Daniel Oliveira,
opinião - Expresso
Vítor Gaspar escreveu
uma carta em que assume que os resultados da sua política o deixaram sem
credibilidade para continuar no governo. Na cabeça de Gaspar a sua demissão é
de uma naturalidade cristalina: o que tinha de ser feito foi feito, os
resultados foram o que foram e outros, menos odiados no País, no PSD, no CDS e
no Conselho de Ministros, teriam de continuar o serviço. Não se apercebeu
Gaspar que a política é feita de escolhas e consequências. As suas foram estas
e os resultados foram um desastre. Deixou os destroços dos seus erros para
outros resolverem. Sem assumir um erro, sem se arrepender de nada. Mas
escrevendo uma carta que decretava, irremediavelmente, a morte deste governo.
Porque, mesmo sem o querer, dava razão a todos os que explicam há meses
que o caminho decidido por Gaspar era um beco sem saída.
Pedro Passos
Coelho, numa idiota demonstração da força que não tem, resolveu, mais uma vez,
ignorar a opinião do parceiro de coligação. O parceiro sem o qual tem um
governo minoritário. Para substituir Gaspar escolheu o braço direito de Gaspar. A
falta de credibilidade que o ministro demissionário reconheceu em si próprio,
e, necessariamente, na sua equipa, não a percebeu Passos Coelho. Porque,
na sua confrangedora incapacidade política, nenhuma evidência lhe salta à
vista. Sozinho, penosamente sozinho, restam a Passos indefectíveis
anónimos, tão deslumbrados pelo seu minuto de poder que aceitam novos lugares
num governo que, na realidade, já não existe.
Restava a Passos a
ex-professora que ele próprio colocara no governo e que, quando todos julgavam
que deveria ser demitida de secretária de Estado, foi promovida a ministra.
Achou que escolher Paulo Macedo seria o reconhecimento do erro e uma perda
de autoridade. E achou bem. Só que reconhecer o erro (e isso implica
sempre uma fragilização) era a única saída que sobrava a este governo perante
os resultados desastrosos dos últimos dois anos, que apenas ele parece não ver.
Acontece a quem governa e falha ter de recuar e com isso perder, pelo menos por
algum tempo, poder. Mas Passos acha que basta ter um lugar para se mandar.
Protegido por Cavaco e pela troika, quis continuar na mesma como se tudo o
resto fosse um cenário inerte e passivo.
Em Belém, num
momento que provocou vergonha alheia colectiva, o Presidente da República
mais ou menos em exercício deu posse à ministra das Finanças que antes de o ser
já não o era. Também Cavaco Silva parece não ter percebido que alguma coisa
estava fora da ordem e que não podia continuar a sua vidinha institucional como
se fosse um mero mestre de cerimónias.
Poucas horas antes Paulo
Portas encontrara a saída para o pântano em que está enfiado há dois anos. Ao
que parece, Pedro Passos Coelho escolheu a nova ministra contra a sua opinião.
E Paulo Portas, sem dizer nada aos restantes dirigentes do seu próprio
partido, terminou a coligação entre um PSD em que quase nenhum militante
do PSD se revê e um CDS que é sua propriedade unipessoal. Um com o partido
longe de si, outro com o partido no seu bolso, decretaram divórcio pelo qual
todos esperavam. Mas nenhum divórcio a sério se faz sem o pequeno
escândalo, a pequena chantagem emocional. Foi a isso mesmo que assistimos, às
oito horas, em São Bento.
Todas as pessoas
normais esperavam que o resultado desta decisão de Paulo Portas fosse a
evidente: perdida a maioria parlamentar, perdidos, em apenas 24 horas, o
número dois e número três do governo, Passos demitia-se e passava a bola para
Cavaco Silva. A confrangedora tomada de posse de Maria Luís Albuquerque poderia
ter levantado a suspeita de que as coisas não seriam bem assim. Mas uma fuga
para frente, mesmo vinda de Passos Coelho, seria demasiado irresponsável para
ser plausível. E até Cavaco Silva poderia ter convencido o primeiro-ministro da
impossibilidade de manter um governo que já só tem, na realidade, uma pessoa lá
dentro. E manter até 2014 uma coligaçãoo contra a vontade de uma das partes.
Foram claras as
intenções de Passos Coelho nas suas declarações em São Bento, cenário para onde
esta novela mexicana passou ao princípio da noite: se era para o governo
cair que fosse o CDS a fazer tudo de forma bem escandalosa. A acabar
expressamente com a coligação e, quem sabe, a chumbar uma moção de confiança. O
estadista, que dá tudo pelo País e tudo faria para evitar uma crise política, já
só se preocupa em garantir que Paulo Portas fica mal na fotografia. Preocupação
inútil: já ninguém se safa nesta decomposição ao vivo e em direto de um
governo.
Passos já só pensa
nas próximas eleições a que, não me admiraria, ele pode vir a concorrer para
bater todos os recordes de humilhação eleitoral para o PSD. Passos lida com um
país a afundar-se numa gigantesca crise social e económica como se estivesse
perante um congresso da JSD, com mal amanhados golpes de teatro. Passos
tenta fazer em versão amadora aquilo em que Portas é um profissional.
Mas o momento mais
patético, se é possível escolher um nesta deprimente encenação a que o País,
atónito e falido, assiste, foi quando Passos Coelho disse que não aceitava
a demissão de Paulo Portas. É uma requisição civil de um ministro? Quer
sequestrar um partido numa coligação? É um ato de negação perante o rompimento
de um casamento disfuncional? Nada disso. É teatro, mais teatro, mais
teatro. Uma novela rasca em que os protagonistas enchem de episódios
inúteis uma trama que já tem o fim decidido.
Já não se pede que
se ajude Passos Coelho a pôr fim ao seu mandato com alguma dignidade. Isso é
impossível. Ainda mais quando tal golpe final está nas mãos de um Presidente
que vive em pânico de decidir seja o que for. Apenas se queria que nos
poupassem a isto tudo. Já chegam a crise, o desemprego, os impostos, a
emigração em massa. E, por favor, não nos venham mais com a chantagem da credibilidade
do País perante os mercados e os parceiros europeus. Quem deu, nas últimas
24 horas, tão triste espetáculo, não pode, nunca mais, abrir a boca sobre a
credibilidade de Portugal. Nem Passos, nem Portas, nem Cavaco.
Somos apenas mais
um País, entre outros, a sofrer os efeitos de uma crise internacional e de uma
União Europeia em desagregação. Infelizmente, temos direito a um bónus:
para lidar com tudo isto estão um garoto, um habilidoso e um cobarde, em
simultâneo, no mesmo palco. E esta é a parte pela qual somos, como
cidadãos, realmente responsáveis.
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