MIGUEL GASPAR - Público
O Presidente jogou
forte e perdeu. É provável que se tenha tornado irrelevante. Cavaco Silva fez o
discurso que poderia ter feito há dez dias, quando anunciou que havia um
Governo de gestão e obrigou os partidos a negociarem um acordo que falhou.
Há dez dias, o
Presidente podia ter dito que o Governo tinha perdido as condições de
legitimidade para continuar e marcar eleições antecipadas. Ou então aceitava a
remodelação proposta pelo executivo, mas anunciava que ia estar vigilante.
Mas preferiu o
golpe de teatro. Agora recuou
por completo.
E, apesar do aviso
que deixou no final, o Presidente corre o risco de se tornar irrelevante.
Cavaco tentou
salvar os restos mortais do acordo afirmando que para o futuro ficou uma
semente: a cultura de diálogo.
Não é verdade.
Nenhum dos partidos queria o acordo e todos tinham razões para não respeitarem
a vontade do Presidente.
Não houve e não há
consenso porque os partidos querem coisas diferentes. Para haver um consenso,
era preciso que existissem condições para harmonizar as posições de todos.
Não existem.
Deixaram de existir. Está errado o Presidente quando diz que estavam reunidas
as condições propícias para um acordo. Talvez tenha razão ao afirmar que um dia
a realidade o pode vir a impor.
Cavaco reconduziu
um governo que abriu uma crise política que penalizou gravemente o país e as
instituições e cujos líderes não confiam um no outro.
A emergência
nacional que justificou há dez dias o apelo desesperado de Cavaco Silva parece
ter desaparecido como que por milagre.
O apelo ao acordo
significava que o governo já não era capaz; agora, Cavaco tem de readmitir em
plenitude de funções um governo que ele próprio colocou em gestão.
A crise segue
dentro de momentos. Pior do que antes do patético apelo do Presidente. Com os
partidos mais distantes uns dos outros e mais radicalizados do que antes das
negociações falhadas.
Cavaco sabe que não
voltará a ser escutado da mesma maneira até ao final do seu mandato. Mesmo que
tenha deixado no ar, de forma suave, a ameaça da bomba atómica.
Cavaco sabe que a
maioria não ouvirá as recomendações que o Presidente deixou.
O Presidente jogou
forte e perdeu. É provável que se tenha tornado irrelevante.
É preciso um
compromisso nacional para salvar o Presidente da República.
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