quarta-feira, 3 de julho de 2013

Portugal: DEPOIS DA TRAGÉDIA, A FARSA



Daniel Oliveira, opinião - Expresso

Vítor Gaspar escreveu uma carta em que assume que os resultados da sua política o deixaram sem credibilidade para continuar no governo. Na cabeça de Gaspar a sua demissão é de uma naturalidade cristalina: o que tinha de ser feito foi feito, os resultados foram o que foram e outros, menos odiados no País, no PSD, no CDS e no Conselho de Ministros, teriam de continuar o serviço. Não se apercebeu Gaspar que a política é feita de escolhas e consequências. As suas foram estas e os resultados foram um desastre. Deixou os destroços dos seus erros para outros resolverem. Sem assumir um erro, sem se arrepender de nada. Mas escrevendo uma carta que decretava, irremediavelmente, a morte deste governo. Porque, mesmo sem o querer, dava razão a todos os que explicam há meses que o caminho decidido por Gaspar era um beco sem saída.

Pedro Passos Coelho, numa idiota demonstração da força que não tem, resolveu, mais uma vez, ignorar a opinião do parceiro de coligação. O parceiro sem o qual tem um governo minoritário. Para substituir Gaspar escolheu o braço direito de Gaspar. A falta de credibilidade que o ministro demissionário reconheceu em si próprio, e, necessariamente, na sua equipa, não a percebeu Passos Coelho. Porque, na sua confrangedora incapacidade política, nenhuma evidência lhe salta à vista. Sozinho, penosamente sozinho, restam a Passos indefectíveis anónimos, tão deslumbrados pelo seu minuto de poder que aceitam novos lugares num governo que, na realidade, já não existe.

Restava a Passos a ex-professora que ele próprio colocara no governo e que, quando todos julgavam que deveria ser demitida de secretária de Estado, foi promovida a ministra. Achou que escolher Paulo Macedo seria o reconhecimento do erro e uma perda de autoridade. E achou bem. Só que reconhecer o erro (e isso implica sempre uma fragilização) era a única saída que sobrava a este governo perante os resultados desastrosos dos últimos dois anos, que apenas ele parece não ver. Acontece a quem governa e falha ter de recuar e com isso perder, pelo menos por algum tempo, poder. Mas Passos acha que basta ter um lugar para se mandar. Protegido por Cavaco e pela troika, quis continuar na mesma como se tudo o resto fosse um cenário inerte e passivo.

Em Belém, num momento que provocou vergonha alheia colectiva, o Presidente da República mais ou menos em exercício deu posse à ministra das Finanças que antes de o ser já não o era. Também Cavaco Silva parece não ter percebido que alguma coisa estava fora da ordem e que não podia continuar a sua vidinha institucional como se fosse um mero mestre de cerimónias.

Poucas horas antes Paulo Portas encontrara a saída para o pântano em que está enfiado há dois anos. Ao que parece, Pedro Passos Coelho escolheu a nova ministra contra a sua opinião. E Paulo Portas, sem dizer nada aos restantes dirigentes do seu próprio partido, terminou a coligação entre um PSD em que quase nenhum militante do PSD se revê e um CDS que é sua propriedade unipessoal. Um com o partido longe de si, outro com o partido no seu bolso, decretaram divórcio pelo qual todos esperavam. Mas nenhum divórcio a sério se faz sem o pequeno escândalo, a pequena chantagem emocional. Foi a isso mesmo que assistimos, às oito horas, em São Bento.

Todas as pessoas normais esperavam que o resultado desta decisão de Paulo Portas fosse a evidente: perdida a maioria parlamentar, perdidos, em apenas 24 horas, o número dois e número três do governo, Passos demitia-se e passava a bola para Cavaco Silva. A confrangedora tomada de posse de Maria Luís Albuquerque poderia ter levantado a suspeita de que as coisas não seriam bem assim. Mas uma fuga para frente, mesmo vinda de Passos Coelho, seria demasiado irresponsável para ser plausível. E até Cavaco Silva poderia ter convencido o primeiro-ministro da impossibilidade de manter um governo que já só tem, na realidade, uma pessoa lá dentro. E manter até 2014 uma coligaçãoo contra a vontade de uma das partes.

Foram claras as intenções de Passos Coelho nas suas declarações em São Bento, cenário para onde esta novela mexicana passou ao princípio da noite: se era para o governo cair que fosse o CDS a fazer tudo de forma bem escandalosa. A acabar expressamente com a coligação e, quem sabe, a chumbar uma moção de confiança. O estadista, que dá tudo pelo País e tudo faria para evitar uma crise política, já só se preocupa em garantir que Paulo Portas fica mal na fotografia. Preocupação inútil: já ninguém se safa nesta decomposição ao vivo e em direto de um governo.

Passos já só pensa nas próximas eleições a que, não me admiraria, ele pode vir a concorrer para bater todos os recordes de humilhação eleitoral para o PSD. Passos lida com um país a afundar-se numa gigantesca crise social e económica como se estivesse perante um congresso da JSD, com mal amanhados golpes de teatro. Passos tenta fazer em versão amadora aquilo em que Portas é um profissional.

Mas o momento mais patético, se é possível escolher um nesta deprimente encenação a que o País, atónito e falido, assiste, foi quando Passos Coelho disse que não aceitava a demissão de Paulo Portas. É uma requisição civil de um ministro? Quer sequestrar um partido numa coligação? É um ato de negação perante o rompimento de um casamento disfuncional? Nada disso. É teatro, mais teatro, mais teatro. Uma novela rasca em que os protagonistas enchem de episódios inúteis uma trama que já tem o fim decidido.

Já não se pede que se ajude Passos Coelho a pôr fim ao seu mandato com alguma dignidade. Isso é impossível. Ainda mais quando tal golpe final está nas mãos de um Presidente que vive em pânico de decidir seja o que for. Apenas se queria que nos poupassem a isto tudo. Já chegam a crise, o desemprego, os impostos, a emigração em massa. E, por favor, não nos venham mais com a chantagem da credibilidade do País perante os mercados e os parceiros europeus. Quem deu, nas últimas 24 horas, tão triste espetáculo, não pode, nunca mais, abrir a boca sobre a credibilidade de Portugal. Nem Passos, nem Portas, nem Cavaco.

Somos apenas mais um País, entre outros, a sofrer os efeitos de uma crise internacional e de uma União Europeia em desagregação. Infelizmente, temos direito a um bónus: para lidar com tudo isto estão um garoto, um habilidoso e um cobarde, em simultâneo, no mesmo palco. E esta é a parte pela qual somos, como cidadãos, realmente responsáveis.

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