Orlando Castro e
William Tonet – Folha 8, edição 1155 – 17 agosto 2013
À falta de espelhos
lá por casa, o pessoal da revista Forbes teima em adulterar a nossa história, esquecendo-se
que esta só pode ser escrita pelos vencedores. E estes são os donos do regime.
Em Janeiro, a revista garantia que Isabel dos Santos, a filha mais velha do
Presidente José Eduardo dos Santos, era – como se isso fosse crime - a mulher mais
rica de África. Eis senão quando, agora, a Forbes avança com um trabalho em que
passa a pente fino as origens de uma tão avultada fortuna.
Diz a publicação
que tudo tem origem no facto de Isabel ficar com uma parte, sempre de leão, das
empresas que se estabelecem no nosso país, ou da providencial assinatura do pai
(e então estavam à espera que o progenitor servisse para quê?) numa lei ou decreto.
O trabalho da Forbes é da autoria de Kerry A. Dolan, uma das coordenadoras da
lista anual dos milionários, e pelo nosso colega Rafael Marques, que dizem ter falado
com muita gente no terreno e consultado muitos documentos. Eis aqui o primeiro
estrondoso falhanço da matéria apresentada. Desde logo não falaram com a única pessoa
com conhecimento dos factos e detentor do diploma de dono da verdade: José
Eduardo dos Santos. A isso acresce que documentos válidos são apenas,
reconheça-se, os que constam da Presidência e que não foram obviamente
consultados.
Tanto quanto se
sabe, nem Isabel dos Santos nem o empresário português Américo Amorim, parceiros
umbilicais nos negócios mais transparentes do mundo, foram consultados pelos
autores. É uma falha grave. Kerry A. Dolan e Rafael Marques falaram com as galinhas
sobreviventes mas esqueceram-se de auscultar a versão da raposa que é dona do
galinheiro.
PRINCESA DESMENTE AS
CALÚNIAS
Fazendo uso da sua
habitual e congénita filantropia, Isabel dos Santos achou por bem desmentir as
afirmações da Forbes. Não teria sido necessário porque, na verdade, ninguém
acredita na revista e todos se ajoelham reverencialmente perante o “escolhido
de Deus”, venerando também todo o seu séquito. Isabel dos Santos afirma que o
artigo é obra de “um conhecido activista político que, patrocinado por
interesses escondidos, passeia pelo mundo a atacar Angola e os angolanos”. O comunicado
do gabinete da Presidência… da filha do presidente esclarece que “Isabel dos
Santos é uma empresária independente e uma investidora privada, representando
unicamente os seus próprios interesses”.
A revista
norte-americana, cujo valor e isenção fica a anos-luz do emblemático “Jornal de
Angola”, diz preto no branco que a história de Isabel dos
Santos, a milionária de 3000 milhões de dólares num país onde 70% dos
habitantes vivem com menos de 2 dólares por dia, “é uma rara janela para a
mesma trágica narrativa cleptocrática em que ficam presos muitos outros países
ricos em recursos naturais”. José Eduardo dos Santos, de 71 anos de idade, é o impoluto
Presidente da que já foi Popular mas que hoje é apenas República de Angola
desde 1979, e é o não menos impoluto chefe de Estado que governa há mais anos
sem ser monarca.
Todo este
curriculum, ao contrário do que advoga a Forbes, legitima que José Eduardo dos
Santos inclua a sua filha em todos os grandes negócios feitos em Angola ou em países
a quem, como Portugal, concedeu o estatuto de protectorado. Para a revista,
trata-se de uma “forma de extrair dinheiro do seu país, enquanto se mantém à
distância, de maneira formal”, o que lhe permite, “se for derrubado, reclamar
os seus bens, através da sua filha. Se morrer enquanto está no poder, ela
mantém o saque na família.”
RIQUEZA DE FORMA
TRANSPARENTE?
Isabel dos Santos
tem 24,5% da Endiama, a empresa concessionária da exploração mineira no Norte
do país – criada por decreto presidencial, que exigia a formação de um consórcio
com parceiros privados. Os parceiros privados da filha do Presidente, que incluíam
negociantes israelitas de diamantes, criaram a Ascorp, registada em Gibraltar. Na
sombra, diz a Forbes, citando documentos judiciais britânicos, tinha o
negociante de armas russo Arkadi Gaidamak, um antigo conselheiro do Presidente
angolano durante a guerra civil de 1992 a 2002.
O escrutínio
internacional dedicado aos diamantes, que também são sangue, explica a revista,
aconteceu no mesmo período em que Isabel dos Santos transferiu a sua parte do
negócio, que a Forbes classifica como “um poço de dinheiro”, para a mãe, uma
cidadã britânica. Tudo continua em casa, sublinha a revista. Além dos
diamantes, que sendo de sangue deixam os angolanos exangues, Isabel é dona de
25% da Unitel, a primeira operadora de telecomunicações privada do país, e que
resultou de um decreto presidencial directamente para a filha mais velha. “Um
porta-voz de Isabel dos Santos disse que ela contribuiu com capital pela sua
parte da Unitel, mas não especificou a quantia; um ano depois, a Portugal
Telecom pagou 12,6 milhões de dólares por outra fatia de 25%”, escreve a
Forbes.
Os 25% que Isabelinha
tem da Unitel são avaliados, segundo analistas financeiros ouvidos pela
revista, na módica quantia de mil milhões de euros. A parceria com Américo Amorim,
que abarca as áreas financeira, através do banco BIC, e petrolífera, através da
Amorim Energia e dos seus negócios na Galp e com a Sonangol, tem sido um
sucesso. A revista lembra o investimento de 500 milhões na portuguesa ZON e
explica também como Isabel dos Santos acabou por ficar à frente da cimenteira
angolana Nova Cimangola, também através (mera coincidência) de negócios com
Américo Amorim.
Depois de a Forbes
a ter declarado como uma bilionária, o “Jornal de Angola”, órgão oficial do
regime, exultava a caminha do Prémio Pulitzer com prosas também dignas de um
Nobel: “estamos maravilhados por a empresária Isabel dos Santos
se ter tornado uma referência do mundo das finanças. Isto é bom para
Angola e enche os angolanos de orgulho”. Pois é. Se ao menos o orgulho enchesse
a barriga, a esmagadora maioria do nosso Povo daria às filhas o nome de Isabel
e aos filhos o de José Eduardo.
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