Para um governo que
se diz comprometido com os direitos humanos e as normas internacionais, é
difícil explicar a recusa em proteger um indivíduo perseguido exatamente por
defender esses valores
Igor Fuser – Brasil
de Fato, opinião
É raro um discurso
a favor da atual política externa brasileira sem menção ao "complexo de
vira-lata". Com essa expressão, busca-se condenar a subserviência do
governo de FHC – e da elite nativa, em geral – perante as metrópoles do
capitalismo global. Esse comportamento pusilânime teria sido superado a partir
da posse de Lula, quando o Brasil supostamente adotou uma nova diplomacia,
"ativa e altiva", da qual o chanceler Antonio Patriota é um herdeiro
e continuador.
Essa interpretação
otimista está longe de corresponder à lamentável sucessão de episódios que
incluem a negativa do Itamaraty em conceder asilo político a Edward Snowden e a
reação brasileira ao escândalo da espionagem praticada em nosso país (entre
outros) por agentes estadunidenses, tornada pública pelo próprio Snowden. Para
um governo que se diz comprometido com os direitos humanos e as normas
internacionais, é difícil explicar a recusa em proteger um indivíduo perseguido
exatamente por defender esses valores – ainda mais num caso em que a soberania
brasileira foi afrontada.
Na conferência
sobre política externa realizada em julho na Universidade Federal do ABC, um
estudante indagou o motivo da negativa em acolher Snowden ao chanceler
Patriota, que respondeu laconicamente: "O Brasil não concedeu asilo porque
outros países concederam antes." Disse isso como se ignorasse a diferença
entre a posição do Brasil na escala mundial de poder e a da Bolívia, Equador e
Venezuela, que atenderam ao pedido de Snowden. A atitude desses países (ativa e
altiva, de fato) permaneceu no plano simbólico, diante do risco de que, durante
a viagem, o avião fosse interceptado, o que dificilmente ocorreria se o destino
fosse o Brasil.
No episódio da
espionagem, a reação de Brasília se assemelhou mais aos resmungos quase
inaudíveis dos vassalos europeus dos EUA do que ao repúdio emitido em tom firme
pela Argentina. Patriota esmerou-se em minimizar a importância do grampo como
algo banal, coisa que todo mundo faz. Imagine-se, por hipótese, como reagiria
Obama se descobrisse que o Brasil instalou uma central regional de espionagem
em Washington.
Ora, se o governo
brasileiro quisesse realmente mostrar desagrado perante o crime cometido contra
o nosso país, a atitude correta só poderia ser uma: suspender a viagem da presidenta
Dilma aos EUA. Em vez disso, limitou-se a uma queixa protocolar, apenas para
registro. Infelizmente, como disse o ex-chanceler Celso Amorim em outro momento
da conferência na UFABC, "tem muita gente que é patriota, mas depois de
algumas pressões, vai mudando de posição".
Artigo
originalmente publicado na edição 546 do Brasil de Fato.
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