Baptista-Bastos –
Diário de Notícias, opinião
Não me recordo de
um Presidente, na II República, ter sido criticado com tanta veemência e haver
sido objecto de tantos enxovalhos como este dr. Cavaco que nos coube no
infortúnio. Pelos vistos e feitos, tem tripudiado sobre a natureza da função,
denegrido as características de "independência" constitucionais que
jurou defender e resguardar, e tomar atitudes de soba com a displicência de
quem não tem satisfações a dar. A sua presença em Belém tem sido assinalada por
uma série de disparates, incúrias, pequeninas vinganças, intrigas baratas,
aldrabices indolentes como a das falsas escutas. O pobre homem, por lacuna
cultural e outras, não está hipotecado aos princípios republicanos que o 25 de
Abril reanimou, embora fugazmente. Pertence a outra vigília, a outra aposta, e
a um passado vazio de sentido histórico. Não soubemos evitar o triste incidente
do seu surgimento, que se tornou uma pavorosa ameaça. Os cavaquinhos que por aí
pululam correspondem às debilidades das nossas respostas, à alteração dos
sistemas ideológicos e ao facilitismo da "era de acesso."
Houve, no Brasil
dos anos 60, século passado, um cómico famoso, o Chacrinha (aliás, homem culto
e lido), que dizia: "Eu não estou aqui para explicar; estou aqui para
complicar." O epítome pode, e deve, ser aplicado ao dr. Cavaco. Nada, ou
pouco mais do que nada, se lhe pode aduzir, politicamente, em seu abono. Onde
toca, dificulta ou emaranha. A bizarria de criar um "compromisso de
salvação nacional" que envolve três partidos e exclui outros três
alimenta, ainda mais, as divisões na sociedade portuguesa e não soluciona
nenhuma questão. O que, retoricamente, separa o PS do PSD e do CDS parece, no
momento, irreparável. Seguro quer, nos diálogos, a presença de todos; porém, o
PCP, e explica as razões, "não tem nada a ver com aquilo." Os dados
estão, à partida, viciados, e a manobra resulta numa piada de mau gosto. E
Seguro envolve-se numa ambiguidade grotesca: diz que vai "dialogar"
com partidos e não com o Governo, como se aqueles não fossem componentes deste.
A confusão acentua-se quando afirma apoiar a moção de censura de "Os
Verdes". Entrámos, em definitivo, no reino da feira cabisbaixa.
Ninguém sabe em
quem acreditar. Para salvaguarda da nossa saúde mental é melhor, pura e
simplesmente, não acreditar em nada. Com perdão da palavra, penso que Seguro
está longe da solução adequada, pois pertence ao sistema; mas também penso que
é a solução emergente que se arranja. Como dizia o outro, pior do que está, é
impossível. Haverá outros caminhos a percorrer, fora deste sistema horroroso de
"alternância", que nos leva até ao desgosto de tudo. Mas a
organização das "democracias ocidentais" impede a mudança, porque
isso conduziria a uma substancial alteração do próprio capitalismo. Todavia,
esta impossibilidade aparente não significa que nos resignemos. Capitular é
deixar de ser.
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