quinta-feira, 15 de agosto de 2013

CUBA, UM PEQUENO FAROL NA CONSCIÊNCIA COMUM DA HUMANIDADE

 

Martinho Júnior, Luanda
 
O que mais nos surpreende no estado caótico em que se encontra cada vez mais o Mundo é o colapso da informação, especialmente vetada àqueles que têm a ousadia de erguer as suas vozes para tornar evidentes a acumulação de erros com que é regida a Humanidade e que resultam da acumulação e agravamento de condições de desequilíbrio, das injustiças, incertezas e até do espectro da morte.
 
Uma dessas vozes dissonantes é a de Fidel Castro que com plena consciência dos riscos, mas com um enorme sentido de responsabilidade, ultrapassa em muito as questões que se referem ao seu pequeno País e se ergue, sempre que se oferece oportunidade, como um verdadeiro advogado dum Mundo melhor, conforme ele próprio afirmava na cúpula do milénio na ONU, a 6 de Setembro de 2000, “lutando pelo impossível”.
 
Cuba demonstra assim que não perdeu suas qualidades Revolucionárias no que elas se referem à dignidade, seriedade e solidariedade, apesar do tenebroso quadro em que hoje em dia se definem as nações e os povos dum “Terceiro Mundo” cronicamente subdesenvolvido e atirado por vezes para as situações extremas de marginalidade.
 
A mesma chama que animou Cuba em 1965, para acorrer em auxílio de África, na altura decisiva dos processos de descolonização, anima hoje os dirigentes Cubanos enquanto críticos duma “globalização” que promove uma autêntica distorção dos interesses da Humanidade e do Planeta:
 
“Três dezenas de países desenvolvidos e ricos, que monopolizam o poder económico, tecnológico e político, se reúnem aqui connosco para nos oferecer mais das mesmas receitas que têm servido apenas para nos fazer cada vez mais pobres, mais explorados e mais dependentes.
 
Não se fala sequer de reformar radicalmente esta vetusta instituição, nascida há mais de meio século, quando só existiam alguns poucos países independentes, para convertê-la num órgão que represente verdadeiramente os interesses de todos os povos do mundo sem que exista para ninguém o irritante e antidemocrático direito de veto e iniciar um processo que implique na ampliação do número de membros e na ampliação da representatividade do Conselho de Segurança como um órgão executivo subordinado à Assembleia Geral, a qual deveria tomar as decisões em temas tão vitais como a intervenção e o uso da força.
 
É necessário estabelecer com toda a firmeza que o princípio da soberania não pode ser sacrificado em nome de uma ordem exploradora e injusta em que, apoiada no poder e sua força, uma super potência hegemónica pretende decidir tudo.
 
Isso Cuba não aceitará jamais.
 
As causas fundamentais dos actuais conflitos estão na pobreza e no subdesenvolvimento que prevalecem na imensa maioria dos países e na desigual distribuição das riquezas e dos conhecimentos que impera no mundo.
 
Não se pode esquecer que o subdesenvolvimento e a pobreza actuais são a consequência da conquista, da colonização, da escravidão e do saque da maior parte da Terra pelas potências coloniais, o surgimento do imperialismo e das guerras sangrentas por uma nova repartição do mundo.
 
Hoje eles têm a obrigação moral de indemnizar nossos países pelos danos que nos fizeram durante séculos.
 
A humanidade deve tomar consciência do que fomos e do que não podemos continuar sendo.
 
Hoje nossa espécie adquiriu conhecimentos, valores éticos e recursos científicos suficientes para marchar para uma nova etapa histórica de verdadeira justiça e humanismo.

Nada do que existe na ordem económica e política serve aos interesses da humanidade.

É insustentável.
 
Há que mudá-la.
 
Basta recordar que já somos mais de 6 biliões de habitantes dos quais 80% é pobre.
 
Enfermidades milenárias dos países do Terceiro Mundo como malária, tuberculose e outras igualmente fatais não foram vencidas; novas epidemias como a AIDS ameaçam extinguir a população de nações inteiras, enquanto nos países ricos invertem somos fabulosas em gastos militares e luxos e uma praga voraz de especuladores trocam moedas, acções e outros valores reais ou fictícios, por somas que alcançam biliões de dólares por dia.
 
A natureza é destruída, o clima muda a olhos vistos, as águas para o consumo humano são contaminadas e se escasseiam; os mares diminuem as fontes de alimentação para o homem; recursos vitais não renováveis se dissolvem em luxos e vaidades.
 
Qualquer um compreende que o objectivo fundamental das Nações Unidas no século apressado que se inicia, é salvar o mundo não apenas da guerra mas também do subdesenvolvimento, da fome, das enfermidades, da pobreza e da destruição dos meios naturais indispensáveis para a existência humana.
 
E deve fazer com rapidez antes que seja tarde demais !
 
O sonho de alcançar normas verdadeiramente justas e racionais que fixem os destinos da humanidade há muito parece impossível a estes.
 
Nossa convicção é que a luta pelo impossível deve ser o lema desta instituição que hoje nos reúne!”
 
Marcada a posição na ONU, o Governo Cubano está actualmente a trabalhar para a revitalização do Movimento dos Não Alinhados, conjuntamente com aqueles que têm mais consciência das desigualdades, dos desequilíbrios e das injustiças, consequência de políticas neo liberais que têm um núcleo duro à altura daqueles que compõem a própria aristocracia financeira Mundial.
 
A segunda Revolução Capitalista que se assiste, feita com transformações substanciais nas ciências e nas tecnologias, não é para que se consiga dar luta aos graves problemas do subdesenvolvimento, que afectam cerca de 4 mil milhões de seres humanos, 75% da Humanidade, mas, com todas as motivações consumistas, agravar ainda mais o fosso entre a trintena de Nações e Estados ricos e o resto que vegeta com elevados níveis de dependência, pobreza e doença (algumas delas de muito difícil combate).
 
