Daniel Oliveira –
Expresso, opinião
Em 2014,
instituições europeias, FMI e a banca nacional deterão 80% da dívida soberana
portuguesa. O que quer dizer que os credores privados internacionais, que
em 2008 detinham 75% da nossa dívida, se puderam, à custa dos nossas
sacrifícios e dos contribuintes europeus, livrar dela. Daqui a um ano terão apenas
20%. Foi este o verdadeiro resgate dos últimos anos. Um resgate à
banca internacional. Não serviu para pagarmos as nossas dívidas. Até devemos
mais do que antes. Serviu para que elas mudassem de mãos. Ou sendo transferidas
para dentro do País ou sendo transferidas para instituições europeias e
internacionais que têm os instrumentos políticos para nos obrigar a pagar tudo
até estarmos exauridos. Coisa que, lamentavelmente, faltava a estes credores internacionais
que são, vale a pena recordar sempre, os grandes responsáveis pela crise
financeira que criou as condições para a insustentabilidade das dívidas
públicas.
Entre as maiores
instituições financeiras internacionais está a JP Morgan. É líder mundial
em serviços financeiros e uma das maiores instituições bancárias dos Estados
Unidos. Um ano depois de ter sido considerada a maior empresa do mundo, pela
Forbes, teve perdas bilionárias em operações de crédito desastrosas, sendo
alvo de investigações do FBI e da autoridade dos serviços financeiros do Reino
Unido. É uma das principais beneficiadas pelos contratos swap feitos
pelas empresas públicas portuguesas e tem a seu cargo a pasta da privatização
dos CTT. Foi um dos maiores criadores de derivativos de crédito, fundamentais
para perceber a crise que começou em 2008. É por isso interessante saber o que
pensam estes senhores. Não apenas sobre a situação económica da Europa, mas
sobre política. E sobre qual a melhor forma de regime para estas empresas poderem
continuar a prosperar às custas da nossa desgraça.
Num relatório de 28 de Maio sobre a zona euro,
a JP Morgan reconhece que há duas dimensões na relação política e institucional
com esta crise: a europeia, que passa por novas instituições para a zona euro,
e as nacionais, que, dependendo, ao contrário da primeira, do voto e da democracia,
cria mais problemas. A Alemanha pensa, recorda a instituição financeira, que os
problemas financeiros, legais, constitucionais e políticos das Nações terão de
ser resolvidos antes de uma maior integração, onde se inclui a criação dos eurobonds.
É na intervenção ao nível nacional, e não no espaço europeu, que estará o
primeiro passo para reolver a crise do euro. Porque são os bloqueios nacionais
para as reformas necessárias que fazem a Alemanha temer que qualquer processo
de integração traga a crise para a sua própria casa. Só poderá haver
mutualização do fardo desta crise quando os países que a sentem mais fortemente
resolverem os seus problemas estruturais que estiveram, na narrativa
alemã, na origem de tudo isto.
Até aqui, nada de
novo. É a tese da própria Alemanha. Interessa, agora, saber que bloqueios são
estes e em que momento estamos da sua resolução. Há a dívida pública, que
não pode ultrapassar os 60% do PIB e os défices estruturais, que têm de se
ficar pelos 0,5%. Tirando a Alemanha, Luxemburgo, Estónia, Áustria e Finlândia,
o resto da Europa está a meio caminho. Ainda há muita austeridade para
aplicar. O "ajustamento" das economias, para que sejam mais
competitivas e melhorem as suas balanças comerciais, também ainda não terá
chegado ao fim. Resolver o problema do mercado imobiliário (aquele
que a banca alimentou durante décadas), em Espanha e na Irlanda, estará, dizem
os peritos da JP Morgan, a um quarto do caminho. Quando à desalavancagem
dos bancos, e olhando para os 36 maiores da zona euro (que correspondem a 60%),
a JP Morgan está satisfeita. Como se sabe, o empenho da Europa em salvar o
sistema bancário foi assinalável. Quanto às "reformas
estruturais", apontam-se como pecados europeus a rigidez das leis laborais
(a que, como de costume, atribuem as altas taxas de desemprego de longa
duração), o excesso de intervenção do Estado na economia e o excesso de
burocracia. Pede-se, acima de tudo, liberalização das leis laborais e
maior flexibilidade nas decisões judiciais. Mais uma vez, nada de novo: a
agenda é conhecida.
Resta a reforma
política, onde, segundo a JP Morgan, está quase tudo por fazer. E é aí que
o discurso se torna mais interessante. As constituições dos países
periféricos terão, segundo o olhar da JP Morgan, demasiadas
"influências socialistas". E o seu sistema político tem uma
marca do peso dos partidos de esquerda, fortalecidos depois da queda dos
regimes fascistas. Entre essas marcas estão "governos fracos",
"Estado central fraco em relação às regiões", "proteção
constitucional dos direitos laborais" e "direito de protesto contra
alterações indesejadas ao status quo político". Traduzindo por
miúdos: temos excesso de democracia. O que tem levado os governos que têm
de fazer reformas fiscais e económicas a ter de lidar com constrangimentos
constitucionais (Portugal), com o poder excessivo das regiões (Espanha)
e com o crescimento de partidos populistas (Itália e Grécia). São
necessárias reformas políticas para vencer estas influências nefastas do
socialismo e da esquerda, onde se inclui o direito ao protesto. Felizmente,
celebra a JP Morgan, há um "reconhecimento", por parte dos governos
europeus, deste problema.
Claro que todo o
esforço necessário para vencer a crise, que o sistema financeiro criou e para o
qual nos insinua como receita o enfraquecimento das democracias nas periferias
da Europa (escrevi aqui ontem que a democracia nos tirava credibilidade
junto dos mercados), pode ir por água a baixo se as "reformas
políticas" não forem feitas com firmeza. Diz a JP Morgan, que tudo pode
desmoronar se houver um colapso político dos governos que estão a fazer
"reformas" na Europa do sul, um colapso do apoio ao euro e
à União Europeia, a vitórias eleitorais de partidos antieuropeístas
radicais ou uma ingovernabilidade em estados membros afectados pelo
desemprego. Por enquanto, descansa-nos a JP Morgan, nenhum destes cenários
parece provável a curto prazo.
Não é possível, têm
os senhores da JP Morgan toda a razão, levar esta revolução social e política a
bom porto em democracias constitucionais em funcionamento pleno. Democracias em
que, por exemplo, os governos tenham de dividir poder, o direito ao protesto e
a proteção dos direitos laborais tenham lugar. Concordando com os especialistas
da JP Morgan, mas pondo-me, seguramente por excesso de "influência
socialista", do lado da democracia, só posso concluir isto: ou
combatemos a ditadura da banca, vergonhosamente representada por políticos sem
escrúpulos e eurocratas sem legitimidade, ou teremos de lidar com os governos
autoritários com que os rapazes da JP Morgan sonham. Que cada um faça a
sua escolha.
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