Carvalho da Silva –
Jornal de Notícias, opinião
O Portugal
Democrático, mesmo com uma democracia esfarrapada e empobrecida, sobreviverá às
políticas neoliberais e retrógradas que estão a ser impostas, como e por quanto
tempo? Nos últimos dias, a partir de uma estimativa rápida (a ser revista) do
Instituto Nacional de Estatística (INE) sobre a evolução do Produto Interno
Bruto (PIB), desencadeou-se, pela enésima vez desde 2008, a ideia de que a
recessão económica está a ser ultrapassada e que agora é que é: "estamos a
sair da crise".
Até hoje todos os
anúncios deste tipo, feitos a partir de indicadores conjunturais lidos
parcelarmente e distanciados de uma abordagem sólida de tudo o que marca a
situação da economia e das pessoas, apenas serviram para limitar os protestos
populares, para secundarizar reflexões e propostas estruturadas, para o
prosseguimento de políticas desastrosas que têm conduzido o país a uma situação
cada vez pior. Desta vez, a ladainha de que vale a pena os sacrifícios e de que
é preciso continuá-los e aprofundá-los foi de imediato retomada e está a servir
a ofensiva contra os direitos dos trabalhadores e dos reformados, desde logo na
Administração Pública, os ataques ao ensino público, ao sistema de segurança
social e ao setor da saúde.
As previsões do INE
mostram-nos que a ocasional interrupção da recessão, no último trimestre, foi
talvez resultado de três causas: estarmos a ter um bom ano de turismo provocado
por fatores externos e instabilidades em destinos alternativos; aumento pontual
das exportações, designadamente, em resultado da entrada em funcionamento de
uma unidade da Galp em Sines; impacto positivo das decisões do Tribunal
Constitucional que evitaram algumas medidas de austeridade.
Quando olhamos com
rigor o que vai marcar os tempos próximos constatamos que não se prevê um aumento
sustentado das exportações. Por outro lado, as doses de maior austeridade, de
mais desemprego no setor público central e local, os cortes nas pensões e nas
funções sociais do Estado e o surgimento de emprego pouco qualificado e
miseravelmente remunerado agravarão os problemas.
Entretanto, vai
sendo colocado atentismo sobre "mudanças positivas" nas políticas da
União Europeia que carece de fundamento. O que continua a imperar são políticas
neoliberais e os interesses financeiros de alguns. Por causa das eleições
alemãs há muito lixo a ser empurrado para debaixo do tapete. Os problemas da
Grécia, como os de Portugal e de outros países em dificuldades, assim como a
grave situação do sistema financeiro europeu no seu conjunto, mantêm-se e
acentuam-se. As grandes mudanças de que a União Europeia carece nem por sombras
se perspetivam.
Algum dia se
encontrará saída para os problemas e passaremos a ter crescimento económico.
Mas, quando se conseguir construir esse momento, como estará em Portugal a
distribuição da riqueza? O que terá sido feito do nosso sistema nacional de
saúde, do sistema da segurança social, da escola pública, do sistema de
transportes, de milhares e milhares de pequenas e médias empresas privadas que
estabilizam o funcionamento da sociedade? O que terá sido feito do papel do
Estado e ao serviço de quem ele terá sido colocado?
É urgente travar o
plafonamento e outras loucuras na segurança social, travar o
"cheque-ensino" que significa destruição do direito universal ao
ensino, travar as manipulações estatísticas no setor da saúde que visam
esconder o seu debilitamento e o favorecimento à privatização. A discussão em
torno do próximo Orçamento do Estado é primordial. A ela se tem de associar um
forte debate sobre estas políticas que estão a ser impostas a toda a
velocidade.
Temos um presidente
da República que só por milagre, ou fortíssima pressão da sociedade, não dará
cobertura ao subversivo programa do Governo/troika até 2016, o que torna o
processo ainda mais complexo. É preciso aumentar a sua responsabilização.
Portugal
Democrático pode não resistir por muito mais tempo. A sociedade portuguesa tem
recursos e capacidades para o defender, mas o tempo escasseia para as forças de
Esquerda e os democratas encetarem caminhos alternativos e propostas de
governação.
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