António
Marinho e Pinto – Jornal de Notícias, opinião
A atual maioria PSD
/CDS prepara-se para reduzir em 10% os montantes de todas as pensões do setor
público. A medida, que estará inserida no tão propalado corte de quatro mil
milhões de euros nas despesas do Estado (montante posteriormente reduzido para
dois mil milhões), constitui um ato brutal contra quem trabalhou e descontou
durante o período da vida ativa e que, chegado à velhice, acaba sendo alvo de
um verdadeiro assalto aos seus rendimentos. Não está só em causa o princípio
republicano da solidariedade, um dos valores matriciais de qualquer República
Democrática (cfr. Artigo 1.o da Constituição). O que esta maioria se prepara
para fazer constitui a negação dos mais elementares princípios do direito. Com
essa medida, o PSD e o CDS retiram a milhares de idosos as condições de
dignidade para o fim das suas vidas, pois com esse corte muitos idosos terão de
reduzir ou eliminar despesas pessoais absolutamente essenciais à sua
existência, tais como alimentação e medicamentos. Mas, com tal medida, o PSD e
o CDS violam também, de forma acintosa, o contrato de cidadania que o Estado
havia celebrado com os seus servidores, mediante o qual estes teriam, no fim da
sua carreira contributiva, direito a uma pensão proporcional às respetivas
contribuições. O PSD e o CDS, chegados ao poder, não só violam todas as
promessas eleitorais que lhes permitiram precisamente alcançar o poder, fazendo
justamente aquilo que em campanha eleitoral garantiram que nunca fariam, mas
violam ainda as mais basilares regras jurídicas, já que, com uma pusilanimidade
estonteante, rasgam os contratos vitalícios que o Estado havia celebrado. Tudo
sem qualquer culpa dos prejudicados, com a exceção, porventura, de terem
permitido que pessoas sem palavra e sem honradez política chegassem ao poder.
Mas, ao mesmo tempo
que se preparam para cortar impiedosamente nas pensões dos aposentados,
incluindo daqueles que auferem apenas algumas centenas de euros mensais, o PSD
e o CDS propõem-se, com a mesma insensibilidade, isentar desses cortes
magistrados e diplomatas, muitos dos quais auferem pensões superiores a cinco
mil euros mensais. Trata-se da consagração, na nossa República Democrática, de
um privilégio de casta que, numa sociedade decente, deveria envergonhar tanto
quem o concede como quem o recebe. Um privilégio que, no caso dos magistrados,
acrescerá a muitos outros verdadeiramente escandalosos, como subsídios de
habitação a quem vive em casa própria, isenções de impostos, etc. Mas, como a
cultura dos nossos magistrados é a de quem se julga acima dos simples mortais,
tudo o que sabe a privilégios é sempre bem-vindo para eles.
Porém, como não há
almoços grátis, a prebenda que o PSD e o CDS se preparam para oferecer aos
magistrados deve ter, obviamente, por detrás, negociatas malcheirosas. Para
além de poder constituir um aliciamento por parte de quem não tem a consciência
tranquila e procura favores ou indulgências judiciais, ela não pode deixar de
ser encarada como um prémio pelo contributo que os magistrados deram para
desgastar o Governo anterior com processos vergonhosos, assim contribuindo
também para antecipar a chegada ao poder do PSD e do CDS. Mas, por outro lado,
ela surge não muito tempo depois de um dirigente do sindicato dos juízes ter
insinuado publicamente que se os juízes portugueses tivessem de suportar os
sacrifícios da crise como todos os outros cidadãos, eles poderiam deixar de ser
independentes e, provavelmente - pensámos todos nós - corromper-se-iam e (pelo
menos alguns) passariam a vender sentenças.
É claro que agora
não faltarão os habituais magistrados papagaios tentando justificar essa
ignomínia com os mais estúpidos argumentos (lembram-se daquele em que, além das
férias de Natal e da Páscoa, se justificava a existência de dois meses de
férias no verão para os magistrados trabalharem?). Mas isso só demonstra a
conta em que eles têm os cidadãos desta República. Por mim, repito: nestas
coisas (como em muitas outras da vida), não há almoços grátis, só faltando
apurar o que os magistrados, sobretudo os juízes, darão em troca ao PSD e ao
CDS, além do que já deram no passado recente.
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