Pedro Marques Lopes
– Diário de Notícias, opinião
1- Cavaco não
se importou que este Governo demonstrasse a sua incompetência a toda a hora,
conviveu calmamente com a profunda impreparação, suportou o deslumbramento
ideológico e a ignorância, mas não aguentou ser humilhado e chantageado pelos
líderes da coligação. Enquanto foi com o País, o Presidente aguentou, quando
lhe tocou a ele, a conversa foi outra e acabou a confiança. Digamos que se
esperava bem mais de Cavaco Silva. Mas, convenhamos, nem este presidente,
disposto a tudo para não exercer as suas funções, poderia pactuar com o
lamentável espectáculo das últimas semanas. Nem o mais inconsciente dos
presidentes teria mantido a confiança nos presidentes dos partidos da
coligação.
Passos e o
ex-político Portas são tão credíveis e Cavaco Silva confia tanto neles que
aquela espécie de golpe de Estado, em que um partido com 12% dos votos passava
a governar o País sob o olhar de um primeiro-ministro que passaria a ser um rei
das Berlengas com residência em São Bento, não lhe mereceu uma palavrinha que
fosse.
Como é que o
Presidente quer que CDS, PSD e PS façam um acordo, ou seja, que confiem uns nos
outros quando ele próprio não tem o mínimo de confiança nos líderes dos dois
partidos da coligação? Que parte do "vocês estão a mais" Passos e
Portas não perceberam?
2- Parece,
porém, que Passos e Portas não perceberam que o Presidente não confia neles e
nem quer ouvir falar do take-overdo Governo pelo CDS. O primeiro-ministro,
aliás, confessou no debate do Estado da Nação que ainda tem de interpretar
"aquilo", leia-se o discurso do Presidente da República. Talvez fosse
por isso que repetiu que tem um mandato e quer cumpri-lo, esquecendo que Cavaco
já lhe tinha, pelo menos, cortado um ano.
Já Portas, o
politicamente incompatível, ou pelo seu óbvio problema em entender o
significado das palavras ou por estar irritado por lhe terem estragado a
barganha, insistiu. Disse, no seu discurso, que a remodelação proposta era a
solução para todos os problemas de coesão governamental. Só faltou mesmo dizer
que ele e Passos beberam alguma coisa que lhes tinha finalmente feito ter
sentido de Estado.
Talvez por estar a
ver que Passos e Portas, o que obedece à sua consciência, não teriam percebido
a parte do discurso em que demonstrava que já não contava com eles, talvez por
não estar a gostar do espectáculo degradante que estava a ser levado à cena no
hemiciclo, em que um ex-ministro demissionário ou ex-futuro
vice-primeiro-ministro ou actual ninguém sabe o quê discursava, ex-futuros
ex-ministros sorriam como se nada fosse, ex-futuros ministros fantasmas
pairavam sobre a sala e um primeiro-ministro reafirmava o sucesso da sua
política sem sequer sorrir, o Presidente da República fez um comunicado durante
o debate do Estado da Nação ordenando aos partidos que se despachassem. Mais, lembrou
que transmitiu aos líderes dos partidos quais eram os elementos que deviam ser
tomados em conta.
Comunicar aos
partidos àquela hora que tinham de chegar depressa a um acordo e quais eram os
elementos que deviam ter em conta foi como dizer que o que se estava a passar
na Assembleia era uma perda de tempo e que ele, e não os partidos, é que sabia
o que estava em causa.
3- Cavaco
tinha razão: aquele debate foi uma perda de tempo. Como também é uma perda de
tempo o que ele está, tarde e a más horas, a tentar fazer. Promover um acordo
de regime com estes interlocutores, neste momento, já não faz sentido. É inútil
repetir que a perda de credibilidade em Passos e Portas é total, que a falta de
sentido de Estado dos dois é chocante. É inútil voltar a lembrar o desastre das
políticas. É inútil recordar a carta de Gaspar, a demissão de Portas, a
sucessão de trapalhadas. É demasiado evidente que este Governo já não governa,
apenas estrebucha e que não há remodelação que o regenere.
Claro que o
Presidente sabe que um acordo com esta gente é impossível, que manter o País
onze meses em campanha eleitoral é insustentável, que Seguro não pode aceitar
nenhum tipo de acordo, que o resgate ou outro nome que lhe queiram dar é
inevitável. Cavaco está apenas a fingir que acredita num acordo para que possa
marcar eleições antecipadas agora dizendo que tentou tudo.
Sim, fazer já
eleições é uma péssima solução, mas é a melhor de todas. A que permite limpar o
ar, a que permitirá montar uma solução de consenso com alguma credibilidade,
sem estes líderes, portanto.
Por decisão
pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico
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