TIAGO BARTOLOMEU COSTA –
Público, crónica
Não sabemos se
Pedro Passos Coelho leu Hamlet, de Shakespeare.
Tivesse Passos lido Hamlet e
não teria dúvidas de que a caveira que olha não é senão a sua. E o que vê é a
última das surpresas. Tivéssemos nós lido Hamlete saberíamos que a
pantomima chegaria a este palácio cheio de mortos.
É fácil imaginar,
hoje, o ainda primeiro-ministro a perguntar o que lhe aconteceu, com a caveira
de Yorick nas mãos. Como se a caveira fosse o que sobra de um governo a quem
Passos pergunta o que aconteceu. E a quem pergunta se é, ou já não é,
primeiro-ministro. Diz Passos como se fosse Hamlet: “Esta a caveira de Yorick,
o bobo do rei. Hamlet. Este? Hamlet. Este aqui?”
Quase ouvimos o
chefe da Casa Civil da Presidência da República dizer: “Chegaram os actores,
senhor!”, quando tentamos perceber a "comédia de portas" que foi o
disfarce de tomada de posse ontem em Belém, ainda que Cavaco, perdão, Cláudio,
padrasto de Hamlet, aceitasse a representação só para saber até onde iria Hamlet.
E, no entanto, a
cautela teria de ser posta em Maria Luís Albuquerque. Não foi, afinal, essa
Gerturde, que se finge serena mas conspirou contra o próprio filho, quem disse:
“Asseguro-te, não me temas”? Cairá o reino, depois da queda do melhor
amigo de Hamlet, Horácio (Vitor Gaspar), sobre o qual foi o príncipe
silencioso. Estava escrito.
Mas entre Passos
ser e não ser Hamlet, esse louco príncipe da Dinamarca que fala para exércitos
acólitos que não existem, mas que ele crê prontos para a sua batalha, fica o
que Shakespeare previu. Perante o suicídio de Ofélia (Paulo Portas), Hamlet
recusa-se a aceitar a sua morte e não deixa que o corpo seja enterrado (o que é
isto senão a recusa de um enterro digno, ao qual nem as aias – os outros
ministros e secretários de Estado – podem ir?).
Hamlet prefere ir
combater contra os polacos (ou seja, a conferência em Berlim, onde se refugiou
hoje), onde lhe dirão que não há reino a proteger, se não houver príncipe que
por ele morra. Passos, aliás, Hamlet, ainda tentou que Rosencrantz (Miguel
Poiares Maduro) e Guildenstern (Pedro Lomba), os seus fiéis soldados,
guardassem a porta do castelo, mas nem os fantasmas (os jornalistas) desta vez
apareceram à chamada (os briefings anulados). E ficaram os dois a
falar sozinhos.
O irmão de Ofélia,
Laertes (António José Seguro), jura vingança, sabendo, no entanto, que não terá
muito a ganhar com tão antecipada batalha (as eleições), na qual,
eventualmente, morrerão os dois. Nem os gritos de Polónio, seu pai (José
Sócrates), mais fantasma que susto, lhe valerão. Morrerão Laertes e Hamlet
nessa batalha de fim de Verão (as eleições). Tal como morrerá Cláudio (Cavaco
Silva), já morto na credibilidade, ferido de orgulho por não ter antecipado a
comédia, ou achando ser possível manter a farsa até ao fim. Mesmo que se reúna
amanhã com todos os corpos de todos os mortos.
Cláudio dar-lhes-á,
amanhã, o que pedem os espectadores (os eleitores): o copo de veneno que os
dissolverá. Assim será ou serão, então, os actores (os deputados) que chumbarão
a última tentativa de verdade (a moção de confiança). Está tudo escrito.
Disse Hamlet antes
de morrer: “Não viverei para saber notícias de Inglaterra, mas profetizo que
será eleito Fortinbras.” O pior é a profecia que se segue: “É para ele o meu
voto moribundo.” Porque “o resto é silêncio”, ficamos sem saber se esse
Fortinbras é António Costa ou um governo de salvação nacional. Até lá,
agonizaremos nesta podre Dinamarca?
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