José Manuel Pureza –
Diário de Notícias, opinião
Não é por haver
crise política que haverá segundo resgate da troika. É por estar aí o segundo
resgate da troika que a crise política está aí. O que falhou não foi o
entendimento político entre as direitas coligadas. O que falhou - estrepitosamente
- foram as políticas de empobrecimento encaradas como promessa de regeneração económica
e social. Não tiveram outro resultado senão o empobrecimento sem mais. E a
dívida, em nome de cuja diminuição tudo se fez e tudo se exigiu, não parou de
subir. Foi isso - e não a defesa coerente da legalidade constitucional por quem
cumpre fazê-lo num Estado de direito - que fez demitir o primeiro-ministro de
facto Vítor Gaspar. Assim como o que fez demitir Paulo Portas foi a perspetiva
do vendaval social que o corte de 4700 milhões de euros na despesa pública, de
que é guionista investido, acarretará sem outros efeitos senão os da destruição
da economia e da sociedade.
O Governo morreu
porque a sua política o matou.
Virá agora o
segundo resgate, há muito inevitável. Negando-o, o Governo antecipou-o
sucessivamente atirando as responsabilidades para o Tribunal Constitucional,
para os partidos da oposição ou para os sindicatos. A dança de demissões dos
últimos dias mostra que nunca houve outra causa para o segundo resgate senão a
política de teimosia irresponsável do Governo em matéria económica e social.
Por isso é que é
tão irrelevante a troca de sms entre Passos e Portas sobre a substituição do
ministro das Finanças e tão importantes os telefonemas e conversas pessoais dos
administradores dos bancos portugueses com dirigentes da coligação
governamental para os pressionar para que se abjure qualquer cenário de
eleições. Aquela é do domínio do folhetim dos estados de alma, estes são
exercício de política dura.
Esse jogo político
palaciano e dissimulado tem como contraponto a incredulidade e a repulsa da
grande maioria das pessoas. Se necessário fosse, os últimos dias mostraram que
na governação ditada pela troika vale literalmente tudo desde que o resultado
nunca seja a expressão democrática da vontade popular. Desde que se cumpram os
desígnios de quem manda, todas as fórmulas de poder são boas. Neste regime de
administração colonial, ao vice-rei exige-se não que represente o seu povo e
que por ele seja reconhecido como legítimo governante, mas sim que represente o
verdadeiro soberano e submeta o povo. Assim está a ser em Portugal, pela mão de
gente formada na pior política pelas jotas. E o espetáculo desta política feita
por jogadores da política sem outra vertebração ideológica senão a de agradar a
quem manda está a degradar até ao limite o apoio popular à nossa democracia.
Ora, se isto não é um funcionamento não regular das instituições democráticas,
então eu não faço ideia do que isso possa ser.
Exigir eleições,
nestas circunstâncias, é exigir o mínimo de decência. É combater o sequestro de
um país inteiro por um pequeno grupo de experimentalistas delirantes ao serviço
de uma pequena elite financeira com a cumplicidade chocante do Presidente da
República. A coisa é simples: Portugal não tem governo, precisamos de eleições
para preencher esse vazio indisfarçável. Tudo o resto é insulto para a
democracia.
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