A 25 de Fevereiro de 2003 Fidel Castro, em Kuala Lumpur, durante a XIIIª Conferência de Chefes de Estado dos Países Não Alinhados, uma vez mais fez a síntese dos desafios e apela a respostas no sentido duma visão mais esclarecida e concertada dos problemas globais:
 
“Vivemos tempos difíceis.
 
Nos últimos meses ouvimos mais de uma vez palavras e conceitos que dão calafrios.
 
Em discurso pronunciado diante dos cadetes de West Point a 1º de Junho de 2002, o presidente dos Estados Unidos declarou: nossa segurança exigirá que transformemos a força militar que os senhores dirigirão numa força militar que deve estar pronta para atacar imediatamente qualquer rincão escuro do mundo.

Nesse mesmo dia proclamou a doutrina da guerra preventiva e de surpresa, algo que nunca fora feito na história política do mundo.

Meses depois, ao referir-se à desnecessária e quase certa acção militar contra o Iraque, afirmou: ...se nos obrigarem à guerra vamos lutar com o pleno poderio das nossas forças armadas.

Quem declarava isto não era o governo de um Estado pequeno e fraco; era o chefe da potência militar mais rica e poderosa que já existiu, possuidora de milhares de armas nucleares suficientes para liquidar várias vezes a população mundial e de outros temíveis sistemas militares convencionais ou de destruição em massa.

É isso que somos: rincões escuros do planeta.
 
Assim é que alguns vêem os países do Terceiro Mundo.
 
Nunca ninguém nos definiu melhor, nem o fez com mais desprezo.

As antigas colónias das potências que repartiram o mundo entre si e saquearam-no durante séculos constituem hoje o conjunto de países subdesenvolvidos.

Para nenhum deles existe independência plena, tratamento justo e igualitário, nem segurança nacional alguma; nenhum é membro permanente do Conselho de Segurança, nenhum tem direito de veto, nem decide algo nos organismos financeiros internacionais; nem retém os seus melhores talentos, nem pode defender-se da fuga dos seus capitais, da destruição da natureza e do meio ambiente, provocada pelo consumismo desperdiçador, egoísta e insaciável dos países de economia desenvolvida.

Após a última matança mundial na década de 40 prometeram-nos um mundo de paz, reduzir a distância entre ricos e pobres e que os mais desenvolvidos ajudariam os menos desenvolvidos.

Tudo resultou numa enorme mentira.
 
Impuseram-nos uma ordem mundial que não se pode sustentar nem se pode suportar.
 
O mundo é conduzido para um beco sem saída.
 
Em apenas 150 anos ter-se-ão esgotado o petróleo e o gás natural que o planeta demorou 300 milhões de anos para acumular.

A humanidade em apenas 100 anos cresceu de aproximadamente 1500 milhões para mais de 6000 milhões de habitantes.

Terá que depender inteiramente de fontes de energia que ainda estão por investigar e desenvolver. A pobreza cresce, velhas e novas doenças ameaçam aniquilar nações inteiras; a terra sofre erosão e perde fertilidade; o clima muda, o ar, a água potável e os mares estão cada vez mais contaminados.

Tira-se autoridade, faz-se obstrução e arruína-se a Organização das Nações Unidas; diminui-se a ajuda ao desenvolvimento; exige-se ao Terceiro Mundo o pagamento de uma dívida de 2,5 milhões de milhões de dólares que é absolutamente impagável nas condições actuais; gasta-se em contrapartida um milhão de milhão de dólares anualmente em armas cada vez mais refinadas e letais.

Por que e para que?

Um número semelhante é gasto em publicidade comercial semeando ânsias consumistas, impossíveis de satisfazer, em milhares de milhões de pessoas.

Por que e para que?

Nossa espécie, pela primeira vez, corre perigo real de extinguir-se devido às loucuras dos próprios seres humanos, vítimas de semelhante civilização.

Ninguém contudo lutará por nós que constituímos a imensa maioria.
 
Só nós mesmos, com o apoio de milhões de trabalhadores manuais e intelectuais dos próprios países desenvolvidos que vêm cair a catástrofe também sobre os seus povos, semeando ideias, criando consciência, mobilizando a opinião pública do mundo e do próprio povo norte-americano, poderemos ser capazes de salvá-la.

Não é preciso dizer mais.

Os senhores sabem muito bem.
 
Nosso mais sagrado dever é lutar e lutaremos!”
 
Até quando os Povos dos Países Subdesenvolvidos do “Terceiro Mundo” terão de suportar o fardo da dependência e terão de assistir à rapina em condições extremamente desfavoráveis das riquezas naturais, muitas vezes à custa da sua própria marginalidade e terrível miséria?
 
O novo milénio não trouxe mais liberdade, nem mais democracia, nem mais equilíbrio ou justiça social, pelo contrário, agravaram – se os problemas humanos e ambientais e o futuro das gerações que se nos seguirão, não será melhor.
 
A posição de Cuba no concerto Internacional, volvidos 45 anos da revolução cubana, tão digna e solidária como no princípio, mas cada vez mais consciente dos riscos e dos desafios que se apresentam à humanidade, ergue – se hoje como um pequeno farol a iluminar a consciência comum e a história contemporânea.
 
Martinho Júnior há 10 anos – texto publicado a 27 de Dezembro de 2003, no nº 377 do desaparecido ACTUAL, em Luanda.
 
Gravura: Página do ACTUAL onde foi publicado o artigo
 

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