terça-feira, 2 de julho de 2013

PM de São Tomé e Príncipe: "O petróleo não pode ser o milagreiro dos nossos males"




JOÃO MANUEL ROCHA - Público

Gabriel Costa, primeiro-ministro de São Tomé e Príncipe, faz depender futuro político do que "conseguir fazer" até 2014.

O petróleo que São Tomé e Príncipe pode começar a explorar em 2016 não é, por si só, chave para o desenvolvimento, considera o primeiro-ministro, Gabriel Costa. "Temos de ter cuidado para que não seja motivo de deslize", alertou, em entrevista ao PÚBLICO, numa recente passagem por Lisboa. No regresso a um cargo que já ocupou em 2002, fala também sobre o relacionamento do país com as potências da região e defende regras mais apertadas na formação de partidos, para melhorar a governabilidade.

Lidera um Governo apoiado por partidos que derrubaram o executivo saído das eleições de 2010. Isso não diminui a sua actuação?

É uma situação complexa mas não me diminui. É uma solução constitucional. Depois de esgotados os contactos com o partido que ganhou as eleições [Acção Democrática Independente, ADI], que era também minoritário, a posição mais judiciosa era terminar a legislatura chamando o segundo mais votado [Movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe, MLSTP/PSD]. Esse partido contactou as outras forças da oposição para uma coligação e fizeram um acordo comigo. Eu nem sequer estava na política, era bastonário dos advogados. Tive intervenções cívicas, por isso é que acharam que podia credibilizar um Governo.

O seu antecessor, Patrice Trovoada, fala numa "deriva totalitária".

É um excesso que mostra o desnorte de alguém que em vez de estar em São Tomé à frente do seu partido escolheu não um exílio forçado mas um exílio a que está habituado. Quando não está no poder está no exterior. São palavras pomposas que não têm qualquer sentido. Ele não é a pessoa mais indicada para falar de autoritarismo. No Governo dele houve atitudes completamente autoritárias, inclusive manter preso um cidadão estrangeiro contra a decisão do tribunal. É preciso muita desfaçatez. Não tem qualquer correspondência com a situação do país. Se não fez nada [de mal] não tem de ter medo. É vítima de uma moção de censura porque tinha mau relacionamento quer com a Assembleia quer com o Presidente, não queria prestar contas. Teremos muito gosto em tê-lo em São Tomé no contraditório político. Agora ninguém está acima da lei. Geriu a coisa pública e se porventura existem anomalias tinha de estar lá corajosamente, como outras pessoas fizeram, para responder.

Desde a abertura política, em 1990, o país teve 15 ou 16 primeiros-ministros. Isso é sinal de quê? Como é que pode ser de outra forma?

Sou das pessoas que se têm preocupado com a estabilidade. Fiz, como jurista, uma conferência para o grupo parlamentar da ADI sobre as reformas que eram necessárias para haver estabilidade. O nosso problema não está na instituição, está nas nossas agendas, que muitas vezes se sobrepõem à agenda de interesse nacional. No dia em que deixarmos de pensar em primeiro lugar no interesse dos nossos grupos, dos nossos partidos, vamos ver que é fácil resolver o problema da instabilidade crónica.

Em que é que consistiriam as reformas?

O sistema eleitoral não permite, com a quantidade de partidos que existem, obter maiorias estáveis. Há uma dispersão de votos. É preciso diminuir drasticamente o número de partidos. Não há diferenças substanciais entre [muitos].

Isso não deve ser resultado das escolhas dos eleitores?

Hoje são precisas 250 assinaturas para criar um partido. É preciso aumentar esse número para desencorajar os partidos que não atingem, por exemplo, a bitola de 2500 eleitores. Temos de corrigir alguns erros. Por exemplo aquilo a que chamo transumância política. Saem de um partido para outro partido... A reforma deve consistir nalguma obrigação de formar quadros para governar. Não podemos ter em média uma eleição por ano. Faz com que estejamos permanentemente em campanha. As legislativas poderiam bem ser eleições próximas das autárquicas e regionais.

São frequentes as denúncias de corrupção mas fica-se por aí. Há a ideia de que não há combate à corrupção.

É verdade, e tenho esse sentimento, que a culpa morre sempre solteira. Decidi que vou fazer tudo para que os detentores dos cargos públicos sejam responsabilizados pelo fazem. Por isso é que estou com uma iniciativa legislativa nesse sentido. Quero que São Tomé e Príncipe seja uma praça financeira mas não uma espécie de chamariz para actividades ilícitas que se possam traduzir no branqueamento de capitais. Há alguma manifestação de existência de tráfico de droga como placa giratória para entrada na Europa. É preciso que criemos condições para que assim não seja, isso implica uma série de medidas, nomeadamente [para evitar] a permeabilidade das fronteiras.

A principal exportação do país é ainda o cacau mas a perspectiva é que a curto prazo seja o petróleo. A exploração pode começar em 2016.

Estou convencido que vai ser a prestação de serviços, por causa da localização geográfica. Foram dados passos nas telecomunicações. O sector terciário é que vai ter impacto na nossa economia. Daí a importância de concretizar o porto de águas profundas. No petróleo há perspectivas encorajadoras.

O petróleo não é também motivo de querela política?

A tendência para o controlo do poder por causa da perspectiva de exploração petrolífera suscitou interesse nalgumas pessoas, umas bem e outras mal-intencionadas, ávidas de enriquecimento. Temos de ter algum cuidado para que isso não seja motivo de deslize. Devemos socorrer-nos de experiências de outros países.

O petróleo será a chave para a resolução dos problemas de São Tomé?

O petróleo não pode ser o milagreiro dos nossos males. Temos de organizar o país, continuar a formar gente.

O petróleo torna São Tomé apetecível para potências regionais como Angola e a Nigéria. Como se posiciona face a esses países?

São Tomé tem de fazer a política do seu interesse. São países com os quais se deve relacionar. Há aspectos em que tem maior afinidade com Angola. Falamos a mesma língua, tivemos um passado comum. Tem uma relação privilegiada com Angola, como tem com Portugal. Contrariamente a um disparate que ouvi do meu predecessor, ninguém está a dizer que Angola vai resolver os problemas de São Tomé. A Nigéria também é um parceiro privilegiado. Os santomenses é que têm de definir as políticas que lhes permitam sobreviver como Estado soberano.

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