 34 strikers at Lonmin plc’s platinum mine in Marikana, near Johannesburg, an incident of huge symbolic importance, since the forces of law and order shooting at demonstrators remind all of the apartheid era. Yet South Africa is now a democratic and multiracial state, since 1994 governed by the African National Congress (ANC). The strikers were part of its historic electoral base, South Africa’s poor and black majority. According to official figures, poor households (62% black, 33% mixed-ancestry) make up half the population (25.5 million) of this industrialised country, the only emerging market in sub-Saharan Africa.
The reaction to the Marikana killings recalls that to the Sharpeville massacre of 21 March 1960, when the forces of the apartheid regime (1948-1991) killed 69 black people in the township, 60km from Johannesburg. They had been demonstrating against the requirement for “non-whites” to carry passbooks outside their homelands or designated areas. When the news reached Cape Town, rioters in the black township of Langa burned public buildings.
Since Marikana, there have been wildcat strikes by mine, transport and farm workers. Farm workers in Western Cape Province have demanded that their pay be doubled from the minimum wage of 75 rand a day to 150 rand ($20). This has led to clashes with the police, the burning of vineyards and the looting of shops. Workers have been sacked, but there is no social dialogue. In November two farm workers were killed during a demonstration in the village of De Doorns, 180km from Cape Town.

...


http://www.zcommunications.org/south-africa-s-new-apartheid-by-sabine-cessou.html

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