Daniel Oliveira –
Expresso, opinião
A falta de clareza
do absurdo processo iniciado pelo Presidente da República tem permitido todas
as teses sobre as suas verdadeiras intenções. Que, como aqui escrevi, se
está a preparar o segundo resgate. Que apenas quer criar as condições para
avançar com um governo de iniciativa presidencial. Que quer promover um golpe
contra Passos Coelho dentro do PSD. Que está a ganhar tempo e condições para
marcar eleições antecipadas sem ser responsabilizado por qualquer tipo de
instabilidade. Ou que quer, apenas, lavar as mãos das consequência da atual
crise política. Aquilo em que ninguém realmente acredita é que o suposto
processo negocial agora começado acabe em qualquer coisa de substancial.
Seja qual for a
tese correta, o que Cavaco Silva fez foi alimentar o pântano político em
que vivemos. A falta de clareza do seu discurso apenas promoveu o que de mais
mesquinho existe na política, com uma sucessão de jogos escondidos.
O Chefe de Estado
pode e deve decidir se mantém este governo, se o substitui por um de iniciativa
sua ou se dissolve o Parlamento e marca eleições. E deve fazê-lo de forma
cristalina, para não deixar a vida política degradar-se. Para não promover a
confusão. Para não termos de ver um ministro a encerrar o debate sobre o Estado
da Nação sem se saber que lugar realmente ocupa. Para não assistirmos ao maior
partido da oposição a negociar com o PSD e o CDS ao mesmo tempo que vota a
favor de uma moção de censura. O Presidente deve preservar e defender as
instituições. Não tem autoridade para determinar as posições dos partidos em
relação a esta crise e a sua política de alianças. O que é insustentável é ver
um Presidente que deixou as instituições democráticas degradarem a sua imagem
junto dos cidadãos querer, agora, tutelar quase todo o sistema partidário.
Estas negociações
estão fadadas ao fracasso. Pelos limites que o Presidente impôs no seu
conteúdo, deixando convenientemente de fora todas as alternativas de que
discorda. Pelos prazos definidos, já que numa semana não se decide
todo o futuro de um País. Pela tentativa de impor um
"negociador", mostrando que é o próprio Presidente que não se
considera uma "figura credível". Pela falta de clareza de
objetivos. E pelos interlocutores: de um dos lados está um
governo que o próprio Presidente deixou como interino, do outro um partido que
exige eleições antecipadas e de fora ficaram três partidos, que nem convidados
foram a participar nestas conversas. Ao promover esta farsa, Cavaco Silva
apenas conseguirá, como aliás pareceu ser o seu objetivo na intervenção que fez
aos portugueses, degradar ainda mais a imagem da democracia e dos partidos
políticos. Para, seja qual for o seu objetivo final, defender a sua própria
imagem.
A única resposta
honesta seria não alimentar esta charada. O que passaria por exigir do
Presidente uma decisão clara, antes de qualquer conversa entre partidos
políticos. Ou seja, que comece, antes de fazer exigências a terceiros, por
cumprir o papel que a Constituição lhe reserva.
Se o Presidente
considera que o governo tem condições para governar, este governará com a
maioria que dispõe. É essa maioria que tem, por sua iniciativa, de procurar ou
não um apoio alargado para as medidas que quer tomar. E caberá aos partidos da
oposição definir, sem chantagens presidenciais ilegítimas, que posição devem
ter sobre o caminho a seguir. Se o Presidente considera que este governo
não tem condições para continuar, forma, com as suas exíguas forças, um governo
de iniciativa presidencial com apoio maioritário no Parlamento. Ou marca
eleições para brevemente, enquanto o financiamento externo está garantido. Tão
simples como isto.
Ao entrarem neste
circo, que só pode acabar numa enorme frustração para os portugueses e
descrédito para os seus atores, os partidos apenas tentam não ficar mal na
fotografia. Mas acabarão por pagar o preço de tanta dissimulação. Qualquer
"compromisso para salvação nacional", seja lá o que isso queira
dizer, passa, antes de tudo, por ter um Presidente capaz de clarificar o que
está obscuro em vez de fazer exatamente o oposto. Se não é capaz de tomar
decisões, para não ser responsabilizado pelas suas consequências, que o assuma
de uma vez por todas. Mas poupe-nos a ralhetes inconsequentes e a golpes
palacianos.
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